A ansiedade não é um problema incurável. Antes pelo contrário. Quem o diz é Enrique Rojas, um dos mais prestigiados psiquiatras espanhóis. Professor catedrático de Psiquiatria e Psicologia Médica, a ansiedade, a depressão, as crises conjugais e os caminhos que conduzem à felicidade são apenas algumas áreas nas quais trabalhou.

Para o especialista, que é também autor de vários livros, entre os quais “Não te Rendes!” (2012) e “Vive a tua Vida” (2015), há que abordar a ansiedade de frente, tentar racionalizá-la de modo a recuperar a calma, mas acima de tudo dar importância àquilo que nos acontece na vida. A sua mais recente obra, “SOS Ansiedade” — que chega agora às livrarias portuguesas –, é um manual de sobrevivência para todos aqueles que sofrem deste problema e não sabem como lidar com ele.

O que o levou a querer escrever um livro sobre ansiedade?
Nos dias que correm, os dois grandes sintomas na psiquiatria são a ansiedade e a depressão. A ansiedade tem uma grande importância devido ao ritmo de vida, devido à sociedade e devido à cultura. Hoje em dia é um sintoma muito frequente, enquanto há 40/50 anos, a ansiedade era muito rara, muito pouca gente a tinha.

Como definiria a ansiedade?
A ansiedade é uma emoção negativa que produz uma vivência de medo, de receio, de inquietação, de desassossego, que dá lugar a sintomas físicos como taquicardia, dificuldade respiratória, tremores, suores e, ao mesmo tempo, antecipação do pior. Viver um presente, um passado e um futuro incerto, temeroso, preocupante. Distingue-se a ansiedade exógena, que vem de fora e deve-se a aspetos da vida, da ansiedade endógena, que é interior e deve-se a um desequilíbrio bioquímico.

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Existem vários tipos de ansiedade?
Há dois tipos de ansiedade. A geral, ou generalizada, — os americanos chamam de free floating anxiety — é uma ansiedade envolvente: medo, receios, inquietude, nervosismo. E há uma ansiedade muito específica, que se chama crise de pânico. Dura três, quatro, cinco minutos e dá lugar a um autêntico tsunami de ansiedade. É muito intensa, muito breve e produz, à posteriori, um medo que se volte a repetir. A partir destas crises, a pessoa fica sempre na defensiva, a pensar na possibilidade de voltar a acontecer.

Devemos falar em ansiedade — no singular — ou em ansiedades — no plural?
Acho que podemos utilizar as duas, mas há uma diferença entre medo e ansiedade. O medo é o receio de algo concreto, com objeto: medo de apanhar o avião, medo de falar em público, medo de apanhar o comboio. A ansiedade, seguindo este raciocínio, é um receio sem objeto, onde o objeto do medo é difuso, etéreo, impreciso. Na ansiedade desvanecem-se os porquês, porque não há porquê. Kierkegaard [filósofo dinamarquês do século XIX] tem um livro chamado “O conceito da angústia”, em que diz que “a angústia é uma simpatia antipática e uma antipatia simpática”.

Qual é a diferença entre angústia e ansiedade?
Há uma diferença, é a mesma entre o português do norte e o português de Lisboa. São os dois uma emoção de receio, mas na ansiedade a pessoa está ativa, está com vontade de fazer algo para sair do conflito, está expectante. Enquanto a angústia é um medo que a deixa paralisada, bloqueada, sem atividade, sentindo-se como se estivesse derrotada. A ansiedade é mais intelectual e a angústia é mais somática.

É possível ter as duas ao mesmo tempo?
Sim. Aí a fronteira é muito imprecisa, como a fronteira entre Espanha e Portugal.

Pode passar-se de um estado para o outro facilmente?
Sim.

Podemos falar na ansiedade como um sintoma de algo inconsciente e que se manifesta desta maneira?
Não, o que fazemos é racionalizar a ansiedade. No caso da ansiedade exógena [que vem de fora] perguntamos “porque tens ansiedade?”. Uma pessoa pode ter ansiedade por estar com medo de um exame, de que um relacionamento termine, por causa de um problema económico importante. É uma ansiedade com um objeto. Por outro lado, há uma ansiedade mais clínica, em que não há nada em concreto que provoque o receio.

