O padre Giselo Andrade, que assumiu a paternidade de uma criança nascida em agosto, deve pedir a dispensa das obrigações sacerdotais ao Vaticano por ter quebrado o seu voto de celibato. “É uma pena canónica”, considerou ao Observador Fernando Felix, um dos responsáveis pelo Movimento Fraternitas, uma associação que reúne padres dispensados do exercício de funções.

“Pela própria lei da Igreja, tendo um padre tido uma relação com uma mulher, é sujeito a uma pena canónica. É como um advogado que comete uma irregularidade e é afastado da Ordem. É uma espécie de excomunhão, prevista no Direito Canónico”, explica Fernando Félix. Pelo que o padre da paróquia de Nossa Senhora do Monte, no Funchal, deve pedir para ser afastado de funções, o que não invalida que mantenha uma ligação com aquela paróquia e com a Igreja, mas de outras formas.

Fernando Félix, 48 anos, que pediu a dispensa há já 18, não conhece Giselo Andrade, mas conhece muitos outros casos como o dele. “Nalguns casos, há dioceses que fecham os olhos a histórias destas e os padres permanecem nas paróquias. Não sei se aqui, dada a publicidade do caso, será possível”, admite o agora jornalista em duas publicações da Igreja. “Recordo-me que nos anos 90 havia um padre de uma paróquia de Coimbra que tinha filhos, vivia com a mulher a comunidade aceitava. Por isso nunca foi afastado”, disse.

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No Funchal, o padre Giselo Andrade também será bem visto pela comunidade. Mas, aos olhos da diocese, isso não é suficiente. Num comunicado enviado esta segunda-feira, e após ter sido tornado pública a história de que o padre tinha assumido ser pai, a Diocese do Funchal admite ter recebido a notícia com “tristeza”.

“A Diocese está a acompanhar a situação, no respeito pela delicadeza do caso, da dignidade das pessoas e das consequências que as mesmas têm na própria paróquia e nas restantes comunidades cristãs”, lê-se no comunicado.

Segundo a Igreja, ser pai é um “contratestemunho daquela que deve ser a vida de qualquer sacerdote”. “A Igreja é um espaço de misericórdia e Deus perdoa tudo, mas não pode admitir uma vida dupla”, acrescenta. Mais, refere o comunicado que o padre pretende continuar a “exercer o ministério sacerdotal” e que até sente “ter o apoio da comunidade”, mas “deverá assumir as suas responsabilidades inerentes à situação”.

“Neste momento, não se pondera a abertura de qualquer processo, mas simplesmente o acompanhamento pastoral e o discernimento”, lê-se.

O comunicado da diocese do Funchal nunca refere taxativamente que o padre Giselo Andrade vai ter de sair da paróquia e abandonar as funções de sacerdote, mas claramente diz que está aberto o caminho para que o padre saia. De resto, falar com alguém da Igreja é muito difícil, senão quase impossível. Do Funchal apenas chega o comunicado, da restante hierarquia nem isso se consegue.

Contactado pelo Observador, o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, Manuel Barbosa, disse: “Na próxima reunião temos Assembleia Plenária da Conferência Episcopal. Se o assunto for abordado na reunião, aí emitimos uma declaração. Para já, não vai haver intervenção da Conferência Episcopal, o assunto está a ser tratado com toda a delicadeza pelo Bispo do Funchal, uma vez que é um assunto sobretudo da diocese”. Já da Nunciatura Apostólica não houve qualquer comentário. “Não costumamos prestar declarações aos jornalistas”, responderam.

O caso do padre da Freguesia do Monte, onde no dia 15 de agosto uma tragédia matou 13 pessoas durante as cerimónias religiosas da padroeira foi conhecido na quinta-feira passada, quando o Diário de Notícias da Madeira noticiou que Giselo Andrade tinha sido pai de uma menina no dia 18 de agosto, três dias depois do acidente. Nesses dias, os jornalistas que estavam a cobrir a tragédia tentaram por várias vezes falar com Giselo Andrade mas tal nunca se revelou possível. A primeira missa que aconteceu após o acidente, no dia 17, foi presidida por outro padre.

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A filha do padre Giselo Andrade, de 37 anos, é fruto de uma relação com uma mulher de 35, natural do município de Câmara de Lobos. O Diário de Notícias da Madeira adianta que os dois se conheceram quando o padre Giselo era estudante do ensino secundário e que foram colegas de universidade em Lisboa. É referido pelo mesmo jornal que a situação tem causado indignação na paróquia por a mãe ter outros dois filhos, gémeos, de cinco anos.

Há padres que saem sem qualquer apoio

À Associação Fraternitas vão chegando padres que deixaram a Igreja, a maior parte porque se apaixonaram. “Alguns não têm qualquer apoio da paróquia e só nos procuram quase dez anos depois de saírem, porque demoraram todo este tempo a reencontrarem-se”, refere Fernando Félix. O responsável lembra que há uma responsabilidade “humanitária” por parte da Igreja em apoiar os padres que decidem abandonar o sacerdócio, seja a nível financeiro, seja a outros níveis. “Há padres que se sentem completamente postos de parte, quando podiam ser aproveitados para exercer outras funções na paróquia, como ministros da comunhão ou catequistas”, exemplifica.

O padre Giselo Andrade terá sido pai em agosto. Foi o Jornal da Madeira que noticiou o caso em primeira mão, dando conta que, depois de publicadas as listas de colocações dos padres da diocese, não havia qualquer referência a Giselo Andrade nem à paróquia de Nossa Senhora do Monte. O Observador tentou contactar o padre, ainda responsável pela paróquia do Monte, mas até ao momento ele permanece com o telemóvel desligado.