Três rondas de negociações depois, pouco ou quase nada se avançou em relação à saída — ou melhor, aos moldes da saída — do Reino Unido da União Europeia. A situação chegou a um impasse (sobretudo após as legislativas britânicas de junho, quando Theresa May perdeu a maioria no Parlamento e, até, um pouco da sua autoridade no interior do Partido Conservador) nos últimos meses.

A próxima ronda negocial começa na segunda-feira. Antes disso, a primeira-ministra britânica discursará esta sexta-feira em Florença e, falando diretamente para os parceiros europeus, tentará selar financeiramente o Brexit. Como? Sugerindo pagar 20 mil milhões de euros — escreveu esta semana o Financial Times. O valor corresponde à totalidade das contribuições britânicas para o atual orçamento da União Europeia, em vigor até 2020.

Quando o dinheiro conta

É certo que a União Europeia aguarda com expectativa o discurso (e propostas) de May em Itália. Mas dificilmente aceitará o valor (considerado irrisório) oferecido pela primeira-ministra britânica nas negociações. Os valores discutidos em Bruxelas chegam, no mínimo, aos 40 mil milhões. A discrepância de valores é simples de explicar: às contribuições britânicas para o atual orçamento, os restantes Estados-membros pretendem ver o Reino Unido a pagar obrigações de longo prazo — incluindo pagamentos de pensões de funcionários ou o financiamento de projetos de desenvolvimento.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Meio ano após ter acionado o artigo 50 do Tratado de Lisboa, Theresa May recua na postura de negociadora irredutível (o ministro britânico para o Brexit, David Davis, chegou descrever o impasse como sendo uma “ambiguidade construtiva”) em relação à União Europeia e resolveu abrir os cordões à bolsa — sob risco de ficar a conversa sozinha. “Para os 27 [Estados-membros] resume-se tudo a dinheiro”, escreveu esta semana o Politico.

May oferece cheque de 20 mil milhões de euros para sair da União Europeia

Mas o “dinheiro” aqui não é relativo meramente às contribuições britânicas para o orçamento da União Europeia. É que May poderá ter que optar por um Brexit mais… suave. Ou seja, contrariando o que a própria afirmou num discurso em janeiro, o Reino Unido pode continuar no mercado único europeu (cumprindo os mesmos requisitos que os restantes Estados-membros) após a saída da União Europeia. Antes, a primeira-ministra afirmou que pretendia sair da Área Económica Europeia.

Quem pode contrariar May

Este recuo de May até pode ser do agrado de um fação moderada dos trabalhistas britânicos (por exemplo do ministro das Finanças, Philip Hamond) mas não o é dos eurocépticos. E o principal rosto dos eurocépticos é Boris Johnson. May pretende negociar um acordo de comércio com a União Europeia. Mas pode vir a fazê-lo sem o ministro dos Negócios Estrangeiros — que muita imprensa britânica acredita que se venha a afastar do Governo nos próximos dias. Ainda esta semana, Johnson escreveu um artigo de opinião no Telegraph onde defende que o Reino Unido não deveria pagar qualquer valor à União Europeia para aceder ao mercado comum depois de um período transição.

Mais tarde, e quando questionado à margem da assembleia-geral da ONU sobre a provável demissão, o atual chefe da diplomacia britânica garantiu que não existe afastamento entre o próprio e Theresa May, acrescentando que o Executivo britânico chilreia como “um bando de pássaros afinados”.

Os membros do Governo (incluindo Johnson) foram chamados esta quinta-feira ao n.º 10 de Downing Street para conhecer a estratégia e discurso que May apresentará em Florença. A primeira-ministra britânica vai apelar ao “sentido de responsabilidade” dos Estados-membros para avançar nas negociações com vista à saída do Reino Unido da União, esperando encontrar um acordo satisfatório para ambas as partes.

Se pudermos fazer isso, então, quando este capítulo da nossa história europeia estiver escrito, será lembrado não pelas diferenças que enfrentámos, mas pela visão que mostrámos; não pelos desafios que perdemos, mas pela criatividade que usámos para superá-los; não por um relacionamento que acabou, mas uma parceria nova que começou”, vai referir Theresa May, segundo excertos revelados pelo seu gabinete.

May assume que o Brexit é um processo “inevitavelmente difícil”, mas explica que “é do interesse do Reino Unido que as negociações tenham sucesso”. E acrescentou: “Por isso acredito que partilhamos um profundo sentido de responsabilidade para fazer com que a mudança aconteça de forma sensata e sem problemas, não apenas para as pessoas de hoje, mas para a próxima geração que vai herdar o mundo que vamos deixar”.

A chefe do Governo britânico não tem dúvidas que “o futuro da Grã-Bretanha é promissor”, pois o país continua a ter “um sistema jurídico respeitado em todo o mundo; uma forte abertura ao investimento estrangeiro; entusiasmo pela inovação; uma facilidade de fazer negócios; algumas das melhores universidades e cientistas; um talento nacional excecional para a criatividade e um espírito indomável”.

O que está em causa no voto decisivo do Brexit?