Quantas músicas cabem em duas horas e meia de concerto? No caso dos Foo Fighters, cabem 20 canções, quase uma por cada um dos 23 anos de carreira, mas também cabem os Queen, os Ramones, o hino de Portugal e o hino da Seleção Nacional campeã europeia de futebol. “Gosto mais das vossas músicas do que das nossas”, disse no final Dave Grohl. As dezenas de milhares de pessoas que encheram o recinto do festival NOS Alive, esta sexta-feira, não puderam retribuir o elogio com uma frase. Mas fizeram-no de outras formas.

Era meia noite e, num festival pontualíssimo, cinco minutos de atraso são suficientes para pôr os fãs nervosos. Sobretudo quando já se passaram exatamente seis anos desde que os Foo Fighters tocaram naquele mesmo palco, a 7 de julho de 2011. Cinco minutos depois da hora, Dave Grohl entrou em palco a correr e, sem mais demoras, deu logo os primeiros berros. Energia e berros: em cinco segundos já sabemos o que nos aguarda na próxima hora e meia, duas horas com sorte, pensámos nós.

“It’s been a long time”, admitiu o ex-Nirvana, antes de oferecer a primeira música, “All my Life”, single do longínquo ano de 2002. E não é das mais antigas. Às vezes custa a crer que os Foo Fighters já andam nisto da música desde 1994. Há 23 anos a fazer rock sem floreados, sem toques de modernismo, a assumirem sem vergonha que são uma banda de rock puro e duro, sem grandes jogos de luzes em palco ou outras distrações para abrilhantar o que não precisa de ser abrilhantado, que é a música. São só eles, as canções deles e, não menos importante, o sentido de humor de Dave Grohl.

“Do you like rock’n’roll? Do you like rock’n’roll??” Pergunta retórica, Dave. É para isso que aqui estamos. Eles sabem e retribuem uma pitada de Queen e The Ramones — Grohl até partiu uma corda a tocar “Blitzkrieg Bop”. Quão rock é isto?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“Times Like These” parece que esteve sempre na banda sonora da nossa maioridade e na infância de quem nasceu nos 90s. Se há coisa que os Foo Fighters têm conseguido é conquistar fãs mais novos e manter os outros — e isso viu-se esta noite, na amálgama de gente que saltava em frente ao palco. Saltaram todos juntos, pais e filhos, grupos de adolescentes e de trintões de cerveja na mão, ao som de “Learn to Fly”. Não fosse as oscilações de som por causa do vento e tinha sabido tudo ainda melhor.

“Cold Day in the Sun” foi cantada por Taylor Hawkins, o membro dos Foo Fighters mais querido do público depois de Grohl. Mais até do que Pat Smear, o segundo guitarrista de Nirvana. “Vocês cantam connosco. É bom, podem continuar a fazê-lo”, elogiou Dave Grohl. Em “My Hero”, até incentivou o público a cantar o refrão sozinho, e que momento bonito foi. O mesmo em “Best of You”:

“Nós gostamos de tocar durante muito tempo”, admitiu Grohl a meio, dando-nos a dica de que tão cedo não íamos para casa. Duas horas e meia dão para tanta coisa. Dão para tocar canções novas — “La Dee Da”, do álbum com saída marcada para setembro, e que mereceu o regresso de Alison Mosshart dos The Kills ao palco –, e dão para contar que a banda saiu hoje de Madrid no meio de uma tempestade. “Achei que não íamos conseguir estar aqui”, confidenciou Grohl.

Ainda bem que vieram. Já passava das duas da manhã e ainda havia voz para ajudar a cantar “Best of You”. Deem espaço ao público português para prolongar cânticos e já se sabe que, mais cedo ou mais tarde, há de sair um “olé olé olé olé, olé olé” futebolístico. Deem-lhe mais margem e seguir-se-á um “Portugal, Portugal, Portugal”. A banda assistia atónita e ainda o público não tinha cantado o hino. Sim, do nada, milhares de pessoas começaram a cantar “A Portuguesa”. E já que temos bar aberto de cânticos, venha de lá um “Campeões, Campeões, nós somos Campeões”. “Gosto mais das vossas músicas do que das nossas”, disse o simpático vocalista. “Vocês são um belo público. Quantos anos passaram? Quatro? Seis?!?”

Seis, Dave. Esperas longas dão reencontros mais especiais, e foi isso que aconteceu esta noite no Passeio Marítimo de Algés. Dave Grohl sempre foi uma espécie de ave rara na cena grunge. O baterista sorridente no meio de olhares deprimidos. A quantos amigos já sobreviveu? Kurt Cobain, Layne Staley… Em maio, esteve no funeral de Chris Cornell. Dave Grohl é ironia, é energia, é alegria de viver e os Foo Fighters foram feitos à sua imagem e semelhança. É ele o mestre de cerimónias perfeito para dar às dezenas de milhares de pessoas que se juntaram no Passeio Marítimo de Algés uma das melhores noites das suas vidas. E cumpriu esse papel na perfeição.

