Alguns empresários brasileiros envolvidos no escândalos de corrupção Lava Jato terão comprado imóveis em Portugal, após o início das investigações, com o objetivo de obter vistos permanentes de moradia no país, de acordo com um artigo publicado esta segunda-feira no britânico The Guardian.
Otávio Azevedo e Sérgio Andrade — respetivamente ex-presidente executivo e um dos sócios do grupo Andrade Gutierrez —, Pedro Novis, ex-presidente da Odebrecht, e Carlos Pires Oliveira Dias, vice-presidente do conselho administrativo do grupo Carmargo Correa, são alguns dos nomes mais sonantes identificados pelo diário, que teve acesso a um documento confidencial onde vêm detalhados os nomes das pessoas que conseguiram acesso ao ARI — Autorização de Residência para Atividade de Investimento, nome técnico do visto gold ou golden visa.
Azevedo, ex-chief executive officer (CEO) da Andrade Gutierrez foi condenado a 18 anos de prisão domiciliária em 2016 pela Justiça brasileira.
Segundo o artigo, Azevedo terá comprado uma casa em Lisboa no valor 1,4 milhões de euros, tendo depois pedido o golden visa, em 2014. Ora, as autorizações de residência duram apenas um ano, segundo confirmou ao Observador uma fonte do Serviço de Estrangeiros e fronteiras e só são atribuídas “depois de uma minuciosa análise aos antecedentes criminais”, disse a mesma fonte. Por exemplo, e tendo em conta o manual de procedimentos do SEF, os candidatos têm de apresentar um registo criminal limpo. Faz dia 20 de setembro deste ano dois anos desde que Azevedo foi condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Depois dessa primeira aprovação, o ARI tem que ser renovado no ano seguinte e, depois, de dois em dois anos. Na altura de cada renovação, o candidato tem de repetir a apresentação de diversos documentos que servem para certificar o investimento feito em Portugal e a idoneidade dos capitais transferidos para Portugal. O registo criminal serve precisamente para atestar este último requisito.
Ex-CEO da Andrade Gutierrez conseguiu ARI em 2014
Em 2014, Otávio Azevedo ainda não tinha sido condenado, nem em 2015. Não é claro se Azevedo apresentou um pedido de renovaçao do seu ARI.
O ex-CEO da Andrade Gutierrez foi condenado pelo juiz Sérgio Moro, responsável pelos julgamentos do caso Lava Jato, a 18 anos de prisão domiciliária em 2016. De acordo com a lei portuguesa, Azevedo, como qualquer pessoa com cadastro criminal, está impossibilitada, de aceder a um visto gold. A lei também proíbe uma renovação do ARI a qualquer candidato com cadastro criminal.
“Os candidatos tem que apresentar muitos documentos, registo criminal incluindo, que, depois de ser enviado para Portugal a partir dos países de origem, o SEF cruza com dados da Interpol para verificar a sua autenticidade. E a cada ano pedimos os mesmos documentos outra vez”, disse a mesma fonte ao Observador.
Recorde-se que Otávio Azevedo ficou conhecido em Portugal por ter sido um dos representantes da Oi que negociou a entrada da Portugal Telecom no capital social da empresa brasileira. No Brasil, a Andrade Gutierrez ficou marcada nas investigações judiciais a que foi sujeita pelas suas fortes ligações ao Partido dos Trabalhadores — o partido dos ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Roussef.
O programa de vistos permanentes do governo português permite que investidores comprem imóveis em Portugal, avaliados em pelo menos 500 mil euros, em troca do visto de residência, ou invistam um milhão no país, sendo que desse investimento deve resultar a criação de pelo dez postos de trabalho. Depois de cinco anos, o visto pode ser convertido em cidadania portuguesa, que dá o direito de moradia e trabalho em qualquer país da União Europeia.
Sérgio Andrade teria comprado um imóvel em Portugal por 665 mil euros, em 2014. Pedro Novis seria o proprietário um imóvel em Lisboa avaliado em 1,7 milhões. Já Carlos Oliveira teria investido 1,5 milhões em Portugal, dentro do programa de residência no país. O outro nome referido é o de José Maurício Caldeira, ex-diretor financeiro da brasileira Asperbras, comprou um apartamento na capital portuguesa por um milhão de euros. Caldeira é arguido na operação Rota do Atlântico, por suspeita dos crimes de corrupção no comércio internacional e branqueamento de capitais, como o Observador explicou aqui.
Ao The Guardian, um representante de Azevedo disse que o empresário condenado pela justiça brasileira ainda não tinha sido informado quanto à aprovação ou não da sua candidatura mas garantiu que todos os pressupostos legais para aquisição do imóvel — e da ARI — tinham sido observados. Quanto a Andrade, um seu porta-voz disse que ele adquiriu de facto residência portuguesa mas não tem intenção de viver em Portugal e quem falou por Novis garantiu apenas qu todas as suas atividades são conhecidas dos tribunais brasileiros, incluindo aquelas que ele desenvolve em Portugal.
Constam também do documento os nomes de alguns familiares de Manuel Vicente, vice-presidente angolano e antigo presidente da Sonangol, e que terão recorrido também ao programa dos vistos gold em Portugal. Vicente está acusado, em Portugal, por alegadamente ter corrompido um procurador do Ministério Público para arquivar um processo onde Vicente era visado por branqueamento de capitais, entre outros crimes. Um advogado do político angolano, que chegou a ser avançado como o possível sucessor de José Eduardo dos Santos, não fez comentários ao jornal britânico.