O que me pode perguntar é se existe ansiedade positiva. Sim, a ansiedade é positiva quando ajuda a crescer como pessoa. Em linguagem coloquial dizemos que é “uma pessoa com muitas inquietações”, significa é alguém que quer mais, com curiosidade em aprender, que quer melhorar profissionalmente.

Qual é a diferença entre ansiedade positiva e negativa?
Uma ansiedade negativa afeta e trava o desenvolvimento de uma pessoa em termos afetivos, sociais, culturais e profissionais.

Podemos falar numa ansiedade positiva, ainda que a pessoa esteja em sofrimento?
Sim. Por exemplo, uma pessoa pode ter ansiedade porque quer melhorar o seu inglês. É uma ansiedade positiva porque demonstra preocupação em melhorar o vocabulário, por ter mais fluidez na exposição dessa língua. Uma pessoa impulsiva, tem reações agressivas e é instável e pode ter ansiedade porque quer melhorar a sua personalidade. Isso é positivo.

Mas nesses casos a pessoa está a sofrer…
Sim, mas estamos a falar de uma meta que é importante e exige esforço. Nesses caso, falamos de ansiedade criativa.

É mais comum uma pessoa ficar ansiosa por fatores externos ou internos?
Depende da pessoa. Nos extrovertidos, os fatores mais importantes são externos. Nos introvertidos, são internos. Por exemplo, uma pessoa introvertida pode transformar um problema num drama, uma dificuldade em algo muito grande, e que não é para tanto. Nas pessoas mais extrovertidas, por sua vez, pode ser um acontecimento real da vida que lhes custa resolver.

Quando uma pessoa está a ter uma crise de ansiedade, há alguma coisa que possa fazer para travar este processo? Ou para ficar mais calma?
Em pessoas com crises de ansiedade fazemos duas coisas: a primeira é ensinar-lhes mensagens positivas — chamadas mensagens cognitivas — que a pessoa diz a si mesma quando começa a sensação de mal-estar que lhe lembra um ataque de pânico. Começa a repetir uma série de frases breves como “tranquilo, não te preocupes”, “não se passa nada, desdramatiza”. Frases que dependem da idade, do nível cultural, das características do paciente. Escrevem-nas para depois repeti-las. A segunda é ter uma medicação especial e de ação rápida. É a pessoa saber que conta com um fármaco eficaz para a crise.

No seu livro refere que a ansiedade pode vir “de todos os lados”. Como é que as pessoas podem proteger-se?
O problema é que a ansiedade pode ativar-se em circunstâncias de tensão emocional. Por exemplo, uma pessoa tímida, que tem de falar em público e não tem essa facilidade, fica nervosa, com a boca seca, tem taquicardia, não respira bem. Deve evitar estas situações para não aumentar a ansiedade.

E quando não se pode evitar?
Aí há que recorrer à medicação. Um fármaco que a pessoa sabe que contém o lado somático da ansiedade, que trava os sintomas.

Em medicina há dois tipos de tratamentos: o tratamento etiológico e o tratamento sintomático. O tratamento etiológico vai à raiz do problema e o tratamento sintomático vai ao sintoma. Isto é, quando uma pessoa tem dor de cabeça, o tratamento sintomático é dar-lhe um analgésico e o tratamento etiológico é saber por que lhe dói a cabeça, as causas — pode ter um tumor, pode ter uma infeção.

Com a ansiedade é o mesmo. No mundo hipocrático [Hipócrates, o pai da medicina], havia três perguntas básicas que se faziam a um paciente: “o que tens?”; “desde quando?”; e “atribuis a quê?”. O próprio diz ao médico: “acho que a ansiedade tem a ver com um problema que tive com a minha mulher”, ou “com o meu pai”, ou “com o trabalho”. Ou seja, saber exatamente de onde vem a ansiedade. Se a ansiedade não vem de parte nenhuma, então é uma ansiedade endógena, biológica, bioquímica.