Elas controlaram

Esta sexta feira controlaram mesmo, até porque não houve só Grohl e os Foos. Vamos a contas. As Savages deram um concerto brilhante. “O melhor concerto deste Alive” pode ser uma frase exagerada (sim, bem sabemos, ainda falta um dia inteiro de festival), já o tínhamos dito aqui, mas esta banda é todo um exagero. Punk infernal com a melhor frontwoman deste mundo e de qualquer outro. Amor combate, como diriam os nosso outros amigos, este amor é toda uma luta com rounds infinitos. Já as vimos em diferentes ocasiões. Foi sempre incrível. E porque é que conseguem ser sempre ainda mais incríveis? Porque são elas, e como estas quatro, que um dia vão tomar conta do mundo inteiro com a cavalaria baixo-bateria-guitarra-voz-de-deusa, como estas não há outras.

[leia mais sobre o concerto das Savages aqui:]

Savages: nunca nos vamos cansar de levar pancada

Engraçado… foi mais ou menos o que se passou com os The Kills, aquele duo ele e ela que de “pimba” até tem muito: fazem sexo com tudo e fazem tudo pelo sexo. E têm Alison Mosshart, uma das únicas que pode discutir o título de Patroa Maior com Camille Berthomier das Savages. Mostraram como é que é isso de recusar fazer um alinhamento típico de festival, em jeito de best of, e conseguir ser tudo o que sempre foram: uma dupla (Alison e Jamie Hince) genial a fazer um outro rock’n’roll a partir do mesmo de sempre. Cabedal, pose, canções, cabelo, cigarros, mais canções, guitarras, caixas de ritmos que mandam tanto como baterias. Um encanto de gente.

[leia mais sobre o concerto dos The Kills aqui:]

Ai querem ter uma banda como os The Kills? Boa sorte com isso

Tal e qual as Warpaint. Um encanto. Mas (e aqui há um mas, vai ter de ser) isso nem sempre chega. A gentileza da pop melancólica que fazem tem sempre bom sabor. E aquela habilidade em fazer dançar e pensar na vida ao mesmo tempo é uma graça que se trabalha, não se vende aos pacotinhos. Mas também é verdade que boa parte da classe das Warpaint vem dos detalhes. E desta vez, no Alive, esses mesmos detalhes ficaram meio perdidos entre algumas canções que podiam ter ficado de fora (daquelas que nos deixam prestar atenção a tudo menos ao palco) e uma ou outra exigência técnica que não é fácil conseguir fora do estúdio.

[leia mais sobre o concerto das Warpaint aqui:]

2 em 1. O passado negro e o presente dançante das Warpaint

Os clássicos e aquele outro palco secundário

Os The Cult têm Ian Astbury e isso merece respeito. Aquela voz será sempre a melhor para danças de varão. São feitos de clichés rock’n’roll — e se são clichés é porque se tratam de tiques que conquistaram direito à vida. Fazem sempre tudo bem feito mas parece que andam atrás de tempo perdido, de tempo que já lá vai, com a mesma ideia de há 30 anos, sem nenhuma atualização na entrega em palco. Que bom para fãs devotos, nem por isso para todos os outros.

Saindo do Palco NOS para o Heineken, lembrám-nos de quando o palco secundário não era nada secundário. Era, sim, um dos grandes trunfos do Alive, quando o festival nasceu, em 2007. Se no principal estavam os tubarões, o segundo era rota de passagem obrigatória para quem estava por dentro das últimas tendências da música e queria ver, pela primeira vez, em Portugal ou em Lisboa, alguns dos grupos de que toda a gente estaria a falar mais cedo ou mais tarde, ou de que poucos, mas bons, falariam. Ali vimos pela primeira vez Fleet Foxes, Anna Calvi, Courtney Barnett. Matámos as longas saudades dos Grinderman de Nick Cave e dos Primal Scream, concertos que ainda estão guardados no baú das melhores memórias da música ao vivo.

Rever as Savages vale sempre a pena, como escrevemos. As Warpaint, mais comedidas, também voltaram a dar um bom concerto, tal como tinham feito ali mesmo, em 2012. Em 2010 também já ali tínhamos visto os Local Natives, que por aqui estiveram esta sexta-feira sem tretas, sem bazófias. Adolescentes feitos homens (mas não muito), gente que corre o palco, que canta no meio do público, que não tem vergonha de “celebrar a música”. É um lugar comum, mas foi isso que aconteceu. Não são criativos fora de série, não marcam a História. Levaram com o início dos Foo Fighters em cima mas prenderam uma boa metade dos apaixonados pelo bailarico que ofereceram. Palmas para as harmonias bonitas dos moços, palmas para os cabelos soltos no final que não há mal nenhum em pisar esse pedal de distorção com vigor. Mas não há muito mais a dizer.

