As camadas permanentes de gelo do Ártico estão a derreter como consequência do aumento das temperaturas em todo o planeta. Mas além do aquecimento global, há outros perigos à espreita. Neste gelo estão presas bactérias e vírus que pensamos erradicadas e algumas que nem sequer conhecemos.

Ao longo dos tempos, a humanidade enfrentou epidemias devastadoras, desde a peste negra (que se estima ter morto mais de metade da população da Europa no século catorze), a crises de varíola. Mais recentemente, vimos o mundo enfrentar epidemias como a gripe suína e a gripe das aves.

Temos antibióticos há quase um século, desde que Alexander Fleming descobriu a penicilina em 1928. Com o tempo, os sistemas imunitários desenvolvem resistência a novas estirpes e simultaneamente as bactérias e vírus que as provocam desenvolvem resistência aos antibióticos. É um jogo sem fim.

Mas como será se, num futuro próximo, formos expostos a bactérias e vírus fatais que considerávamos erradicados, ou que nem sequer conhecemos?

A resposta a esta pergunta pode estar próxima de ser conhecida. As alterações climáticas e a exploração petrolífera estão a provocar o degelo e a exposição do pergelissolo (permafrost), o solo encontrado em regiões árticas que se encontra permanentemente congelado há séculos ou milénios. À medida que estas camadas permanentes de gelo descongelam, vão libertando agentes patogénicos que estavam “adormecidos”.

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Em 2016, deu-se o caso de um rapaz de 12 anos da península de Yamal, na Sibéria, que morreu depois de ter sido exposto a antraz. Pelo menos outras vinte pessoas foram hospitalizadas pela mesma doença. Em causa estava uma rena que, há mais de 75 anos, morreu infetada e a sua carcaça ficou preservada no pergelissolo até à onda de calor de 2016 que a expôs e infetou cursos de água à sua volta.

Pessoas e animais nestas regiões são enterrados no pergelissolo há séculos e, portanto, entende-se que muitas mais doenças possam estar congeladas. Por exemplo, em 2007, cientistas descobriram vírus da gripe espanhola de 1918 vivos, preservados em cadáveres encontrados em valas comuns no Alasca.

Estirpes de varíola e peste negra podem também estar preservadas na Sibéria, onde algumas cidades perderam cerca de 40% da sua população para estas doenças e onde os mortos foram enterrados em valas comuns relativamente perto da superfície.

Em fevereiro, cientistas da NASA anunciaram que tinham encontrado micróbios preservados em cristais dentro de uma mina mexicana. As bactérias estavam concentradas em líquido no interior dos cristais e, mal foram expostas ao exterior, voltaram à vida e começaram a multiplicar-se. Estamos a falar de bactérias que não viam a superfície há mais de 4 milhões de anos.

Uma questão climática

A temperatura no Círculo Ártico está a aumentar rapidamente, a um ritmo três vezes mais acelerado do que o resto do mundo. À medida que o gelo derrete, zonas do norte da Sibéria que vão ficando expostas tornam-se mais acessíveis por mar e começam a ser exploradas para extração mineira e petrolífera, aumentando o risco de se atingirem camadas profundas que contêm agentes patogénicos, como explicou o biólogo Jean-Michel Claverie, numa palestra dada em França.

De momento, estas regiões são desertas e as profundas camadas de pergelissolo são deixadas em paz. Contudo, estas camadas vão sendo expostas por perfurações. Se estirpes vivas estiverem preservadas nestas camadas, isto pode ser um desastre.”

Claverie explica que podemos esperar o regresso de vírus das primeiras espécies humanas como os Neandertais que se estabeleceram na Sibéria e sofriam de várias doenças virais. Fósseis de Neandertais com 40 mil anos foram encontrados na Rússia.

A possibilidade de podermos ser infetados por um vírus de um já extinto Neandertal sugere que a ideia de que um vírus pode ser “erradicado” do planeta é errada, e dá-nos uma falsa segurança.”

O risco que agentes patogénicos preservados em pergelissolo representam para os humanos é bastante desconhecido. Mas as alterações climáticas podem provocar ainda outras epidemias. Em regiões nórdicas, um aumento das temperaturas pode significar o aparecimento de doenças como dengue, cólera e malária, em populações que nunca foram expostas a estas doenças – que têm especial incidência em temperaturas mais quentes.

Os cientistas acreditam que as gerações atuais serão testemunhas do degelo dos pólos, previsto para 2040.