“O que se passa na cabeça do meu adolescente?” não é só o título do mais recente livro da psicóloga Cristina Valente (já antes entrevistada pelo Observador), como a pergunta na ponta da língua de qualquer pai que tenha um adolescente em casa. Na obra que agora chega às livrarias, a autora tenta explicar o que pode estar por detrás de determinados comportamentos dos mais novos e como os pais podem ou devem reagir a essas situações.

A pensar nisso, perguntámos à autora o que é que os pais devem ter em mente na hora de trocar argumentos com os filhos. Ao Observador, Cristina Valente explica que o desenvolvimento neuronal interfere com decisões e atitudes dos adolescentes e explica porque é que estes precisam de estar numa constante luta com os pais. Antes de prosseguirmos, fica a nota: as dicas não servem para desculpar os comportamentos dos mais novos, mas para ajudar a explicá-los.

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É tudo (ou quase tudo) uma questão de desenvolvimento neuronal

Adolescência. É esta a fase em que os futuros adultos começam a desenvolver a autoregulação, o pensamento abstrato (como noções de justiça e honestidade) e os valores em si. “Os adolescentes passam, agora, a ter uma maior consciência crítica de si próprios e também dos outros. Quando isso acontece, começam a ver incongruências no mundo dos adultos e é muitas vezes aí que começam os confrontos”, esclarece Cristina Valente. A tendência é para questionar e até negar tudo o que chegou antes deles. Diz a psicóloga e mãe de dois adolescentes que isto se deve ao amadurecimento das suas capacidades cognitivas, mas também ao processo de afirmação de identidade dos mais novos. “O adolescente gosta de poder examinar [como quem diz questionar] os sistemas de crenças com que foi educado ou aqueles que dominam a sociedade. Daí ser respondão”, assegura Valente, reforçando a ideia de que os pais devem olhar para esta situação como um aspeto positivo. É bom sinal (e natural).

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Quando o adolescente começa a entrar naquela que é a idade da razão, os pais tendem a olhar para os confrontos enquanto lutas intelectuais. “Basicamente, os pais comportam-se como crianças, no sentido em que não conseguem sair do seu umbigo, não conseguem dissociar as coisas e envolvem-se emocionalmente. Na base deste comportamento está o medo”, assegura a autora do livro, para quem as respostas negativas ou não produtivas, regra geral, estão diretamente relacionadas com o sentimento de medo que gera inevitavelmente uma necessidade de controlo. Se na primeira década de vida de um filho tudo o que os pais fazem tem um resultado visível — damos de comer e ficam saciados, zangamo-nos com eles e amuam connosco, etc. –, chega a adolescência e os pais já não sabem lidar com os filhos. Os resultados “não só não são visíveis como os investimentos não são imediatos”.

Numa luta pela independência, como adiante veremos, o aumento do controlo significa quase automaticamente o piorar de uma relação entre pais e filhos. “O controlo é uma ilusão. Usamo-lo como educação, mas o que funciona mesmo é a inspiração”. Nesse sentido, o importante é evitar as perguntas de curto prazo — por exemplo: como faço com que ele me obedeça?” — e fazer as de longo prazo: “Como é que eu faço com que ele se sinta integrado cá em casa?”. “Muitas vezes, os pais reagem ao comportamento visível do filho sem descobrirem o motivo que está por trás. O mau comportamento do adolescente é sempre um pedido de ajuda.”

“Muitas vezes os pais reagem ao comportamento visível do filho, sem descobrirem o motivo que está por trás. O mau comportamento do adolescente é sempre um pedido de ajuda.” @ iStockphoto/bodnarchuk

A luta é pela independência

O movimento de independência já começou e o que importa agora é balizá-lo. “Embora o adolescente tenha alguma racionalidade, ainda não consegue ter uma visão de longo prazo e não se apercebe das consequências de algumas ações”, assegura Cristina Valente. Dar liberdade e limites é um jogo de diplomacia, de cintura se quisermos. A negociação e a comunicação são essenciais, mesmo considerando que, segundo a opinião da autora, “comunicamos muito mal, de forma pouca eficaz”. É nesse sentido que Cristina Valente introduz algumas dicas que, por esta altura, já deveriam ser consideradas verdades universais: há uma clara diferença entre escutar (processo cognitivo) e ouvir, sendo que os pais deveriam ter em primeiro plano o cuidado de escutar sem julgamentos, tentando sempre perceber o que é que o adolescente quer.

“Muito do comportamento do adolescente é repetitivo, pelo que podemos ir treinando as nossas respostas. Escutar é a chave do sucesso. A maior parte dos adolescentes desiste de falar com os pais porque sabem que eles não os ouvem”, continua a psicóloga. Em causa está o facto de os pais quererem que os filhos se rejam pelos valores com que foram educados. Mas a noção de contrariar valores faz parte do processo de crescimento, não fosse esta a fase em que o adolescente sente necessidade de dizer ao mundo que pensa pela própria cabeça. “A forma mais fácil de o fazer é agindo exatamente ao contrário daquilo em que os pais acreditam.”

Desafiar os pais faz parte

Os adolescentes precisam da luta constante, quase diária, com os pais. Sendo a adolescência um processo de individualização, é também uma fase de grandes inseguranças e não é difícil de perceber o porquê: à falta de estatuto corporal (no sentido em que existe um crescimento físico repentino) acrescenta-se a falta de estatuto social — os adolescentes já não são crianças mas também não são adultos. “A sociedade confunde-os. Por um lado, podem matar ou ir à guerra; por outro, são tratados como crianças em muitas situações.” Desafiar os pais acaba por fazer parte da tentativa dos mais novos de encontrar referências próprias.

Existe também uma maior necessidade de emoções fortes e até de experiências radicais. De um momento para o outro já não basta ouvir música, mas sim pôr o volume no máximo; já não basta deslocar-se, é preciso ir a grandes velocidades. “O cérebro tem, nesta fase, uma capacidade de aprendizagem enorme. Praticar um desporto e ter uma experiência radical acabam por ser aprendizagens”, diz Cristina Valente, confirmando ainda que, neste período, a avaliação real de risco está muito pouco ativa. A solução passa por promover experiências intensas — mas saudáveis — para os adolescentes.

“O adulto aqui somos nós”

Já aqui escrevemos que um dos maiores “erros” dos pais é não escutar. É normal que isso suceda: quando iniciamos uma discussão temos necessidade de falar porque isso gera segurança, no sentido em que queremos aconselhar o outro o melhor possível. E se escutar é importante, o mesmo se pode dizer de aceitar o ponto de vista de um adolescente. “Em primeiro lugar é preciso entendê-los e só depois esperar que eles nos entendam. Porque o adulto aqui somos nós. É preciso que nos coloquemos no lugar dos outros e isso é coisa que os pais têm muita dificuldade em fazer.

Uma alternativa pode passar pela aplicação do método socrático (não referente ao ex-primeiro-ministro português). Ir perguntando “porquê” ao longo de uma conversa pode ajudar o adolescente a abrir-se mais e a explicar-se melhor. “Ele não sabe responder logo porque está habituado a não ser ouvido. Mas isto só funciona se estivermos genuinamente interessados no ponto de vista dele.” Sendo este um processo de aprendizagem, para miúdos e graúdos, é preciso acrescentar que os pais devem expressar emoções no decorrer de uma conversa e, ao mesmo tempo, dominar sentimentos (e isto inclui controlar os eventuais acessos de raiva).