Com os Wild Beasts estivemos em 2014 no Mexefest e no ano passado no MusicBox. Mais uma repetição recente. Há novas canções, mas no geral não há muito a desenvolver que já não tivéssemos escrito recentemente. Os Wild Beasts, com o seu indie rock e synthpop, marcados pelo timbre inconfundível de Hayden Thorpe, também fizeram tudo o que lhes competia, com boa disposição e a preocupação de dar uma hora feliz a quem escolheu estar ali com eles — “Wanderlust”, “Alpha Female” e “Celestial Angels” a fechar, não falhou nada. Não estava muita gente a assistir. Quem já era fã não perdeu, quem não era já teve oportunidade para tratar disso se quisesse. É da vantagem da novidade, da curadoria especializada, que sentimos falta. Há bandas que num ano estão no Primavera Sound, no ano seguinte estão no Mexefest, depois no Super Bock. Numa altura em que há tantas bandas novas a aparecer, gostávamos de descobri-las num palco que, pela visibilidade que tem e pela amálgama de público que atrai, parece privilegiado para o efeito.

A seleção nacional

No arranque de qualquer dia festivaleiro há sempre aquela coisa do “deixa lá ver se o som hoje está bom”, se está muito vento ou se marcamos já um lugar aqui. E entre tantas interrogações, Tiago Bettencourt, que abriu o palco NOS, encarou bem o desafio. Deu canções para o beijo de fim de tarde e mostrou que tem um bonita coleção de guitarras, sim senhor. Foi mais ou menos isso.

Fábia Maia estava do outro lado do recinto, no Coreto. Sozinha no meio de um festival com tantos mil, só ela e uma guitarra a fazer versões de Regula — “eu sou o verdadeiro Tony do rock” — e a reinterpretar a má vida de Allen Halloween — “vou brincar com o meu brinquedo”. Descobre o espaço certo entre as palavras e embrulha-as em ritmo como se nunca tivessem nascido das coisas do hip hop. Mas Fábia também pega na guitarra para tocar uma espécie de R&B solitário de autoria própria e com cordas de nylon. Respeito.

No Clubbing, os Killimajaro deram o tom do que ia ser o do dia com as guitarras pesadas, e os Cave Story aligeiraram mas não destoaram. Pedro Zina, Ricardo Mendes e, sobretudo, Gonçalo Formiga parecem colocar toda a energia e dedicação na execução instrumental, sobra pouca para a postura em palco. Honestamente, a fazer música tão boa quanto a que fazem, eles até podiam tocar esparramados num sofá.

Faz tudo parte do estilo slacker rock, e até tem piada ver o vocalista e guitarrista Gonçalo Formiga a encostar-se a uma coluna a tocar guitarra, como se estivesse aborrecido. O clubbing estava meio vazio, e só foi pena aqueles silêncios constrangedores entre músicas para afinar a guitarra. Numa delas, o trio percebeu que, afinal, não havia mais tempo e aquela tinha sido a última. É difícil afastar do pensamento a ideia de que, se os Cave Story fossem de Inglaterra ou da América, o espaço estaria mais composto. Como encheu no ano passado o palco secundário para ver outra slacker, Courtney Barnett.

As Pega Monstro e os Modernos tocaram no Clubbing, no centro do recinto, com lugar bem merecido no meio de tanta guitarra que dominou o dia. As primeiras com aquele desvario sónico que lhes fica tão bem, a esticar o som ao máximo como é costume. Tão no máximo que por vezes as subtilezas do encantado novo álbum que editaram há pouco tempo se perde pelo meio dos amplificadores — mas está tudo no ADN destas manas, nunca vai ser diferente. Já os segundos foram tal e qual o nome: modernos, cools, rapazes da moda, mal comportados dentro do género educados, psico-pop de uma garagem que tem um carro com a revisão em dia e o depósito cheio. Guitarras de óculos escuros nunca fizeram mal a ninguém, bem pelo contrário.

No final disto tudo

Bom, no final disto tudo bailámos um doce funk-my-disco-swing-baby. Os Parov Stelar têm bateria e baixo mas têm um senhor num palanque com os digitalismos que ditam as regras. Têm um guitarrista talentoso de boné e têm um trio de metais que é de considerar. E ainda juntam uma vocalista/dançarina saída de um musical de Bob Fosse. Comeram “sandes de peixe” de que “gostaram muito” e apreciaram bastante o entusiasmo de “tantos amigos” que juntaram. Perfeitos para festivais a más horas, geniais para after parties de batizados. Isso existe sequer? Se não existe fica a dica. E sim, é um elogio. Depois venham dizer que os festivais não servem para nada.

[alinhamento do concerto dos Foo Fighters no NOS Alive 2017:]

All my Life
Times Like Theese
Learn to Fly
Something From Nothing
The Pretender
Cold Day in the Sun
Congregation
Walk
These Days
My Hero
White Limo
Arlandria
Rope
La Dee Da
Monkey Wrench
Wheels
Run
This is a Call
Best of You
Everlong