Em dia de Congresso Geral do Partido Comunista chinês, o evento mais importante da política chinesa, o atual presidente e líder do partido, Xi Jinping, conseguiu discursar durante 3h41, ininterruptamente. Era quase o suficiente para roçar os hábitos discursivos de Fidel Castro, mas quem saiu reforçado foi o poder central – e os próximos cinco anos de mandato de Jinping.

Se dúvidas restavam do leninismo enraizado no sistema político chinês, basta pensar que mais de 2.000 militantes assistiram, sentados e em silêncio, a um discurso que contou com a presença de antigos líderes chineses, como Jiang Zemin e Hu Jintao. Jintao olhou por várias vezes para o relógio ou não tivesse demorado apenas hora e meia a discursar no seu último congresso enquanto presidente.

Jiang Zemin (à semelhança de outro ex-líderes) mantém-se como uma figura com algum poder no partido, apesar dos incessantes rumores da sua morte. Uma publicação sobre Zemin foi mesmo apagada pelos moderadores da rede social Weibo. Por agora, a China não pode impedir que os seus cidadãos falem de Zemin e ninguém pode impedir Jinping de discursar por três horas e meia, ou 205 minutos, como um jornalista da BBC fez questão de referir.

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Xi Jinping foi aplaudido em momentos inusitados, como quando referiu o controlo levado a cabo para acabar com a especulação imobiliária ou uma das suas promessas de mandato, a redução da pobreza. Numa linguagem menos formal (e menos política), Xi atingiu as massas e captou a atenção dos quase 2.500 presentes no congresso, que não demoravam segundos para aplaudir as palavras do líder.

O seu primeiro mandato foi um sucesso sem precedentes — tanto que é criticado e acusado de construir um culto de personalidade. Mas enquanto Xi Jinping se prepara para mais cinco anos no poder, importa relembrar que o programa com que foi eleito não dá asas a uma governação despreocupada. Até agora só os mais iludidos acreditam que uma China que cresce economicamente anda de mão dada com uma China mais livre.

Xi quer mudar a economia e para isso vai conter o risco financeiro e encorajar o consumo privado — mas nada de liberalizar o mercado ou de implementar reformas estrondosas como aquelas que Deng Xiaoping pôs em prática nos anos 80 e 90.

O “relatório de trabalho”, como o PCC se refere ao discurso, tocou no ponto das alterações climáticas e Xi garantiu que a China está na primeira fila “da cooperação internacional para responder às alterações climáticas” e que esse esforço vai ser reforçado no novo mandato.

“Qualquer estrago que infligimos à natureza vai eventualmente regressar para nos assombrar. Esta é a realidade que enfrentamos”, explicou Jinping, acrescentado que a China tem de desenvolver “um novo modelo de modernização onde os humanos se desenvolvem em harmonia com a natureza”.

Segundo o New York Times, Jinping referiu o “grande poder militar” 26 vezes no decorrer do seu discurso e afasta-se da posição pública de humildade que caracterizou os seus antecessores: “A China vai continuar a desempenhar o seu papel enquanto um grande e responsável país”, disse.

Apesar de Pequim já contar com o maior exército a nível mundial, ficou feita a promessa de construir um “exército de primeira classe” capaz de ganhar guerras “em qualquer palco”.

Este congresso que marca o fim de um mandato e o início de um novo não contou com referências à crise no Mar do Sul da China, a Donald Trump, nem a Kim Jong-un e o seu programa nuclear, como a comunidade internacional esperava. O papel que o governo chinês desempenha nesta trama de retórica de guerra tornou-se este ano — mais do que nunca — relevante. Em vez disso, Xi Jinping acredita que a China está no auge internacional mas só não esconde preocupações sobre a segurança interna e “a ameaça ideológica”.