A Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) vai analisar esta terça-feira a versão reformulada dos serviços técnicos sobre a compra da Media Capital pela PT/Meo. De acordo com informação recolhida pelo Observador, o parecer que vai ser votado pelo conselho regulador defende que a opinião da ERC sobre esta operação, apesar de desfavorável, não é vinculativa.
Ou seja, para os serviços da ERC, um parecer negativo à operação por parte do regulador da comunicação não seria suficiente para impedir o negócio de ir para a frente. Esta posição é contrária à que tem sido defendida pela maioria dos juristas e até agora assumida pela Autoridade da Concorrência. Um entendimento que também não tinha sido posto em causa, pelo menos publicamente, pelas entidades envolvidas na operação, a francesa Altice, a Meo e a Media Capital.
O parecer da ERC é um dos passos obrigatórios no processo de avaliação da Autoridade da Concorrência ao impacto que a junção das duas empresas terá ao nível da concorrência nos vários mercados afetados. A Concorrência suspendeu o seu próprio processo de avaliação, enquanto aguarda o parecer da ERC que tem de se pronunciar sobre as consequências da concentração para a pluralidade e diversidade da comunicação social.
Se o regulador da comunicação estiver contra a compra da dona da TVI pela PT/Meo, mas considerar que a sua opinião não é vinculativa, caberá em princípio à Autoridade da Concorrência decidir se aceita esse pressuposto. Isto se os três membros do conselho regulador da ERC conseguirem a chegar a um consenso para votar uma deliberação que aprove o parecer, o que não é garantido.
Nesse caso, a opinião da ERC, ainda que contrária, teria a mesma força do parecer já dado pelo regulador das telecomunicações. A Anacom também se mostrou contra a aquisição da TVI pela principal operadora de telecomunicações, por considerar que a operação é suscetível de fechar os canais e conteúdos aos concorrentes. Mas neste caso a lei da concorrência é clara, a Anacom tem de ser ouvida, mas a sua posição não é vinculativa.
No caso da ERC, a lei da concorrência também parece clara, no sentido inverso.
As decisões da Autoridade da Concorrência relativas a operações de concentração de empresas em que participem entidades referidas no número anterior (empresas jornalísticas e noticiosas abrangidas pela lei da imprensa) estão sujeitas a parecer prévio da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, o qual deverá ser negativo quando estiver comprovadamente em causa a livre expressão e confronto das diversas correntes de opinião, sendo neste caso vinculativo para a Autoridade da Concorrência.»
O problema é que esta disposição remete apenas para a lei de imprensa, deixando de fora as leis da televisão e da rádio. Estes diplomas têm também — pelo menos no caso da televisão — disposições que dão ao regulador da comunicação um papel decisivo na autorização de concentrações, mas apenas entre operadores do setor audiovisual. Quando a Autoridade da Concorrência travou a intenção de compra de 30% da Media Capital pela Ongoing, tendo por base um parecer negativo da ERC, essa posição era sustentada na lei da televisão e considerava o facto de a Ongoing ser à data acionista de referência de um outro operador de televisão, a Impresa, dona da SIC.
A empresa que quer comprar a Media Capital, a PT/Meo, é um operador de telecomunicações que distribui o sinal de televisão, mas não tem licença para emitir. Ainda que a Media Capital tenha conteúdos informativos em plataforma online, que em tese estariam ao abrigo da lei de imprensa, esta é uma parte muito pequena da sua atividade como empresa de comunicação social. A Media Capital é acima de tudo um operador de televisão (TVI) e de rádio (Comercial, Cidade, Smooth, entre outras).
A natureza vinculativa do parecer da ERC neste caso até chegou a ser assumida pelo presidente do regulador em julho, quando foi anunciado o negócio. Mas Carlos Magno deixou uma ressalva nestas declarações à Rádio Renascença.
“A lei diz que a Autoridade da Concorrência, mal seja notificada da operação, pede o pronunciamento da ERC. E a pronúncia da ERC é obrigatória e vinculativa. Se a ERC disser sim, o negócio pode avançar e a Autoridade da Concorrência e as outras autoridades farão o resto. Se a ERC disser não, teoricamente, o negócio para automaticamente.”
Carlos Magno revelava que a ERC tinha criado um grupo de trabalho para estudar as implicações legais e outras da operação. O Observador sabe que a direção do regulador da comunicação social tem recebido, ao longo dos últimos meses, a visita de todos os principais protagonistas do negócio de 440 milhões de euros — entre os quais Patrick Drahi, da Altice, e Juan Luis Cebrián, presidente da Prisa — bem como os seus opositores. E todos eles vieram acompanhados de muitos estudos e pareceres.
Apesar da evolução no parecer dos serviços técnicos da ERC não é, para já evidente, que os três membros do conselho regulador que estão em funções consigam chegar a um consenso para votar o parecer, ainda que este seja apresentado como não vinculativo. Se tal acontecer, não é provável que a Autoridade da Concorrência dê mais tempo ao regulador da comunicação que já pediu dois adiamentos. Nesse caso, o regulador da concorrência retomará o processo de autorização deste negócio com base na sua própria avaliação, no parecer não vinculativo da ERC e nas opiniões recolhidas junto das partes interessadas, o comprador e vendedor, e os concorrentes que são contra o negócio.
Na semana passada, o presidente executivo da Altice, mostrou-se surpreendido com a pressão que qualifica de “indevida” que tem sido feita pelos concorrentes para travar a operação.
Media Capital/TVI. Altice surpreendida com pressão “orquestrada por concorrentes”