Tudo o que podia correr mal a Jeroen Dijsselbloem, correu. As eleições holandesas, realizadas na semana passada, foram um autêntico desastre para o partido do presidente do Eurogrupo. O Partido Trabalhista (PvdA, da família socialista) teve a sua “PASOKificação”, passando de 38 para apenas nove deputados. Até agora, o PvdA estava no Governo com o VVD, o partido de centro-direita, de Mark Rutte, tendo peso suficiente para ocupar a pasta das Finanças. Deixou de o ter. Dificilmente vai integrar um novo Governo e, a integrar, Rutte nunca lhe dará a pasta das Finanças.

Os tempos já se avizinhavam difíceis para Dijsselbloem continuar como “senhor Euro”, já que para liderar o conselho de ministros das Finanças da Zona Euro há uma condição que os seus pares parecem, logicamente, não abdicar: ser ministro das Finanças. Além disso, há muitos dos membros do Eurogrupo que não morrem de amores pelo holandês. Até os representantes da sua família política, como Mário Centeno, preferem o espanhol Luis De Guindos. Claro que Dijsselbloem tinha mandato até janeiro de 2018. Mas não faria sentido continuar, até para a Holanda ter o seu ministro também representado.

As circunstâncias já eram difíceis — Dijsselbloem já travou conflitos no Eurogrupo com ministros de diferentes ideologias que vão desde o grego Varoufakis ao alemão Schäuble — mas esta segunda-feira pioraram. A uma postura que (para alguns) tem sido infeliz, juntaram-se os (maus) resultados nas eleições holandesas e agora declarações polémicas. Já muitos tinham apontado a porta de saída a Dijsselbloem, mas as críticas de dirigentes de topo surgiam quase em surdina. Agora, estão abertas hostilidades. Dijsselbloem tem culpas no cartório neste filme que se podia chamar: “Como perder o Eurogrupo em dois dias.”

Segunda-feira, 20 de março

Manhã. O Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), um dos mais influentes jornais alemães, publicou uma entrevista ao presidente do Eurogrupo, onde sugere — sem o dizer de forma direta — que os países do Sul da Europa gastam dinheiro com álcool e “mulheres”. No mínimo (e já é muito) as declarações são de mau gosto e ofensivas. A frase, na íntegra, descontando a tradução, que é livre, é a seguinte:

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O pacto na zona euro baseia-se na confiança. Com a crise do euro, os países do norte na zona euro mostraram a sua solidariedade para com os países em crise. Como social-democrata considero a solidariedade extremamente importante. Mas quem a exige, também tem obrigações. Não posso gastar todo o meu dinheiro em álcool e mulheres e continuar a pedir ajuda. Este princípio aplica-se a nível pessoal, local, nacional e, inclusivamente, europeu.”

15h00. Tem início a reunião do Eurogrupo, mas as declarações ainda não tinham começado a circular. Ainda assim, a sucessão de Dijsselbloem é um assunto falado à entrada para a reunião. O holandês parece estar disposto a levar o mandato até ao fim. Em declarações que podem ser interpretadas quase como um wishful thinking afirmou: “Como sabem, o meu mandato vai até janeiro [de 2018] e a formação de um novo governo de coligação na Holanda pode levar alguns meses”. À entrada para a reunião admitia que não vai ser reconduzido e que “se houver um intervalo temporal, caberá ao Eurogrupo decidir como querem proceder”. Durante a reunião, o assunto da sucessão de Dijsselbloem não foi discutido. Falou-se nos efeitos do Brexit e também se analisou a forma como está a decorrer a execução orçamental dos Estados que fazem parte da Zona Euro. Dijsselbloem conseguiu adiar a discussão sobre a sua continuidade: os ministros das Finanças saíram com a ideia de que enquanto o holandês for ministro, continua no Eurogrupo. E com alguns motivos para sorrir. Os jornais espanhóis escreviam que membros do Eurogrupo como o alemão Wolfgang Schäuble ou o francês Michel Sapin destacaram o “grande trabalho” feito por Dijsselbloem. O espanhol Luis De Guindos, que concorreu (e votou contra) Dijsselbloem em 2013, disse que a discussão da sucessão é “legítima”. Meia vitória para o holandês.

