A bipolaridade do FMI, o desalento grego, as ‘bocas’ de Wolfgang Schauble e o desespero dos outros. A última reunião do Eurogrupo teve tudo menos concórdia. Houve acusações de parte a parte, acusações de motivações ideológicas e, no final, ficou tudo na mesma: a Grécia sem o desembolso prometido e com mais medidas para tomar

O site grego euro2day.gr publicou uma rara descrição escrita da última reunião do Eurogrupo, uma espécie de ata informal feita pela Comissão Europeia, onde estão descritas as intervenções dos vários ministros e outros intervenientes no debate.

Nessas atas é possível perceber que a animosidade dos ministros, desta vez, não está virada para os gregos, mas para o representante do Fundo Monetário Internacional (FMI), Poul Thomsen, que exige mais medidas à Grécia e um compromisso para um maior alívio da dívida grega.

Hans Jörg Schelling, ministro das Finanças da Áustria

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O FMI disse que a DSA [análise de sustentabilidade da dívida] não era credível, que precisava mais medidas. Agora ainda não é credível? 1% de crescimento durante 40 anos? Então para que serviu o programa? Concordámos com este programa na expetativa que o FMI iria participar. (…) Temos de decidir, vocês vão entrar [no programa] ou não? Não podemos estar a discutir novas medidas a cada quatro semanas. Poul, porque não fazemos uma aposta? Se a Comissão tiver razão, vocês pagam o dobro do que era esperado? Se estiveres certo, não pagam nada por que não estão no programa. Podemos apostar, mas vais perder”.

O problema, em especial do lado grego, é que o pressuposto para a Grécia implementas as difíceis medidas que lhe foram impostas era que haveria um acordo na reunião do Eurogrupo da semana passada para a participação do FMI no resgate e, mais importante para Atenas, que essa participação vinha com um sinal para os mercados que o FMI considerava que a dívida grega era sustentável.

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Aprecio os esforços para encontrar terreno comum, mas tenho de dizer que estou desapontado. Fizemos grandes esforços como parte de uma narrativa e essa narrativa agora já não está no calendário. (…) A Grécia cumpriu a sua parte do acordo e mais do que muitos esperavam”, terá dito o ministro das Finanças grego.

De acordo com o próprio relato da Comissão Europeia na reunião, a Grécia já terá implementado quase 110 das medidas consideradas como condições prévias para receberem a próxima tranche do empréstimo. Ainda estariam por concretizar cerca de duas dezenas de medidas.

Pier Carlo Padoan, ministro das Finanças de Itália

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Uma pergunta para as instituições: porque não conseguimos chegar a acordo sobre uma base técnica relativamente ao impacto das medidas? Ideologia? Depois de tantos meses… Todos sabemos o que é preciso. Expliquem-me, por favor, porque não conseguimos um acordo sobre isto”

O responsável do FMI transmitiu ainda assim aos ministros que ainda estava “muito longe de dizer à administração [do FMI] que estamos perto encontrar uma estratégia com a qual possamos concordar”, citando a falta de acordo sobre as metas orçamentais e económicas e sobre as medidas para o alívio da dívida. Poul Thomsen explicou que a posição do FMI é que teria de haver pelo menos uma extensão nas maturidades em todos os empréstimos europeus, incluindo os do mecanismo com dinheiro do orçamento comunitário, admitindo que não haja um corte no valor facial da dívida ou nos juros.

As críticas chegaram de quase todos os ministros que falaram. Wolfgang Schauble disse que não tinha mandato para negociar um novo acordo sobre a dívida grega, o ministro das Finanças da Áustria disse mesmo que os ministros “não podem negociar novas medidas a cada quatro semanas” e que o FMI tem de decidir se entra ou não no resgate.

Luis de Guindos, o ministro das Finanças espanhol, disse que não fazia questão que o FMI participasse no resgate, mas que não podia estar com um pé dentro e outro fora: “Não podes estar 50% grávido como o FMI parece estar agora”.

Luis de Guindos, ministro das Finanças de Espanha

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Eu vivo bem com este comunicado, mas a minha impressão é que o FMI e o governo grego não. Como resolvemos esta questão? Com um diferente envolvimento do FMI? Para nós não é uma condição necessária mas vejo que é para outros. E que tal o modelo do programa espanhol com o IMF num papel de consultor? Não podes é estar 50% grávido como o FMI parece estar agora…”

O ministro das Finanças italiano foi ainda mais duro nas críticas. Pier-Carlo Padoan questionou as instituições da troika sobre a razão pela qual não conseguem chegar a acordo sobre o impacto das medidas. “ideologia? Depois de tantos meses…”, terá dito o ministro.

As críticas na reunião à incapacidade do FMI de se decidir sobre o papel que querem ter no resgate. Até o ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, na sua primeira reunião, questionou a falta de clareza da posição do Fundo.

A reunião teve um intervalo de quatro horas, usadas para reuniões bilaterais e para contactos dos ministros com os seus líderes, mas a reunião acabou sem acordo. No final, a decisão passou para a reunião de junho, mas não antes de Wolfgang Shäuble fazer mais uma crítica aos ministros. O cáustico ministro alemão aproveitou a ocasião para criticar os seus colegas dizendo que criaram expetativas de um acordo em declarações à imprensa, que agora terão de gerir.

Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças da Alemanha

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Não tenhamos ilusões. Este é um grande falhanço. (…) Não estou muito otimista que a situação melhore, que encontremos uma solução melhor do que aquela que temos hoje em cima da mesa. Lição a retirar de hoje é que devíamos ter nos concentrado no que tínhamos acordado e não tentar mudar a narrativa com declarações públicas. Estou muito desapontado porque alguns de nós foram além do seu mandato para encontrar uma solução, e agora falhámos”

Schäuble passou a sua posição, em forma de crítica, dizendo que da reunião em causa tinha saído uma lição importante: de não tentar mudar a narrativa com declarações públicas e manter o que se tinha acordado. A posição acordada no verão passado implicava que um eventual novo alívio da dívida pública grega só no final do programa, se este fosse integralmente cumprido, e se se viesse a concluir que era necessário. O programa só termina no próximo ano, já depois das eleições legislativas alemãs, que se realizam a 24 de setembro deste ano. A mensagem final: “Não estou muito otimista que a situação melhore, que encontremos uma solução melhor”.