É importante saber quais são as causas da ansiedade e tratar essas causas? Através de psicoterapia?
Nós [eu e a minha equipa] fazemos uma terapia integral. Consiste em farmacoterapia, medicação, psicoterapia, aulas de conduta, terapia laboral — muitos desempregados têm ansiedade e ensina-se a trabalhar umas horas, com ordem. Há ainda a socioterapia: muitas pessoas estão sozinhas e o que precisam é de relacionar-se com outros — para se estar sozinho e estar-se bem, é preciso estar muito equilibrado — e a biblioterapia, são livros simples e claros. Recomenda-se um livro sobre ansiedade, sobre ter uma personalidade mais equilibrada, um livro sobre amor, um livro sobre educação dos filhos. Eu vendi três milhões de livros, mas não sou escritor. Sou um médico que escreve. Isso significa que abordei temas que interessam a todos.

A ansiedade tem cura?
90% das pessoas que têm crises de ansiedade curam-se e acabam por não voltar ao psiquiatra.

É possível curar sem a psicoterapia?
É muito raro. Tenho muita experiência em crises de ansiedade porque vi muitas. Passo muitas horas em consulta, com a minha equipa, a ver pacientes. 95% dos nossos pacientes têm cadernos onde apontam os objetivos psicológicos que lhes damos. São coisas concretas. No caso das pessoas com ansiedade, escrevem-se condutas para acabar com a ansiedade: aprender a dar o devido valor àquilo que acontece; não transformar um problema real num drama; conferir mais sentido de humor à vida; aprender a distrair e a desfrutar da vida.

Há pouco, dizia que havia uma série de sintomas físicos relacionados com a ansiedade — o suor, a taquicardia. A ansiedade pode conduzir a doenças?
Sim. Quando a ansiedade se mantém pode fazer um caminho somático ou um caminho psicológico. O caminho somático pode afetar os músculos lisos do ser humano, que são fundamentalmente o aparelho digestivo e respiratório, e começa em forma de dispepsias [sensação de mau estar associada a náuseas, vómitos, azia], gastrites, úlceras de estômago. Noutros casos aparecem problemas respiratórios: dificuldade em respirar, asma — há muitos casos de asma provocados pela ansiedade.

Há ainda casos em que as pessoas ficam hipocondríacas. Há dois tipos de hipocondria: a hipocondria “cum materia”, em que o sujeito tem um problema e fica hipocondríaco; e a hipocondria “sine materia”, em que o sujeito não tem nada, mas acha que tem tudo. É o que Molière [dramaturgo francês do século XVII] chamava de “Le Malade Imaginaire” (O Doente de Cisma).

E o caminho psicólgico?
No caminho psicológico entra a fobia e a obsessão. Por exemplo, uma pessoa que tem um ataque de pânico durante uma viagem de avião. Quando sai, não se esquece do que viveu, do quão mal se sentiu e, nos dias que se seguem, cria-se um medo em voltar a andar de avião que se vai intensificando. Esse medo intenso transforma-se em fobia. O medo e a fobia são coisas diferentes. O medo é um receio mais ligeiro, que se vence com vontade, enquanto a fobia é um receio muito intenso, que leva a duas ações: evitar e adiar. E há ainda um terceiro caminho: os ataques histéricos.

Ainda existem?
Hoje em dia quase não se veem porque a sociedade tornou-se muito introvertida. A comunicação entre as pessoas perdeu-se e as pessoas estão mais voltadas para si mesmo. Os ataques histéricos acontecem em locais com uma população pouco diferenciada e onde há muita afetividade, como em Moçambique, Angola, São Tomé, Timor, ou Indonésia. O Ocidente racionalizou-se.

Mas a ansiedade é também uma forma de interpretar a realidade.

Como assim?
A felicidade consiste na interpretação positiva da realidade. A felicidade não depende da realidade, mas sim da sua interpretação. Uma vida sem ansiedade absoluta e total é difícil.

