Na Europa, são poucos os líderes políticos que se podem gabar tanto de experiência como Angela Merkel. A chanceler alemã já conta 12 anos de poder pelas costas, ao longo dos quais governou sempre coligada: primeiro com o SPD, de centro-esquerda, em 2005; depois com a direita liberal do FDP, em 2009; e em 2013, novamente com o SPD.

Porém, mesmo com toda a experiência adquirida nos últimos anos, nem Angela Merkel conhece aquilo que tem pela frente depois das eleições deste domingo: conseguir montar uma “Coligação Jamaica”, já que o SPD prometeu voltar à oposição depois de ter o seu pior resultado do pós-guerra.

A referência àquele país caribenho nada tem que ver com a sua política, mas antes com a composição cromática da sua bandeira: preta, amarela e verde. Isto é, as cores da CDU, do FDP (direita liberal) e dos Verdes (ecologistas de centro-esquerda e pró-Europa), respetivamente, que deverão nas próximas semanas, ou até meses, encabeçar as negociações para uma nova coligação governativa.

No debate que procedeu a publicação das primeiras projeções, Angela Merkel disse não estar preocupada com a tarefa de juntar a direita liberal e os ecologistas de centro-esquerda em torno do seu programa democrata-cristão. “Eu estou sempre otimista, é essa a minha natureza”, disse, quando a pergunta era se contava ter uma coligação de governo estável antes do Natal. “Depois de tantos anos, acho que quem está no poder deve ter calma.”

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Merkel no meio de dois partidos diametralmente opostos

Angela Merkel já esteve em posições mais confortáveis. Os dois partidos que a podem ajudar a chegar a uma maioria no Bundestag, fixada nos 316, fazem-lhe exigências que vão, em alguns casos, em posições diametralmente opostas.

Do lado do FDP, é possível que lhe seja exigido o cargo de ministro das Finanças — uma exigência ambiciosa, já que estamos perante um partido que, depois de um desaire eleitoral em 2013, não conseguiu sequer entrar para o Parlamento. E mais ambiciosa é se pensarmos que passar para as mãos do FDP aquela pasta implicaria tirá-la àquele que é o número dois de facto do atual Governo germânico, Wolfgang Schäuble. Além disso, os liberais pretendem um sistema de imigração mais restrito, “à canadiana”, em que só seria permitida a entrada a imigrantes qualificados. Além disso, o FDP não é favorável a uma maior integração europeia, ao contrário do que Angela Merkel defende.

Do lado dos Verdes, a exigência é para uma maior integração europeia e também pela adoção de políticas ecologistas — algo que está muito longe de ser uma bandeira do FDP. Além disso, os Verdes opõem-se ao aumento de restrições à entrada de imigrantes e de refugiados na Alemanha.

O FDP e os Verdes são, à sua maneira, dois partidos irmãos. Não é que partilhem ideias, mas disputam o mesmo eleitorado: cidadãos cosmopolitas, na maior parte dos casos jovens. Angela Merkel terá de arranjar uma maneira de sentá-los à mesma mesa para garantir uma reunião sem escaramuças, enquanto os convence a fazerem o que ela diz. Por alguma razão, a chanceler é conhecida como “mutti” — ou, em português, “mamã”.

Não foi, porém, nesses termos que Martin Schulz se referiu a Angela Merkel, numa alusão aos últimos quatro anos de “grande coligação” entre social-democratas e democratas cristãos. “Ela é um aspirador de ideias”, advertiu os líderes do FDP e dos Verdes, acusando a chanceler de se apropriar das propostas dos seus parceiros de coligação, deixando-os sem louros para recolher.

Martin Schulz, de resto, não teve uma noite fácil. Depois de as sondagens se terem aproximado dos 35% quando anunciou a sua candidatura ao cargo de chanceler, o ex-presidente do Parlamento Europeu acabou por levar o SPD ao seu pior resultado do pós-guerra, com pouco mais de 20% de votos. Mais do que um mea culpa, Martin Schulz deixou entender que o desaire eleitoral se deveu aos últimos quatro anos de “grande coligação” com Angela Merkel. Agora, garante que o seu partido quer liderar uma “oposição forte”. “Não queremos deixar a oposição para os outros.”

Aqui, os “outros” são o pequeno partido que mais atenção atraiu nestas eleições: a AfD, nacionalista e anti-imigração, que conseguiu entrar pela primeira vez para o Bundestag.

AfD, o inimigo público no Bundestag, promete “perseguir” Angela Merkel

Além do enfraquecimento da CDU e sobretudo do SPD, as eleições deste domingo demonstram de forma clara aquela que era uma realidade que tem fermentado nos últimos nos meandros da política alemã: o crescimento da extrema-direita.

A AfD surgiu em 2013, tendo conquistado em 4,7% nas eleições federais daquele anos. Eram tempos diferentes: o tema predileto da AfD era o fim dos resgates participados pela Alemanha a economias como a grega e também a portuguesa. Apesar de eurocético, o discurso que recomendava dureza para as economias do sul da Europa não era muito diferente daquele que se ouvia de Angela Merkel e de Wolfgang Schäuble.

Agora, em 2017, tudo está diferente. A AfD tornou-se nos últimos dois anos o partido anti-Merkel e anti-imigração, que cresceu à medida que a chanceler alemã abria as portas do país a mais de 1 milhão de refugiados. Desta vez, o discurso da AfD tornou-se radicalmente diferente do da chanceler — a quem roubaram votos — e conseguiu ainda atrair eleitores à esquerda, nomeadamente ao SPD e, mais marginalmente, ao Die Linke.

Serão agora cerca de 94 os deputados com as cores da AfD no Bundestag, que no pós-guerra nunca tinha dado lugar a forças políticas à direita da CDU. E, no que se percebeu no discurso de vitória de uma das líderes da AfD, Angela Merkel será um alvo a abater nos próximos quatro anos.

“A primeira coisa que vamos fazer, e já disse isto durante a campanha em entrevistas e reportagens, é iniciar uma comissão de inquérito no Parlamento para escrutinar Angela Merkel e essa comissão vai analisar se esta mulher violou a lei”, disse Alice Weidel, num discurso que não teve outro tom que não o de vitória. Uma das promessas eleitorais da AfD era o início de uma comissão de inquérito parlamentar sobre a decisão de abrir a porta a refugiados por parte de Angela Merkel, no outono de 2015.

Antes deste discurso, Alexander Gauland, também da AfD, prometeu que o seu partido vai “perseguir” Angela Merkel. “Vamos recuperar o nosso povo e o nosso país.”