19h00. Já depois do final da reunião, questionado pelos correspondentes portugueses em Bruxelas, Mário Centeno dava conta de que o assunto era para ser discutido, mas não era o mais urgente. António Costa tinha dito a 10 de março que esperava que “rapidamente, com a mudança da presidência do Eurogrupo” fosse possível “também ter no Eurogrupo um novo presidente capaz de dar um sinal positivo para a construção dos consensos que são essenciais para ter uma zona euro mais estável.”

Alinhado com Costa, Mário Centeno começava a apontar a porta de saída a Dijsselbloem, embora sem pressas, explicando que “o Eurogrupo é um grupo de ministros das Finanças. Enquanto o ministro das Finanças holandês, que também é presidente do Eurogrupo, for ministro das Finanças na Holanda, continuará em funções. Depois falaremos.” Acrescentou ainda que “os resultados na Holanda são do conhecimento de todos. [A sucessão] não foi objeto de discussão no Eurogrupo. Cada um agirá no seu país como melhor entende”. Mas o “depois falaremos” deixava uma espécie de aviso: se deixar de ser ministro, deixa de ser líder do Eurogrupo.

19h58: O espanhol El Mundo falava na entrevista de Dijsselbloem ao FAZ, mas na perspetiva da haver divisões no Eurogrupo sobre a continuidade de Dijsselbloem. O mesmo artigo referia até a possibilidade de este continuar depois de janeiro, se o cargo fosse criado de forma independente e não ocupado por um ministro. Até aqui nada de mulheres e álcool. O dia acabou relativamente tranquilo para o ministro holandês.

Terça-feira, 21 de março

15h00. Foram abertas as hostilidades a Dijsselbloem, durante uma audição do presidente do Eurogrupo à comissão de Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu. Eurodeputados espanhóis citaram as declarações do presidente do Eurogrupo ao jornal alemão, mas este recusou que tenha tentado “ofender quem quer que seja” e recusou-se a “pedir desculpa” pela declaração.

Dijsselbloem explicava que “a ideia de que quando se pede rigor no cumprimentos das regras e a levá-las a sério é um ataque, é um erro enorme”, acrescentando: “Não é suposto ficarem ofendidos — não foi uma declaração sobre um qualquer país mas, sim, sobre todos os países. A Holanda também falhou com o cumprimento das regras. Não vejo um conflito entre as regiões do grupo do euro”.

Os eurodeputados espanhóis não acolheram as justificações do holandês. O espanhol Luis de Guindos é o candidato à sucessão de Dijsselbloem. Um dos críticos foi, precisamente, Gabriel Mato (do PPE, partido de Guindos) que destacou que o holandês não tem a “neutralidade” que se exige ao cargo que representa. Mas não foi só do centro-direita que veio o apoio. O eurodeputado Ernest Urtasun — que pertence ao Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia no Parlamento Europeu considerou a declaração “infeliz” e atirou: “Talvez ache piada ao que disse, mas eu não acho que tenha piada.”

O líder dos deputados do PP de Mariano Rajoy em Bruxelas, o eurodeputado Esteban González Pons, pediu mesmo a demissão de Jeroen Dijsselbloem. Pons é vice-presidente do Partido Popular Europeu (o de PSD e CDS), partido ao qual pertence o presidente do Conselho Europeu e, desde a saída de Martin Schulz, o presidente do Parlamento Europeu (agora com Tajani). O Eurogrupo ainda é dos cargos que subsiste nas mãos do S&D (os socialistas europeus, grupo ao qual pertence o PS).

16h30. Acaba a audição e os jornais, em particular os espanhóis, dão conta de revolta e de pedidos de demissão do holandês do Eurogrupo. O El País citava a frase polémica, o El Español falava em “ofensiva” do PP para afastar Dijsselbloem, o El Confidencial em “rebelião” e o El Mundo na “nega” em pedir desculpas. Em Portugal, jornais como o Observador também começam a dar eco à notícia e a esquerda começa a cerrar fileiras para criticar o ministro holandês.

17h00. O Financial Times, um dos mais influentes jornais do mundo económico-financeiro, dava conta de que Dijsselbloem estava debaixo de fogo. Já não era uma guerra entre eurodeputados espanhóis e o holandês. A pressão ganhou escala mundial.

17h13. (Não está diretamente relacionado com a saída de Dijsselbloem, mas no momento em que está a ser atacado por todos os lados pelas declarações dirigidas aos países do Sul, o porta-voz do holandês, Coen Gelinck, confirma que “o ministro Dijsselbloem era alvo de uma carta bomba.”)

