Theresa May procurava, com as eleições antecipadas, reforçar a sua liderança no governo britânico, numa altura em que precisa do maior apoio possível no seu país para negociar as condições do Brexit com a União Europeia, mas o plano pode ter saído furado.

Os resultados das eleições desta quinta-feira mostram que o futuro do governo britânico está longe de ser uma certeza, com o parlamento britânico a ficar, neste momento, num estado que os britânicos descrevem com a expressão hung parliament, que se pode traduzir como “parlamento pendurado”.

O que é, afinal, o hung parliament?

Significa que nenhum dos partidos com representação na Câmara dos Comuns, a câmara baixa do parlamento britânico, conseguiu uma maioria absoluta que lhe permita aprovar um programa de governo.

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O parlamento é composto por 650 deputados, pelo que seriam necessários 326 (metade + 1) para que um partido garantisse a nomeação do governo. Mas os conservadores não conseguiram atingir esse número.

E agora?

Para já, Theresa May não vai abandonar Downing Street: enquanto primeira-ministra em funções, cabe-lhe a ela chefiar o governo britânico enquanto não é encontrada uma solução definitiva com a composição do parlamento.

No sentido de perceber o que irá acontecer depois, é necessário entender como funciona o processo de nomeação de um governo no Reino Unido: um partido que garanta apoio parlamentar para formar governo prepara um programa que é apresentado à Rainha. Mas a apresentação do programa à monarca é apenas uma formalidade, uma vez que são os deputados que votam a aprovação ou não do novo governo.

Sem nenhum partido com maioria absoluta, restam algumas opções:

  • Uma coligação de governo: um acordo formal entre dois partidos que consigam, com os seus deputados, garantir o apoio parlamentar ao governo. Neste modelo, ambos os partidos ficam representados com ministros no executivo.
  • Um acordo de apoio a políticas fundamentais no parlamento: o partido que pretender formar governo pode fazer acordos com outros partidos que garantam uma maioria para aprovar no parlamento apenas um pequeno conjunto de políticas fundamentais: o programa de governo, o orçamento e as votações cujo resultado negativo possa deitar abaixo o governo. Neste modelo, os partidos aliados não seriam representados no executivo com ministros.
  • Uma coligação minoritária: entre dois ou mais partidos que não consigam, mesmo assim, garantir uma maioria parlamentar. Isto significa que o governo seria altamente instável, uma vez que teria de negociar o apoio dos restantes partidos em cada votação que fosse levada ao parlamento.

Há que recordar que não é, de todo, a primeira vez que os resultados de umas eleições gerais no Reino Unido conduzem a esta situação. Em 2010, o Partido Conservador de David Cameron ganhou a eleição elegendo 306 deputados — precisava de mais 20 para a maioria absoluta.

Sendo assim, aliou-se aos Liberais Democratas, liderados por Nick Clegg, que nesse ano tinham elegido 57 deputados. Somados, ambos os partidos garantiram 363 lugares no parlamento, mais do que suficientes para aprovar o governo — e a coligação manteve-se até 2015.

Quais as opções para Theresa May?

Em termos matemáticos, a melhor (ou a única) hipótese de Theresa May seria mesmo reproduzir a coligação de sucesso que David Cameron conseguiu em 2010 — as primeiras projeções davam 314 deputados ao Partido Conservador e 14 aos Liberais Democratas, o que somado daria um apoio de 328 deputados no parlamento.

Contudo, a questão vai além da matemática. É que os Liberais Democratas já garantiram que não estão disponíveis para coligações. O partido quer, por exemplo, um novo referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia — e May não está disposta a ceder nesse campo.

A presidente dos Liberais Democratas, Sal Brinton, disse mesmo esta noite, em declarações à Sky News, que o partido não está disponível para coligações. “Oh, absolutely not“, respondeu aos jornalistas. “Não poderíamos trabalhar com o Partido Trabalhista ou com o Partido Conservador porque eles estão os dois a favor de um hard Brexit”, acrescentou.

Mas se as segundas projeções da BBC estiverem corretas, e os conservadores conseguirem 322 lugares, poderá bastar a May contar com o apoio dos unionistas da Irlanda do Norte para conseguir a tal maioria.

Theresa May mantém-se, assim, em funções — mas nem isso é uma certeza. Mandam as regras que o primeiro-ministro, mesmo em funções, renuncie ao cargo se for claro que não tem condições para garantir a confiança do parlamento e houver uma alternativa.

E é aqui que entra Jeremy Corbyn: se May apresentar uma proposta de governo minoritário e for chumbada no parlamento, é o líder trabalhista, enquanto líder do segundo partido mais votado, o seguinte a apresentar uma proposta de governo. Corbyn teria então 14 dias para apresentar uma proposta e negociar apoio parlamentar — o que, olhando para os números das projeções, também parece tarefa difícil.

E para o Brexit, o que é que isto significa?

O primeiro impacto será o atraso nas negociações, que arrancam dentro de duas semanas. Mais problemático ainda (para o processo negocial) será uma eventual mudança de primeiro-ministro — Theresa May é, agora, a cara familiar com que os líderes europeus estão a negociar. Uma mudança obrigará a um novo planeamento que irá exigir tempo, e tempo é algo que começa a escassear. Desde a ativação do artigo 50.º pelo Reino Unido que o relógio começou a contar: em março de 2019, o Reino Unido sai da UE.

Por outro lado, a diminuição da força do Partido Conservador no parlamento poderá significar a negociação de um Brexit mais ‘suave’. É que Theresa May foi a votos com o objetivo de ganhar um maior apoio para negociar a saída da UE, mas acaba por sair do ato eleitoral com menos bases de apoio, deixando-a com menos margem para decisões difíceis, como o corte com acordos europeus ou a negociação de um acordo de comércio com o espaço comunitário da UE.