Poucas semanas depois de a concelhia ter chumbado todos os nomes para presidentes de junta propostos pelo Núcleo Central do PSD/Lisboa, a Distrital de Lisboa do PSD decidiu não integrar nas listas às autárquicas os elementos da família Gonçalves, que tem acumulado tanto poder quanto polémicas na capital. Daniel Gonçalves, o patriarca e presidente da junta de freguesia das Avenidas Novas, é o único dos cinco presidentes de junta do PSD em Lisboa que não será recandidato na eleições de outubro. Rodrigo Gonçalves, o filho — que já foi presidente da junta de São Domingos de Benfica e é assessor dos vereadores do PSD na câmara de Lisboa –, também não vai integrar as listas para a Assembleia Municipal, ao contrário do que aconteceu em 2013.
O candidato à junta de Freguesia das Avenidas Novas será o advogado Pedro Proença, decidiu a distrital na reunião desta segunda-feira em que também aprovou o nome de Fernando Seara para a câmara de Odivelas. A estrutura liderada por Miguel Pinto Luz, vice-presidente da câmara de Cascais, ratificou os 19 nomes de candidatos às juntas de Lisboa que não são geridas pelo PSD, apenas com duas alterações em relação ao que o Observador já tinha avançado aqui: Romano Castro será candidato ao Parque das Nações em vez de João Mota Lopes e Pessoa e Costa encabeçará a lista a Alvalade em vez de Nuno Pedroso.
A rede da família Gonçalves: como se tornaram poderosos no PSD/Lisboa
Quanto ao afastamento dos elementos ligados à família Gonçalves, uma fonte da distrital explica que o partido não queria continuar a sofrer embaraços sucessivos, tendo em conta a forma de operar daquela fação do PSD, que controlava a antiga secção A de Benfica e que passou a liderar o Núcleo Central do partido quando as nove secções lisboetas foram extintas e criados os três núcleos. “Não podemos ter um cancro no partido e ter a responsabilidade sobre ele”, comenta com o Observador uma fonte da direção da distrital do PSD, para justificar a limpeza das listas, que o Expresso já tinha dado como provável na edição deste sábado. “As pessoas andam tão afastadas da política que queremos ter gente com penetração na sociedade, como médicos, professores ou advogados, pessoas com vida na sociedade civil que fizeram o seu percurso e que estão aqui para servir a política”, refere a mesma fonte da direção da distrital ao Observador.
Teresa Leal Coelho, na entrevista que deu ao Observador em 30 de Março, já tinha dado a entender qual seria a filosofia da candidatura quanto à escolha de pessoas para integrar o projeto: “Vamos compor as listas com pessoas que queiram servir a cidade, que queiram servir o partido, mas que não se queiram nem servir-se da cidade nem servir-se do partido. Pessoas com competência demonstrada nas suas áreas profissionais, que tenham um projeto de vida que tenha já obtido resultados naquilo que é a sua participação profissional ou política e que não sejam dependentes da política”, disse então a candidata do PSD ao Observador.
Existe também um lado de luta interna no afastamento de Rodrigo Gonçalves, que, neste momento, depois da demissão de Mauro Xavier, é o líder interino da concelhia de Lisboa. Gonçalves, que também é conselheiro nacional do PSD — eleito nas listas de Passos Coelho –, tem vindo a distanciar-se do líder do partido. Fontes ligadas a esta fação do PSD/Lisboa entendem todos estes movimento mais como uma forma de preparar eventuais disputas internas a seguir às autárquicas. Rodrigo Gonçalves já se tinha afastado de Pedro Passos Coelho quando, num mega jantar partidário, desafiou o ex-primeiro-ministro a candidatar-se à câmara de Lisboa.
A família Gonçalves domina entre 500 e 600 votos internos no partido e controla o Núcleo Central. Dada a dimensão da estrutura, os dirigentes deste núcleo têm tido uma palavra fundamental na escolha dos líderes concelhios e distritais e possuem uma “capacidade de distribuição” ou influência a partir das juntas de freguesia, com a atribuição de empregos, avenças, e criação de dependências que depois se materializam em votos nas eleições internas. Na eleição para o PSD distrital em 2011, em que havia uma disputa entre quatro fações, a lista patrocinada por Rodrigo Gonçalves venceu o concurso para os delegados distritais com 30% dos votos, o que correspondeu à mobilização de 511 militantes. Em 2013, noutra disputa entre quatro listas, a percentagem subiu para 40% e 535 votos de militantes. Na votação para a lista de delegados ao congresso do PSD em abril de 2016, esta ala cresceu: numa competição entre seis listas, teve 726 votos, o que correspondeu a 51% dos militantes do PSD que foram votar.
Ao longo dos anos, Rodrigo Gonçalves foi-se tornando um dirigente incómodo. Foi julgado por corrupção e ilibado e foi condenado por agressão a um outro autarca do PSD. Em abril, uma investigação do Observador identificou um novo caso. Quando era presidente da junta de freguesia de São Domingos de Benfica, Rodrigo Gonçalves cancelou seis contratos com fornecedores para voltar a assinar adjudicações diretas por dois anos com as mesmas seis empresas de amigos e militantes da sua fação do PSD. O valor total dos ajustes: 212,7 mil euros (para cinco dessas seis empresas). No dia seguinte a firmar estes novos contratos, a 1 de agosto, Rodrigo Gonçalves deixava as funções de presidente da junta e começava a trabalhar como assessor do secretário de Estado do Emprego.
Dois meses depois, a 29 de setembro, o PSD perdia aquela junta para o PS — e o pai de Rodrigo, Daniel Gonçalves, ganhava a junta das Avenidas Novas. Poucos dias após as eleições autárquicas, Emília Noronha, que tinha ficado como substituta de Rodrigo Gonçalves na presidência da junta, denunciava esses mesmos seis contratos — contra um parecer dos serviços porque o executivo estava em gestão — e procedia ao pagamento a essas empresas antes da nova junta tomar posse. Os novos contratos só seriam publicados no Portal Base e tornados públicos dias depois das eleições autárquicas de 2013.
Poucos meses depois, cinco daquelas seis empresas — todas propriedade de militantes do PSD — eram contratadas pela Junta das Avenidas Novas presidida pelo pai de Rodrigo Gonçalves. Vários avençados cujos contratos tinham sido rescindidos em Benfica passavam a ser avençados também das Avenidas Novas. Questionado pelo Observador quando o artigo foi publicado, Daniel Gonçalves não respondeu em relação aos casos concretos,mas garantiu que cumpria a lei: “Todas as empresas que fornecem serviços à Junta de Freguesia são selecionados apenas tendo em consideração a experiência, solidez, e as condições propostas para a prestação de serviços. Os contratos e as respetivas adjudicações encontram-se disponíveis no portal Basegov, dando seguimento à rígida política de transparência implementada pela Junta de Freguesia.” Apesar de um grande número de avençados nas Avenidas Novas coincidir com militantes do PSD, Daniel Gonçalves também nega a existência de favorecimento: “A filiação partidária, ou associativa dos membros das centenas de entidades que prestam serviços à Junta de Freguesia não são um critério de exclusão, ou inclusão, no âmbito da contratação pública. Na contratação pública os critérios de adjudicação estão definidos por Lei e são escrupulosamente cumpridos por esta entidade”. Rodrigo Gonçalves também negou sempre ter alguma coisa a ver com as adjudicações da junta liderada pelo pai.
Correção da notícia às 20h45: retirada a informação de que o Ministério Público recorreu da absolvição do caso de corrupção.