O que só acontece nos piores pesadelos de um apresentador, aconteceu mesmo em pleno Dolby Theatre, debaixo dos olhares de meio mundo: no momento mais esperado da noite, a dupla de apresentadores Warren Beatty e Faye Dunaway (Bonnie and Clyde) recebeu o envelope vermelho que teria o nome do Melhor Filme do ano. Warren Beatty abriu o envelope, hesitou por instantes, estranhou o que leu, ainda procurou um segundo papel dentro do mesmo envelope, mas lá disse: “O Óscar de Melhor Filme vai para…” e, como combinado, passou a batata quente a Faye Dunaway, suplicando em silêncio por ajuda. Mas à hesitação de Clyde, Bonnie respondeu com certezas: “La La Land!!!”
#Moonlight wins Best Picture after #LaLaLand is mistakenly announced https://t.co/LOAIvUd6ub #Oscars pic.twitter.com/tgeTOrEUGd
— People (@people) February 27, 2017
Estava consagrada a vitória do musical de Damien Chazelle. Só que não. Já depois de toda a equipa ter subido ao palco e começado os agradecimentos é que o erro se desfez. Com a confusão instalada, e membros da organização a circular para trás e para a frente com um segundo envelope nas mãos, foi preciso um dos produtores de La La Land, Jordan Horowitz, interromper as comemorações e dizer: “O vencedor é Moonlight. Não estou a brincar, o Óscar é vosso”. E foi assim que o Óscar mais esperado da noite foi literalmente arrancado das mãos de La La Land e passado para as mãos de Moonlight, o drama realizado por Berry Jenkins.
As reações dos, afinal, derrotados, foram do riso às (quase) lágrimas.
Ryan Gosling riu…
Ryan Gosling reacts as the true winner of best picture "Moonlight" is announced at the #Oscars. pic.twitter.com/QBRso3yHNJ
— AP Images (@AP_Images) February 27, 2017
… Emma Stone ficou incrédula: “Oh meu Deus”, pode ler-se nos lábios.
https://twitter.com/nadatostada/status/836085289542021122?ref_src=twsrc%5Etfw
…e o realizador Damien Chazelle (ao fundo na imagem) ficou com vontade de “matar alguém”.
Damien Chazelle is going to murder someone for this #Oscars #BestPicture pic.twitter.com/mVjKhTL5uL
— The Mold Standard (@TheMoldStandard) February 27, 2017
Um verdadeiro twist, maior ainda do que o twist do drama cantado e dançado no grande ecrã. Mas de quem foi a culpa? Inicialmente, o visivelmente atrapalhado Warren Beatty começou por justificar o sucedido. “Juro que não estava a tentar ser engraçado”, disse, depois de explicar que, quando abriu o envelope com o vencedor, vinha escrito “Emma Stone, La La Land”. “Por isso é que fiz uma pausa”. Mas a pausa não chegou. De Faye Dunaway ninguém mais ouviu uma palavra.
Só que este não foi o único twist do final de noite. O segundo viria já nos bastidores, quando a atriz Emma Stone deu a sua versão da história: “Estamos muito contentes por Moonlight. Acho que é um dos melhores filmes de todos os tempos. Mas eu estava a segurar o meu cartão de Melhor Atriz o tempo todo”. Ups. “Por isso, o que quer que tenha acontecido — e não quero começar aqui nenhuma história — mas o que quer que tenha acontecido, eu tinha o cartão na mão. Não tenho a certeza do que aconteceu”, disse, ainda a quente.
https://www.youtube.com/watch?v=WSCuGj0pIww
Para que não restassem dúvidas, o realizador de Moonlight, Berry Jenkins, postou no Twitter a fotografia do envelope. O verdadeiro. E, já nos bastidores, viria a ser questionado sobre o sucedido. “Não tenho explicação, as coisas acontecem. Mas posso dizer que vi dois cartões. Eu queria ver o cartão com o nome e o Warren [Beatty] não o queria mostrar a ninguém a não ser a mim. Ele só dizia ‘Barry Jenkins tem de ver o cartão, ele tem de saber'”.
