A juventude de Fernão de Magalhães foi passada a ver Portugal a içar bandeiras um pouco por todo o lado. Tinha apenas 7 anos quando Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança. Aos 14 viu o Tratado de Tordesilhas dividir o mundo em duas partes, entregando uma delas a Espanha por causa de contestações relacionadas com as viagens de Cristóvão Colombo. E, aos 20 anos, o Brasil também já era português. Fernão de Magalhães havia de se fazer grande: nascido no norte do país — alguns documentos dizem-no filho de Sabrosa, outros de Vila Nova Gaia e alguns de Ponte da Barca –, o pai era cavaleiro fidalgo e conde de uma série de lugares entre Faro e Aveiro.
Aos 10 anos, Fernão de Magalhães já seguia as pisadas do pai e tornava-se pajem da Corte da Rainha D. Leonor. Mas o mundo havia de o ver chegar mais longe: é ele quem faz a primeira circum-navegação, entre 1519 e 1522. E descobre Guam, algures no Oceano Pacífico, a 6 de março de 1521. Mais de 495 anos depois, Guam volta a entrar para a História: agora território norte-americano, todos os mísseis de Kim Jong-un estão apontados para esta ilha mais pequena que Santarém e com pouco menos que a população de Leiria. Mas os Estados Unidos já avisaram: aqui há 6 mil soldados, uma base inteira de bombardeiros B-52 e uma grande experiência bélica.
De acordo com os relatos deixados por um dos 18 homens que acompanhou Fernão de Magalhães na viagem pelo mundo, quando a expedição entrou nos mares de Guam, a este das Filipinas, centenas de pequenas canoas atravessaram as ondas a grande velocidade para encontrar a caravela do navegador. Fernão de Magalhães, que batizou a ilha de “Ilha de Velas Latinas”. No entanto, nem todos os habitantes de Guam, descendentes dos austronésios do sudeste asiático, preparam uma festa de boas-vindas aos portugueses: muitos deles “entraram nos barcos e roubaram tudo aquilo em que conseguiram deitar as mãos. Estas pessoas são pobres, mas engenhosas e divertidas”. Certo é que Fernão de Magalhães mudou o nome da agora Guam para Ilha dos Ladrões. Hoje nas mãos dos norte-americanos, a maior parte da população de Guam pertence ao povo chamorro, que é dividida em quatro classes: a matua é a classe alta e vive nas aldeias costeiras, a mana’chang é a classe mais baixa e mora no interior. As outras duas classes são a chamorri, a que pertencem todos os líderes, e aachaot, que é a classe intermédia que faz a ligação entre a matua e a mana’chang. Estas diferenciações não são tão vincadas agora, mas desses tempos sobreviveu a religião: os chamorros acreditam no Taotao mo’na, espíritos antigos que eram a base da cultura pré-europeia em Guam.
Muito antes de ser território dos Estados Unidos, Guam foi espanhola. Era um importante ponto de passagem das caravelas que faziam comércio no Pacífico e por isso foi muito protegida pelo reino espanhol, que permaneceram aqui durante quase quatro séculos e mandou construir o Forte de Nossa Senhora da Solidão. Mas a presença do reino de Espanha em Guam nem sempre foi tranquila: houve guerras intermitentes entre 1670 e 1695, tufões avassaladores entre 1672 e 1693 e uma epidemia de varíola em 1688. A população de Guam desceu de 50 mil pessoas para apenas 5 mil nesse período de tempo. Cidades inteiras — como Chochogo, Tumon ou Nagan — ficaram completamente destruídas antes de o capitão Francisco de Irrisarri y Vinar ter sido enviado a Guam para acalmar a situação: ele, e mais tarde José de Quiroga, começaram por prender os rebeldes e construíram várias igrejas católicas. As mudanças maiores, no entanto, seriam sentidas já em finais do século XVIII, quando Carlos III de Espanha mandou confiscar todas as propriedades dos jesuítas, levando-os a procurar outro destino a bordo do navio Nuestra Señora de Guadalupe em 1769. Guam só viu dias melhores em Don Mariano Tobias começou a governar a ilha, implementando reformas agrícolas e rotas de importação e exportação, abrindo escolas públicas gratuitas e organizando a primeira milícia em Guam.
Coreia do Norte já tem data para atacar a ilha norte-americana de Guam
Guam passou para o controlo dos Estados Unidos em 1898. Nesse ano, o Tratado de Paris foi assinado em plena Guerra Hispano-Americana e Guam passou a ser propriedade da Marinha norte-americana a partir da Ordem Executiva 108-A. Servia como ponto de passagem de navios americanos que viajavam para as Filipinas e, entre 1921 e 1930, tornou-se na primeira unidade marinha de hidroaviões do Pacífico. A própria Pan Am chegou a fazer viagens diretas em San Francisco e Guam. A II Guerra Mundial, no entanto, trouxe novo rumo a Guam: pouco depois do ataque de Pearl Harbour, os japoneses invadiram esta ilha e tomaram controlo dela. Ficaram lá durante 31 meses: as pessoas foram sujeitas a trabalho forçado, execuções, detenções violentas e várias família foram obrigadas a separarem-se. Das 20 mil pessoas que viviam em Guam nessa altura, 2 mil morreram durante o controlo japonês.
Os norte-americanos só conseguiram reconquistar Guam na Batalha de Guam, no verão de 1944, depois de matar 18 mil dos militares japoneses que se tinham fixado na ilha. De todos os militares nipónicos em Guam, menos de 500 renderam-se para tentar salvaguardar a sua vida. Finda a II Guerra Mundial, os Estados Unidos concentraram-se em estabelecer os seus direitos sobre Guam: a ilha passou a ser um território norte-americano não incorporado em 1950. Todos os habitantes de Guam têm nacionalidade norte-americana, mas não têm o direito de votar para o presidente nem para os representantes do país no Congresso. Nos anos 80 e 90, os movimentos que pediam que Guam se tornasse uma área insular dos Estados Unidos com o mesmo estatuto que Porto Rico foram todas rejeitadas.
Com temperaturas que nunca descem dos 21º C e nunca ultrapassam 32º C, Guam é um paraíso tropical que os Estados Unidos transformaram num ponto obrigatório para os turistas amantes da praia. A 5 mil euros de distância de Lisboa (preço de ida e volta com bagagem incluída e duas escalas pelo caminho de acordo com o portal eDreams), o ambiente veraneante de Guam só é interrompido quando está na rota de perigosos tufões e tempestades tropicais, que costumam ocorrer entre julho e novembro. Mas enquanto se desfruta dos típicos pratos de camarões da ilha, Guam também vai somando experiência bélica: durante a Guerra do Vietname, a Base Aérea Anderson foi o ponto de partida dos bombardeiros B-52 que foram enviados para a Operação Linebacker II em 1972. Guam também foi a casa de 100 mil refugiados vietnamitas em 1975, já no final da Guerra do Vietname e de quase 7 mil curdos em 1996.
Conheça melhor Guam nestas 30 imagens de vários pontos, curiosidades e habitantes da ilha.