O embaixador Pereira Gomes manifestou ao Governo a sua “indisponibilidade” para liderar secretas. Informação foi avançada em comunicado pelo gabinete do primeiro-ministro. “Cumpri a missão [em Timor], ‘tarefa hercúlea, ingrata’, e estou de consciência tranquila”, garante.

António Costa conclui que Pereira Gomes teve comportamento adequado em Timor-Leste em 1999

Num texto de 11 curtos parágrafos, Pereira Gomes deita a toalha ao chão e anuncia que deixa de estar disponível para liderar os serviços de informações portugueses. O embaixador não sai, no entanto, de cena sem sublinhar os argumento de que fez tudo de acordo com o que estava delineado com o Ministério dos Negócios Estrangeiros português.

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Importando salvaguardar a dignidade do cargo de secretário-seral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) de toda e qualquer polémica, que naturalmente se repercutiria negativamente no exercício das suas funções, resolvi comunicar a S. Exa. o primeiro-ministro a minha indisponibilidade para aceitar o cargo para que me havia convidado, agradecendo-lhe a confiança em mim depositada”, refere Pereira Gomes, numa comunicação tornada pública pelo gabinete de António Costa.

O embaixador português em Estocolmo, Suécia, reconhece que a decisão de recusar o convite do primeiro-ministo, quase um mês depois de ter sido conhecido o nome que Costa escolhera para substituir o atual líder das “secretas, Júlio Pereira, se deve às “reservas” que se levantaram nos últimos dias. “Foram suscitadas reservas à minha indigitação, em razão da forma como dirigi a ‘Missão de Observação Portuguesa ao Processo de Consulta da ONU em Timor Leste (MOPTL)'” e, em particular, “o processo de retirada dos observadores portugueses”.

Pereira Gomes aproveita para justificar-se sobre a saída da missão portuguesa daquele país, um dos principais motivos para as críticas de que foi alvo — primeiro, pela eurodeputada Ana Gomes (PS) e, logo a seguir, pelos jornalistas Luciano Alvarez e José Vegar, que estavam em Timor no momento do referendo. “A missão que eu dirigi tinha, nos termos dos ‘Acordos de Nova Iorque’, como mandato único observar ‘todas as fases operacionais do processo de consulta’, desde o planeamento operacional até à votação, inicialmente fixada para 8 de agosto. Não dispunha de qualquer capacidade de defesa própria e muito menos de defesa dos timorenses“, começa por referir o embaixador português, lembrando que, em setembro de 1999, dias depois de o referendo estar concluído, recebeu “elogios dos mais altos responsáveis políticos do país pela forma como a missão tinha sido realizada”.

Apreensão nas “secretas” com escolha de Pereira Gomes

O embaixador recua ainda aos dias imediatamente antes e após o referendo de 30 de agosto. “Assumi então a responsabilidade, que também fazia parte do meu mandato, de tudo fazer para trazer de volta, com vida, todos os observadores, cumprindo, de resto, aquilo que foi antecipadamente planeado com o Ministério dos Negócios Estrangeiros”.

Foi essa a orientação que teve em mente, garante. “Mantive por isso o plano normal de partidas e fiz sair a maioria dos observadores no dia 5 de setembro de 1999, incluindo os cinco representantes partidários que integravam a Missão. Depois de a UNAMET [United Nations Mission in East Timor] ter decidido, a 8 de setembro, ‘uma evacuação geral’, por considerar que o nível de risco para as nossas vidas tinha ultrapassado o limite do aceitável, recomendei ao Governo a evacuação dos últimos observadores, que se realiza a 10 de setembro. Nesse contexto recebi do Governo ordem para sair, que assim cumpria a obrigação que assumira com todos os observadores quando partimos para Timor-Leste. Tudo fazer para nos evacuar em caso de crise de segurança que colocasse em risco as nossas vidas”, volta a sublinhar, depois de já ter assegurado que a decisão de partir lhe foi transmitida “ao mais alto nível” por parte do executivo em Lisboa.

Pereira Gomes refere-se ainda ao livro O referendo de 30 de agosto de 1999 em Timor-Leste, em que revive a sua chefia da missão, para lembrar o prefácio em que José Ramos Horta se refere ao então chefe de missão como tendo estado “no olho do furacão” e tendo cumprido “uma tarefa hercúlea, ingrata, mas, ao mesmo tempo, generosa e com a recompensa moral de fazer parte de uma verdadeira epopeia“.