Pepe Brix, fotógrafo documental português, é o autor deste artigo, quinto da história “Este Verão Portugal é Mini”

Quando dizemos que percorremos o país de norte a sul, não significa que já tenhamos visto bastante, para que o que vamos partilhar dessa experiência seja suficientemente representativo daquilo que é Portugal. Os Açores são o extremo oeste do país e da Europa, um arquipélago selvagem, no mais sublime sentido da palavra, semeado na vastidão do Atlântico Norte. Por isso, desta vez saímos de Portugal continental e fizemos um desvio de quase mil milhas para poder respirar o lado ilhéu do nosso país.

Santa Maria é a ilha mais a sul da região e foi, segundo o que ficou registado nos manuais, a primeira a ser descoberta e povoada. Geologicamente, é também a mais antiga. Tão antiga, que ao longo das suas falésias costeiras, as camadas sedimentares guardam fossilizada a vida marinha que em tempos tomou conta da ilha. Uma característica que a difere de todas as outras e que tem cativado a atenção do departamento de paleontologia marinha da Universidade dos Açores durante os últimos vinte anos.

Durante séculos, os marienses usavam caminhos estreitos, que iam abrindo conforme a necessidade, para chegar onde era preciso. Caminhos por onde seguiam descalços para ir vigiar o gado que guardavam do outro lado da ilha, ou por onde desciam até ao generoso Mar quando era preciso levar mais peixe para casa.

À medida que o tempo foi varrendo a ilha, novos instrumentos de locomoção foram aligeirando essas duras caminhadas. Grande parte desses caminhos foram tomados pela vegetação e permaneceram escondidos durante décadas.

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Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Hoje, as necessidades mais elementares da população têm outro custo. Uma nova perceção do tempo e do espaço alargou-lhes os horizontes e agora que a míngua não tem sequer o cheiro do que foi em tempos, a adrenalina passou a ser mais uma variável na equação. Há uma nova sede de redescobrir as entranhas da ilha.

Essa foi umas das razões pela qual surgiu a AZ Pedal. Uma associação que promove a exploração do lado mais natural da ilha através do Downhill e Enduro. Fundada há relativamente pouco tempo a AZ Pedal conta já com um número considerável de praticantes, e tem inspirado os serviços locais de ambiente a desbastar a vegetação que encobria esses caminhos ancestrais. Além de todos os trilhos pedestres que foram recuperados durante os últimos anos, e que fazem parte da inventariação oficial do Governo Regional dos Açores, a associação já recuperou muitos outros que estão ainda por inventariar e que durante anos afim ninguém pisou.

Embora o gozo de passarem algum tempo de qualidade entre amigos e desfrutarem desses caminhos mágicos das entranhas da ilha seja a grande prioridade do grupo, há uma vontade permanente de melhorarem o seu desempenho. Algumas secções dos percursos podem revelar níveis de dificuldade bem mais desafiadores exigindo alguma persistência por parte dos praticantes. Depois de cada descida da secção, as bicicletas, mais pesadas do que as que estamos habituados a usar, são novamente carregadas às costas até ao ponto de partida. O processo repete-se até que cada pedra ou desnível esteja cuidadosamente identificado e a fluidez na passagem por essa zona não seja comprometida.

Hugo Carvalho, de 35 anos, nasceu e cresceu em Santa Maria. É apaixonado pela ilha e por todo o tipo de desafios que sirvam para explorá-la. É o atual presidente da AZ Pedal, e um dos grandes impulsionadores da atividade em Santa Maria. É quase sempre a sua carrinha de caixa aberta que serve de transporte para levar os amigos e as bicicletas ao cimo dos montes que vão descer.

Santa Maria é também a mais seca das nove ilhas. No Verão é especialmente seca, o que facilita em parte alguns dos trabalhos de manutenção dos caminhos e torna mais fluentes as descidas. Não há interrupções causadas por quedas de árvores devido ao mau tempo, não há lama, e o facto dos dias se irem embora mais tarde permite que este grupo de amigos se encontre com mais regularidade.

Entre os dias em que vão à Praia Formosa dar uns mergulhos, lá vêm dois ou três em que não pode faltar o convívio do Downhill. Hugo, segue de porta em porta para recolher os amigos e vão montando organizadamente as bicicletas na caixa da carrinha. Lá em cima, à beira da descida, acabam de se equipar. Todos se protegem dos pés à cabeça para evitar acidentes maiores.

Depois de descerem o trilho a toda a velocidade e de chegarem ao fim, tudo parece ter acontecido num sopro. Por isso, é usual que um deles não faça a descida para poder levar a carrinha até ao fim do troço e trazer todos de volta ao cume para mais uma descida. Com o cair da noite, as descidas ficam perigosas e é hora de arrumar o material na carrinha. Enquanto vão saindo umas piadas sobre as peripécias do dia, Derrick vai abrindo umas Minis com a ajuda do pedal da sua bicicleta. Antes de se fazerem à estrada e regressarem a casa, deixam-se ficar ali em conversa enquanto recuperam o folgo e vão brindando com uma Mini bem gelada à paisagem que se põe diante dos seus olhos.

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