Há pouco falávamos de doenças como a asma e as úlceras…
A ansiedade crónica provoca doenças psicossomáticas. Já vi pessoas que tiveram uma crise de ansiedade tão grande que ficaram com afasia [perder a fala].

Quando uma pessoa está neste estado, deve tratar só a doença ou deve acompanhar com um tratamento psicológico?
As duas coisas, mas principalmente a doença em concreto. Há pouco tempo tive uma rapariga de 12 anos que perdeu a visão devido a uma emoção muito forte. Ficou sem ver durante duas semanas. Foi vista por um oftalmologista, que não encontrou nada, e uma psicóloga da minha equipa fez-lhe uma terapia das emoções, ou seja, deixar a pessoa contar aquilo que se passou, e essa rapariga acabou por recuperar a visão.

A ansiedade pode ser hereditária?
A ansiedade é herdada da personalidade. Uma parte da personalidade é hereditária — chama-se temperamento –, outra parte é adquirida — carácter — e outra é histórica — biográfica. Pode-se herdar do pai ou da mãe uma personalidade ansiosa, isto é, nervosismo, inquietude, desassossego, irritabilidade.

Os bebés têm ansiedade?
Não. As crianças podem ter ansiedade, mas já com alguma idade. Uma criança com um ano e meio usa vinte, trinta palavras. Uma criança com três anos usa mil. Através da linguagem, a criança faz-se dona do mundo, portanto é a partir dessa idade que pode ter medo. As crianças têm medo do desconhecido, que geralmente são medos noturnos, que é a ansiedade da criança. Os dois grandes medos da criança são a escuridão e a solidão. Esse medo noturno pode corrigir-se de duas maneiras: deixá-la sozinha no seu quarto com a porta aberta (ou entreaberta) e com uma luz de baixa intensidade. Nos primeiros anos, a figura decisiva na educação da criança é a mãe.

Tendo em conta que os pais, e neste caso a mãe, são um fator tão decisivo na vida de uma criança, eles podem ter alguma influência no facto de a criança se tornar num adulto mais ou menos ansioso?
Claro. Os pais são os primeiros educadores e devem educar com ordem, alegria e disciplina. Quando há ordem e vontade, patrocina-se a alegria. Uma criança precisa de regularidade no sono, nas comidas. Sabemos que existem depressões endógenas ou exógenas em crianças com cerca de dez anos. Na depressão exógena, as mais importantes são as chamadas, em linguagem comum, ‘crianças ping-pong’, os filhos de pais separados, que um dia está com o pai e noutro dia está com a mãe.

Há uma maior prevalência da ansiedade nas mulheres ou nos homens?
No geral, as mulheres têm uma ansiedade mais afetiva e os homens uma ansiedade mais profissional.

Hoje em dia as pessoas ainda têm algum pudor em falar das crises de ansiedade?
Acho que estamos a assistir a uma mudança. Nos Estados Unidos, o psiquiatra converteu-se no médico de cabeceira.

E no caso de Espanha ou Portugal?
Eu tenho tradição familiar nesta área. O meu pai era psiquiatra e toda a minha família dedica-se à psiquiatria. Houve uma mudança, hoje em dia mal as pessoas sabem que sou psiquiatra contam os seus problemas. Provavelmente, em sítios com uma população menos diferenciada, as pessoas têm dificuldade em ir ao psiquiatra por acharem que é um médico para quem está mal da cabeça. Isso também pode acontecer em alguns locais aqui em Portugal, mas para as pessoas mais diferenciadas, o psiquiatra é um médico normal.

Em Portugal, 31% da população sofre de ansiedade e/ou depressão (dados do Instituto de Saúde Mental). Acha que há um fator cultural ou social por trás disto? Nós temos o fado, tivemos uma crise económica…
Há dúvida? Temos que pensar que a União Europeia passou por uma crise monumental e que agora está a superar-se em Portugal, em Espanha, em Itália. Há um pensador espanhol chamado Ortega y Gasset que dizia: “Eu sou eu e a minha circunstância”.