STILL SPEECHLESS pic.twitter.com/qe3NUDWAHM
— Barry Jenkins (@BarryJenkins) February 27, 2017
A culpa, a responsabilidade, o pedido de desculpas
A culpa foi mesmo do envelope trocado. E quem é responsável por toda a logística do “segredo mais bem guardado de Hollywood” é a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC), que há 83 anos colabora com a Academia para garantir o sigilo e a segurança dos envelopes que contêm os nomes dos vencedores. Logo às primeiras horas da manhã (em Lisboa) a PwC já fez uma espécie de mea culpa e desdobrou-se em desculpas:
“Pedimos as mais sinceras desculpas ao Moonlight, La La Land, Warren Beatty, Faye Dunaway, e aos espectadores da cerimónia dos Óscares pelo erro durante o anúncio do Melhor Filme. Os apresentadores receberam , por engano, o envelope da categoria errada. Quando se descobriu o erro foi imediatamente corrigido. Estamos a investigar como é que isto pôde acontecer, e lamentamos profundamente o sucedido. Agradecemos a forma como os nomeados, a Academia, a ABC e Jimmy Kimmel lidaram com a situação”.
— PwC US (@PwCUS) February 27, 2017
A verdade é que a culpa pode mesmo ter sido de Martha Ruiz e Brian Cullinan, as duas pessoas que nos últimos anos têm sido responsáveis por contar os votos e carregar as pastas com os envelopes, ficando a guardar “o segredo” durante toda a cerimónia — um em cada lado do palco. Como se explica no vídeo “por detrás das câmaras” feito com Ruiz e Cullinan — e publicado no site da PricewaterhouseCoopers — são eles os únicos detentores dos segredos e são eles que distribuem os envelopes, à vez, aos apresentadores de cada categoria.
Pode ter sido aí que ocorreu a falha. Antes de tudo acontecer, numa entrevista à Medium, publicada a 10 de fevereiro, os dois protagonistas-sombra da cerimónia mais aguardada pelo mundo do cinema, tinham explicado como funcionava o processo e qual era o tamanho da sua responsabilidade.
“Os produtores da cerimónia decidem a ordem em que a entrega dos prémios é feita, mas cada um de nós tem os 24 envelopes numa pasta. Eu tenho os 24 [total de categorias] e a Martha Ruiz tem igualmente outros 24”, explicou Brian Cullinan, acrescentando que cada um deles se posiciona num lado do palco — um no lado direito, o outro no lado esquerdo — durante toda a noite, tendo a tarefa de entregar o devido envelope ao respetivo apresentador.
O processo é repetido por cada um deles, à vez. “Não parece muito difícil, mas tens de ter a certeza de que entregas o envelope certo ao apresentador“, chegou mesmo a dizer Cullinan à Medium.
Nos últimos anos têm sido Brian Cullinan e Martha Ruiz, ao lado de uma equipa mais vasta da PwC, os responsáveis pela contagem final dos votos — contagem essa que é feita manualmente, entre os votos dos mais de 6 mil membros da Academy of Motion Picture Arts and Sciences, para evitar qualquer tipo de pirataria. No final, só Brian e Martha têm acesso à informação completa e são eles que colocam os nomes dos vencedores nos envelopes, e os envelopes nas pastas. O processo fica fechado a dois dias da cerimónia e, no próprio dia, Brian e Martha chegam a horas diferentes ao Dolby Theatre, cada um com a sua pasta. É nessas duas pastas — e apenas aí — que estão registados os nomes dos vencedores em todas as categorias, e em duplicado para o caso de um dos dois ter algum azar.
Depois disso, um posiciona-se no lado esquerdo do palco, o outro no lado direito. Se o apresentador da respetiva categoria entrar pelo lado direito é um que lhe dá o envelope, se entrar pelo lado esquerdo é o outro.
Eis a explicação possível para o erro, e para o facto de Emma Stone ter ela própria um dos envelopes na mão. Afinal, havia dois. Em todo o caso, segundo a PwC, a investigação continua.