Ainda me lembro da primeira vez que fui a um restaurante chinês. Devia ter uns 10 anos e o momento era solene — o aniversário de uma tia ou o reencontro com amigos que passaram muito tempo no estrangeiro. Nessa altura, para mim, “ir ao chinês” era um ato de irreverência, um chega para lá ao bitoque e ao bacalhau com natas que encontrava todos os dias no restaurante que ficava a poucos metros da casa dos meus pais.

Cada pato à Pequim, carne de vaca com molho de ostras ou chao-min de gambas que deitava a baixo transformavam-me num Harrison Ford a quem serviam cérebro de macaco numa bandeja de prata. Era o máximo de aventura possível para uma pessoa que cresceu numa família pouco dada a grandes incursões gastronómicas.

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Por tudo isto, mantive um carinho especial pela comida que vinha do outro lado do mundo e pela utilização ingénua de “pauzinhos”, que se assemelhava, na altura, a uma descoordenada coreografia de pauliteiros de Miranda (ainda hoje tenho de admitir não dominar bem esta arte).

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Ao saber da existência do Boa-Bao, em Lisboa, e da sua orientação para comida pan-asiática (que conjuga pratos de vários países orientais como a Tailândia, Coreia, China ou Japão, por exemplo), decidi arriscar. O espaço não aceita reservas mas simpaticamente informa que até às 20h, no máximo, duas pessoas conseguem encontrar mesa com alguma facilidade.

Às oito em ponto lá estava, mas a minha mesa para dois nem por isso. Sem problema. Esperámos (pouco tempo) pela nossa vez, aproveitando para folhear a ementa que, confusamente, se subdivide num outro livrinho dedicado à fingerfood. O espaço é muito bonito, transmite uma energia indianajonesca (gosto muito deste franchise cinematográfico, não sei se dá para notar) com pedra cinzenta, madeira e metais escuros a comporem as três áreas principais: uma logo à entrada, onde é possível ficar sentado ao balcão, outra sala maior e demasiado barulhenta e, finalmente, uma espécie de terraço fechado mais reservado. Foi neste último local que acabámos por comer.

A lista é extensa e foi difícil escolher, contudo, estes foram os pratos que ganharam a corrida rumo ao estômago:

Tiras fritas de carne de vaca seca com sésamo estilo Isaan: um saboroso conjunto de tiras de carne cozinhado no ponto certo, nem muito tenro nem muito rijo. Apesar do seco só se sentir no nome, não desiludiu.

Gua Bao clássico de barriga de porco com hoisin e pickle de vegetais: nunca fui submetido às experiências do famoso Pavlov, mas se calhar devia. Tenho uma reação quase instintiva de pedir qualquer prato que inclua barriga de porco. Banana split com barriga? Pode ser. Fatias douradas cobertas com pança de suíno? Venha ela. Posto isto, era impossível não enveredar por estas sanduíches de pão cozinhado ao vapor. No geral, a aposta correu bem, mas a barriga estava longe de se desfazer, o que deixa qualquer fã de pé atrás.

Japchae — noodle coreano de batata doce com carne de vaca: um prato que tem tanto de simples como de saboroso. Massa cozida atirada para um wok com cenoura, couve e uma mão cheia, bem generosa, de carne de vaca.

Os noodles de batata doce com carn e vegetais. ©D.R.

Sopa de Szechuan de wontons com noodles de ovo & pato: uma das desilusões da noite. A combinação, no papel, parecia excelente, mas o alguidar que chegou à mesa não impressionou, muito por culpa do caldo demasiado aguado e sensaborão. A massa era boa, tanto a dos noodles como a dos wontons, já o recheio destes últimos não deu para perceber pois não havia o suficiente para se conseguir tirar conclusões. Se pedir este prato, uma dica: divida-o com alguém, a dose assim o permite.

Mousse de chocolate com gengibre: mousse de chocolate saborosa mas que se deve ter perdido do gengibre algures numa selva das ilhas Phi Phi. Não havia sinal dele. Pena.

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Créme Brûlée de coco com manjericão e erva príncipe: delicioso do início ao fim. Daquelas sobremesas nas quais poderíamos nadar alegremente de vez em quando (ou sempre, vá).

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Depois de duas entradas, pratos principais e sobremesas, o que me disse Boa-Bao? Pouco. Não houve nada de surpreendente, não houve cheiros intensos e fascinantes ou coisas novas e nunca dantes provadas. Foi uma boa refeição? Foi, mas o receituário que se propõe a explorar dá pano para mangas que podiam ser melhor aproveitadas.

No Boa-Bao tem-se uma refeição agradável, mas pouco mais do que isso, especialmente tendo em conta o preço alto que se paga para embarcar numa viagem com destino a uma cultura e imaginário fascinantes.

+Info:

Boa-Bao: Largo Rafael Bordalo Pinheiro 30, 1200-108 Lisboa; aberto todos os dias, das 12h às 23h30 (quinta, sexta e sábado fecha às 00h30)
Telefone: 308 808 367
Preço médio: 25 euros por pessoa mais qualquer coisita
Ambiente: aqui impera o chic casual da moda, onde tudo é organizado para parecer desorganizado. Poucas crianças, muitos e barulhentos grupos de pessoas — não se espante se acabar por involuntariamente ouvir a conversa de toda a gente à sua volta.
Banda sonora: de elevador, tirando uma ou outra incursão por músicas mais carismáticas (passar Michael Jackson num restaurante é de valor).
Serviço: esforçado. A casa estava cheia e isso é impossível de não ter em conta. Mesmo assim, era preciso fazer sinais de fumo para pedir algma coisa. Quando o conseguíamos fazer, porém, recebiam-nos com sorrisos e eficiência.

#dicacerta: Não tem fome suficiente para ir jantar mas até era capaz de aceitar um copo ou outro com os amigos? Venha aqui ter: a carta de fingerfood funcionará às mil maravilhas para acompanhar o seu drink.

Sebastião Carolino nasceu em Lisboa mas cresceu no subúrbio. É adepto de temperos esforçados e não costuma ser intolerante a nada.