17h56. A família política europeia de Dijsselbloem é a primeira a tirar-lhe o tapete, de forma oficial e pública. O presidente dos Socialistas e Democratas europeus (S&D, que integram o PS português e o PvdA de Dijsselbloem), Gianni Pittella foi duro, classificando as declarações do presidente do Eurogrupo como “vergonhosas”. Foram dois parágrafos de indignação do italiano que lidera a família de socialistas no Parlamento Europeu, que questiona logo na primeira linha: “Como pode alguém que expressa tais crenças estar à altura de ser presidente do Eurogrupo?” Ainda não eram seis da tarde em Lisboa (19h00 em Roma), quando a notícia sai na ANSA, agência nacional de notícias italiana. Mais uma farpa, mais um empurrão à saída do holandês. E, neste caso, da própria família política (que já andava desavinda, como provam as declarações de Costa a 10 de março).

18h13. O porta-voz de Dijsselbloem insistiu, em declarações ao Observador, que as declarações não foram infelizes e nega que fossem dirigidas unicamente aos países do sul: “A mensagem é clara e tinha como destino todos os países da zona euro.”

“A mensagem é clara e tinha como destino todos os países da zona euro”

19h13. O Bloco de Esquerda e o PS começaram em movimentações para condenarem publicamente o ministro holandês. Entre as 18h00 e as 19h00 começaram a redigir um voto de protesto que vão apresentar esta semana no plenário na Assembleia da República. As declarações ao Observador do líder parlamentar do PS (da mesma família política de Dijsselbloem) são demolidoras, dizendo que o holandês “é o tipo de criatura que não faz falta na União Europeia”. O PS exige igualmente um pedido de desculpa ao Governo holandês que está em funções e em que Dijsselbloem é ministro das Finanças.

Carlos César sobre Dijsselbloem: “É o tipo de criatura que não faz falta na União Europeia”

Ao Observador o Bloco de Esquerda, através da deputada Isabel Pires considerava as declarações “absolutamente inaceitáveis pelo grau de preconceito que demonstram, de racismo, de xenofobia, de sexismo”.

20h08. O maior partido europeu, o PPE (de PSD e CDS), junta-se aos socialistas europeus a pedir a saída de Dijsselbloem. O líder dos eurodeputados do PSD e o único vice-presidente do PPE ,que é também vice-presidente da bancada do PPE em Bruxelas, considerou as declarações do holandês “deploráveis“. Ao Observador, o eurodeputado Paulo Rangel não deixa alternativa: o holandês deve “sair imediatamente” da presidência do Eurogrupo e o Governo português não pode ficar indiferente ao episódio. Entretanto, o eurodeputado socialista Carlos Zorrinho sugeria que o holandês saísse “pelo próprio pé” e o PS português pedia aos partidos da família dos Socialistas europeus que se “distanciem” das palavras de Dijsselbloem.

Rangel defende “saída imediata” de Dijsselbloem

20h21. O Governo português exige o afastamento do presidente do Eurogrupo. O ministro dos Negócios Estrangeiros, que se encontrava em Washington, reagiu ao correspondente da Lusa, que publicava uma notícia, às 20h21, com o ministro a deixar claro a posição do Governo português: “Hoje, no Parlamento Europeu, muita gente entende que o presidente do Eurogrupo não tem condições para permanecer à frente do Eurogrupo e o governo português partilha dessa opinião”. Pouco depois, na SIC Notícias, o chefe da diplomacia portuguesa reforçava que “mais do que as graçolas”, o que o chocava verdadeiramente era o “desprezo que o presidente do Eurogrupo revela pelo esforço feito pelos portugueses” durante o ajustamento financeiro. Havia assim, oficialmente, um Estado da zona Euro a pedir a demissão de Dijsselbloem. Com três características: veio de um ministro do PS (que pertence à família do PvdA), de um país do Sul e que cumpriu o programa de resgate à primeira (Portugal) e de um dos países que tem assento na Zona Euro.

Em dois dias, aquilo que não era um assunto urgente (afastar Dijsselbloem) ganhou força. Para Portugal e Espanha — quase sempre unidos em batalhas diplomáticas por cargos em organizações internacionais — lideram a revolta contra o presidente do Eurogrupo. Para já, na contagem de espingardas, já arregimentaram as duas maiores famílias políticas europeias: o PPE e os S&D. Esta quarta-feira, dia de debate quinzenal com o primeiro-ministro na Assembleia da República, espera-se que continue o que os espanhóis chamaram de “ofensiva” contra Dijsselbloem.