Os analistas financeiros que acompanham a economia de Moçambique convergem na ideia de que o Governo quer evitar ajudas externas e que as negociações com os credores serão complexas e demoradas, dificultando a retoma económica.

“A nossa estimativa central é que o Governo vá continuar neste caminho de isolamento, acumulando dívidas aos fornecedores e credores, endividando-se fortemente no mercado interno e exacerbando os desequilíbrios macroeconómicos enquanto espera pelas receitas do gás”, escreveram os peritos da unidade de análise da revista britânica ‘The Economist’.

“A renegociação da dívida poderá ser um processo difícil e demorado, mas que as autoridades locais vão acabar por ter que resolver nos próximos meses dado que Moçambique ainda é um país bastante dependente de ajuda internacional”, disse à Lusa o economista-chefe da consultora Eaglestone.

“O regresso da ajuda do FMI e de outros doadores internacionais, que atualmente se encontra suspensa, irá depender da resolução deste processo e da saída do país da atual situação de incumprimento financeiro”, acrescentou Tiago Dionísio.

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Num artigo sobre a evolução do país, a agência de informação financeira Bloomberg escrevia que “um ano depois de Moçambique ter espantado os investidores ao anunciar uma reestruturação da dívida, as conversações com os detentores dos títulos de dívida e o Fundo Monetário Internacional (FMI) não levaram a lado nenhum”.

As dificuldades sobre as negociações assentam na diferença de perspetivas entre o Governo e os credores: enquanto o Governo quer tratar todos por igual e no mesmo momento e com as mesmas condições, os detentores de 727,5 milhões de dólares em títulos da dívida, e que já tiveram um corte no rendimento, recusam ser equiparados aos bancos e investidores que emprestaram cerca de 1,4 mil milhões de dólares às empresas públicas Mozambique Asset Management (MAM) e à Proindicus.

As dificuldades são também políticas e judiciais, acreditam vários analistas, já que a divulgação da totalidade do relatório da Kroll poderia comprovar o envolvimento das principais figuras do partido no poder.

Os analistas da Exotix Capital consideram que o FMI não vai ceder e só retomará a ajuda financeira se a auditoria da Kroll for divulgada na totalidade e o Ministério Público apresentar o destino dos 500 milhões de dólares que a consultora diz não conseguir identificar.

“Estamos num estado de quase suspensão; nada andou para a frente; o FMI quer ajudar o país mas não pode simplesmente recompensar o mau comportamento”, disse o diretor do departamento de pesquisa desta consultora, Stuart Culverhouse, depois de uma reunião com os líderes do FMI e do Banco Mundial em Washington.

A estratégia de Moçambique, que conseguiu ultrapassar a fase mais crítica do incumprimento financeiro evitando uma recessão económica, tem sido ajudada pelo aumento dos preços do carvão e do alumínio, as duas maiores exportações do país, o que juntamente com uma valorização do metical fez o rácio da dívida pública face ao PIB passar de 114% em 2016 para 84% este ano, segundo os dados do FMI.

Do ponto de vista dos investidores, a estratégia parece ser ‘aguentar firme’ até que as receitas do gás comecem a entrar e o país possa, então, saldar as dívidas na totalidade.

“Eles querem conhecer a total e verdadeira situação financeira do país”, comentou o gestor financeiro Lutz Roehmeyer, da firma Landesbank Investimentos, em Berlim, que gere mais de 4 mil milhões de dólares, incluindo dívida moçambicana.

“Como é que se pode decidir o que quer que seja sem o conhecimento total dos números da dívida? Mas os títulos valorizaram-se e portanto os detentores destes títulos estão felizes, olham para Moçambique como um país com um futuro brilhante depois de resolver o ‘default'”, acrescentou o gestor à Bloomberg.

Há, no entanto, quem ache que só a médio prazo haverá novidades: “Este é o mesmo regime que criou o problema; a Frelimo acha que o tema vai morrer com o tempo, os doadores vão esquecer, e mais tarde o mais cedo vamos voltar a ter ‘business as usual’, mas acho que as negociações com os credores só vão recomeçar lá para 2020”, depois das eleições de 2019, disse Roberto Tibana, o fundador da consultora moçambicana Analítica-RJT.