O Midori mudou. E seria fácil escrever já que mudou para melhor, mas as apreciações são como os prognósticos: só no fim do jogo. Ou da refeição. Ou até do texto, para os leitores mais intuitivos. Para já, foquemo-nos nos factos: o Midori mudou para bem mais pequeno. Restam-lhe apenas sete mesas e 18 lugares sentados, todos eles com vista para a densa vegetação que ronda o resort Penha Longa, onde se insere. Mas este foi um encolhimento propositado.

A porta que o separa do que sobra do antigo espaço (agora ocupado pelo pan-asiático Spices) é quase impercetível e só se abre para deixar entrar ou sair clientes. Lá dentro, a cozinha está à vista, tal como um enorme painel que junta uma gueixa japonesa e uma caravela portuguesa. E é esse painel que ajuda a perceber o novo conceito do restaurante, que responde a perguntas que geralmente se associam a dificuldades de tradução. Aqui interessa menos como se diz do que como se come: e afinal, como é que come arroz de polvo em japonês?

O renovado Midori e a vista que o rodeia.
(foto: © Martin James)

Quem diz arroz de polvo pode dizer gaspacho, caldo verde ou atum com feijão frade, entre outros. Ainda antes de se responder à(s) pergunta(s), convém fazer uma ressalva: não, o Midori não se transformou num restaurante de fusão. “Não gostamos dessa expressão ‘fusão’, preferimos dizer que é um restaurante japonês com alma portuguesa”, descreve o chef Pedro Almeida.

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Durante o último ano, Pedro e a sua equipa criaram 240 pratos diferentes para os menus de degustação que ali serviram. Não há uma gralha, nem um zero a mais, foram mesmo 240: 24 por mês durante dez meses. Esse processo criativo incutiu a confiança necessária para o passo seguinte: transformar o Midori num restaurante assumidamente de autor onde as raízes portuguesas e a cozinha japonesa se encontram de forma harmoniosa e, ao mesmo tempo, arriscada. É como se a grande maioria dos pratos fosse bilingue, capaz de se fazer entender tanto a quem procura a experiência do japonês genuíno como quem vai em busca de encontrar sabores reconhecíveis.

Pedro Almeida pratica agora uma cozinha mais autoral, que junta influências portuguesas à tradição nipónica. (foto: © Divulgação)

“Temos uma preocupação grande em ir à raiz. Passámos muito tempo a comer cozinha tradicional portuguesa, a cozinhar com as nossas mães e com as nossas avós”, recorda Pedro, a meio da explicação de um dos primeiros pratos, de 11, servidos no Menu Ookii (160€ por pessoa, ou 200€ com wine pairing), um miso de caldo de verde que é servido com uma finíssima tosta com maionese e pó de chouriço que deve ser partida para dentro da sopa, para misturar o pão no caldo, tal como a avó de Pedro fazia.

Outras recordações de infância encontram-se, por exemplo, no sashimi de toro (barriga de atum) com feijão frade fermentado, que remete para um dos clássicos do desenrasque gastronómico: salada de atum com feijão frade. Nesta versão, porém, com os pedaços mais nobres do atum cortados em cubos e dispostos sobre um crocante de tinta de choco, com uma pasta de dois tipos de feijão fermentados, frade e nattō. “É para partir o crocante e comer à mão. Este é um menu muito digital”, brinca o chef.

Sashimi de toro com feijão frade fermentado.
(foto: © Tiago Pais / Observador)

O sashimi de salmonete, ligeiramente braseado, traz o sabor da manteiga de miso queimada, e as folhas de vegetais que o acompanham homenageiam a vegetação das redondezas. “Fui criado em Sintra, é o verde da serra”, explica o anfitrião. Já o carapau, o peixe favorito de Pedro Almeida, surge várias vezes ao longo do menu: primeiro num gaspacho com miso e uma tosta com pó de tomate –“Há quem ache que o gaspacho é espanhol, mas também se come muito no Alentejo e no Algarve”, elucida — e, mais à frente, num dos conjuntos de nigiris. Nesse mesmo conjunto vem também um nigiri de cogumelo enoki em pickle, que leva Pedro Almeida a ir novamente ao baú de memórias: “Este faz-me lembrar de quando era miúdo e a minha mãe apanhava cogumelos para depois os conservar em pickle.”

Saltemos as especificidades de outras criações, como o nigiri de toro braseado na mesa, o de lírio com muxama de atum ou o de lula gigante dos Açores; a versão japonesa das amêijoas à Bulhão Pato, abertas em saké, em vez de vinho branco, ou um ensopado de enguia nipónico para nos debruçarmos sobre o arroz de polvo que dá titulo a esta peça e que chega à mesa sob a designação tako meshi. “Tako quer dizer polvo, e meshi arroz”, traduz o chef, que lhe adiciona, porém, elementos inesperados: gengibre, feijão nattō e, no topo, salsifi — que é um tipo de raiz — laminado.

Sashimi de salmonete com folhas, molho de manteiga e miso.
(foto: © Divulgação)

A construção do menu é inspirada no tradicional kaiseki japonês, respeitando a ordem e o ritmo a que este obriga. O acompanhamento vínico faz-se pela mão da escanção Andrea Smith, cujas sugestões seguem a mesma filosofia do menu: tão depressa nos apresenta um vinho nacional como um saké japonês, ou um chá verde para servir de limpa-palato. “O nosso próximo desafio é construir uma harmonização só com sakés”, revela Andrea. Tarefa árdua? Talvez, mas não podia estar mais de acordo com as pretensões de Pedro Almeida: “Não queremos ser normais, queremos ser surpreendentes.”

Nome: Midori
Morada: Penha Longa Resort, Estrada da Lagoa Azul, Sintra
Telefone: 219 249 011
Horário: De terça-feira a sábado, das 19h30 às 23h
Preço Médio: 75€ à carta. Há dois menus de degustação: Menu Chísai (95€/pessoa ou 135€ com
wine pairing), de 9 momentos, e o Menu Ookii (160€/pessoa ou 200€ com wine pairing) de 11.
Reservas: Aceitam
Site: penhalonga.com