O Presidente da República vai passar a nomear o governador do Banco de Portugal, de acordo com a proposta do relatório do Grupo de Trabalho para a Reforma do Sistema de Supervisão Financeira. O documento apresentado esta segunda-feira prevê que a nomeação seja feita a partir da proposta do Governo e depois da audição da Assembleia da República que terá poder de oposição. Este modelo de nomeação irá estender-se ao presidente do novo órgão, o Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF), que ficará com as competências de supervisão macroprudencial e de resolução, atualmente atribuídas ao Banco de Portugal.
Já para a generalidade dos dirigentes executivos do sistema de supervisor, incluindo presidentes, vice-presidentes e administradores, o relatório defende um novo modelo uniforme “que deve incluir a abertura de procedimentos públicos de que resulte uma pré-seleção de candidatos“. Será a partir desta pré-seleção, que o Governo irá proceder à nomeação dos futuros gestores, que terá de ser confirmada pelo parlamento. Este modelo aproxima-se da modalidade adotada na nomeação de chefias em cargos do Estado, que são escolhidas pelo membro do Governo a partir de uma short-list de três candidatos escolhidos por concurso realizado pela Cresap (Comissão de Recrutamento e Seleção da Administração Pública).
Atualmente, os administradores são propostos pelo governador, mas quem decide é o governo. Esta dupla competência criou este ano um impasse na nomeação de gestores para o Banco de Portugal, depois do Ministério das Finanças ter rejeitado nomes indicados por Carlos Costa.
Na proposta agora conhecida, a nomeação política fica limitada ao governador do Banco de Portugal e ao presidente do novo órgão de supervisão. Caso estas regras sejam aprovadas, caberá a Marcelo Rebelo de Sousa nomear o sucessor de Carlos Costa, cujo mandato termina em 2020. A nomeação do atual governador foi feita a poucos meses das eleições de 2015, por iniciativa do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, contra os partidos da oposição, tendo lançado um debate político aceso. O PS sempre teve a intenção de mexer nas regras de supervisão financeira.
O regime de nomeações dos administradores dos órgãos de supervisão financeira é uma das novidades no relatório coordenado por Carlos Tavares, antigo presidente da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários, e que irá entrar em consulta pública até ao dia 20 de outubro. Para além de um novo órgão para a resolução bancária, o modelo prevê a constituição de uma outra entidade, o Conselho Superior de Política Financeira, para reforçar a articulação e cooperação de todas as entidades, em nome de estabilidade financeira, e que será presidido pelo ministro das Finanças.
Resolução fora do Banco de Portugal para evitar conflitos
O documento, que pode ser consultado aqui, prevê que o Banco de Portugal mantenha a atividade de supervisão bancária, mas retira ao BdP as funções de supervisão macroprudencial e de resolução bancária de forma a ultrapassar conflitos de interesses detetados no atual modelo. Carlos Tavares justifica a separação da resolução bancária das atividades do Banco de Portugal, sublinhando que a existência de órgãos distintos, liderados por pessoas distintas, está em linha com as recomendações da diretiva europeia.
A principal finalidade é prevenir conflitos de interesse, nomeadamente na hora de tomar decisões sobre a alienação ou gestão dos bancos resolvidos. Esta tensão foi sobretudo visível no caso da resolução do BES/Novo Banco em que o Banco de Portugal impôs decisões polémicas e penalizadores para investidores, enquanto entidade de resolução, ao mesmo tempo que procurava conquistar investidores para comprar ou investir na instituição.
O Banco de Portugal continuaria a desempenhar todas as competências de supervisão bancária até à resolução, mantendo as atuais responsabilidades em caso de liquidação. Ou seja, continua a ser função do BdP acompanhar a recuperação das instituições e avaliar a sua eventual inviabilidade.
Na arquitetura proposta, o Conselho de Supervisão e Estabilidade Financeira (CSEF) substitui o atual Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CSNF) e assume a missão de “coordenação da atuação das autoridades setoriais de supervisão do setor financeiro” que mantêm o seu foco setorial: Banco de Portugal, Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões.
Apesar deste papel de coordenação é ao Banco de Portugal que o novo CSEF vai buscar mais competências, nomeadamente a regulação macroprudencial, que passa por identificar e avaliar os riscos sistémicos e medidas de prevenção e mitigação que incluem definir quais são os bancos com importância sistémica. Este órgão, cujo futuro presidente também seria nomeado pelo Presidente da República, seria financiado pelos outros três supervisores.
Para o ministro das Finanças, a proposta ” é moderada e equilibrada, de rápida e segura implementação, sem exigir um processo de transição longo ou dispendioso e sem o risco de diminuição da capacidade de atuação das autoridades de supervisão durante esse período de transição”. Mário Centeno destaca o facto de não impor uma rutura com o modelo atual, deixando a porta aberta a uma reforma mais profunda, caso se conclua pela sua necessidade.
O que tem falhado no atual modelo
O grupo de trabalho avaliou ainda o atual modelo de supervisão financeira, tendo concluído que a separação setorial não responde bem à evolução dos mercados e serviços financeiros marcada por uma crescente integração, pela maior liberdade de prestação de serviços e pela emergência dos chamados produtos complexos que combinam depósitos, investimento e seguros. Entre as limitações detetadas estão:
- Potencia conflitos de interesse na prossecução de interesses distintos ligados à supervisão prudencial — que tem como objetivo assegurar a solidez das instituições financeiras — e à supervisão comportamental — que procura proteger investidores e clientes.
- Favorece atuação fragmentada por parte dos reguladores setoriais, o que dificulta a supervisão integrada e transversal de grupos financeiros.
- Mecanismos de coordenação entre os reguladores têm-se mostrado insuficientes.
- Sobreposição de competências de vários reguladores ao mesmo tempo que emergem zonas cinzentas que parecem escapar às competências e responsabilidades de todos.
O documento considera que os desenvolvimentos resultantes da regulação europeia têm vindo a agravar estas falhas.