“Difíceis semanas se avizinham.” Foi assim que a chanceler alemã, Angela Merkel, resumiu na madrugada de domingo mais uma ronda negocial falhada entre os conservadores da CDU, os liberais do FDP e Os Verdes para a formação de uma coligação de Governo. O cenário repete-se há quase cinco semanas: depois de os sociais-democratas do SPD, liderados por Martin Schulz, se terem excluído do habitual acordo de coligação com a CDU de Merkel, tudo parece sair furado à chanceler que procura o seu quarto mandato à frente do executivo alemão. Entretanto, esta segunda-feira, deputado histórico d’Os Verdes que tem estado presente nas negociações, avançou a um canal de rádio que deverá haver novas eleições na primavera — “perto da Páscoa”.
Pouco faltava para a meia-noite quando os representantes dos partidos anunciaram que não havia fumo branco. A líder dos liberais do FDP, Christian Lindner, foi a primeira a dar sinais de derrota, dizendo aos jornalistas que aguardavam o desfecho daquele sprint final que não tinha qualquer esperança de que houvesse forma de sair do impasse que dura há semanas. “É melhor não governar do que governar mal”, disse aos jornalistas em Berlim, citada pelo Politico. E ainda acrescentaria que, mesmo depois de tantas semanas de tentativas para chegarem a um acordo, os líderes dos partidos estavam a falhar a construção de uma “base de confiança” mútua.
Nunca na história da República Federal da Alemanha, desde 1949, houve um governo de minoria a nível federal. A história tem ditado a formação de coligações assentes em acordos prévios que servem como programa comum de governo às forças políticas que compõem a coligação. Mas é esse acordo que, desta vez, está difícil de alcançar.
Na origem da discórdia estão questões ideológicas de raiz, que se traduzem sobretudo em questões relacionadas com a política de imigração e refugiados, onde Angela Merkel continua a pagar o preço de ter aberto as portas da Alemanha aos já dois milhões de refugiados que chegaram ao continente europeu desde 2015, e onde qualquer limitação às entradas recebe imediatamente o voto contra d’Os Verdes; questões relacionadas com a luta contra as alterações climáticas, onde Os Verdes querem acabar com todas as centrais de energia que funcionem com recurso a carvão, e que serão 20 em todo o país, mas onde a CDU não vê qualquer sentido na perspetiva económica; ou ainda questões relacionadas com os desejos de reduções fiscais por parte dos liberais do FDP.
As questões da Europa também têm complicado as negociações: todos os partidos são pró-Europa, mas em tudo o resto não se entendem. Da posição que Berlim deve ter quanto a futuros planos de resgate financeiro à própria ideia de criação do lugar de ministro das Finanças da zona euro e à existência de um orçamento europeu comum, defendidas pelo presidente francês Emmanuel Macron, cada um com a sua.
Evitar novas eleições é a palavra de ordem. Merkel já antecipava negociações difíceis, e chegou até a prever que o processo se estendesse até ao Natal, mas o presidente alemão, Frank-Walter Steinmeier, tem feito pressão máxima para os partidos darem forma à expressão eleitoral que lhes foi concedida, e o calendário estreita a cada dia que passa. Inicialmente, o prazo apontava para quinta-feira, mas foi estendido até ao final do fim de semana. Domingo passou, e a noite chegou com a notícia de que ainda não tinha sido desta.
O objetivo é evitar uma nova ida às urnas, que pode dar (ainda) mais força à extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que nas eleições de 24 de setembro entrou de rompante no Parlamento alemão e passou de zero para 12,6% dos votos, tornando-se a terceira força mais representada no Bundestag. E tudo indica que uma nova ida às urnas pode ter o efeito indesejado de aumentar ainda mais a sua expressão eleitoral.
E agora? Ou Merkel sozinha, ou eleições (já na primavera)
Se não houver acordo, há duas opções: ou Angela Merkel governa sem maioria, coisa que nunca aconteceu; ou a Alemanha regressa às urnas. Certo é que Merkel vai fazer de tudo para evitar governar em minoria, sabendo que governos minoritários são instáveis em si mesmos e muito dependentes de terceiros, o que deixaria a CDU nas mãos da extrema-direita da AfD em muitas matérias. E certo é também que o presidente Steinmeier já deixou claro que não é adepto da convocação de novas eleições. “Espero que todos os lados sejam chamados à responsabilidade e isso significa não devolver o mandato aos eleitores”, disse numa entrevista ao Welt an Sonntag, antes de esta nova ronda de negociações falhar.
Mas mesmo que o presidente não convoque novas eleições, Merkel pode fazê-lo. Isto é, se o presidente der posse a um governo minoritário da CDU de Angela Merkel, partido que venceu as eleições de setembro mas perdeu uma grande base de apoio em comparação com o resultado que tinha tido em 2013, Merkel pode sempre dissolver a Assembleia ao convocar uma moção de confiança — e perder.
A hipótese de uma nova ida às urnas ganha cada vez mais peso. Esta segunda-feira, o deputado d’Os Verdes que tem estado presente nas negociações Jürgen Trittin, avançou a uma rádio que deverão ser convocadas eleições para perto da Páscoa. “Até ao final do dia de hoje podemos esperar a convocação de eleições para perto da Páscoa”, disse à Deutschlandfunk radio, segundo o Politico.
Por agora, prevalecem os ecos do passa-culpas sobre o fracasso das negociações. “Tentámos de tudo”, disse Merkel à saída das conversações este domingo já depois da meia noite. O dedo era apontado aos liberais do FDP, cuja decisão Merkel disse que lamentava, mas que respeitava. Os liberais atiraram a toalha ao chão dizendo que era melhor não governar do que governar mal, e essa postura não foi poupada entre os parceiros de mesa. O negociados d’Os Verdes Jürgen Trittin, acusou-os mesmo de “sabotar” as negociações no domingo, dizendo que tanto o bloco conservador de Merkel e da sua força-irmã da Bavária, a CSU, como os próprios ecologistas queriam continuar a negociar. “Foi o FDP que se mostrou pronto para saltar fora”, disse em declarações à televisao alemã.
O líder da União Social-Cristã (CSU), o partido irmão da CDU de Merkel, com quem as afinidades ideológicas e de raiz são óbvias, sustentou essa ideia, dizendo que o acordo “teria sido possível”, não fossem os liberais ter desistido. O Politico, contudo, dá nota de que foi em grande medida a insistência de Horst Seehofer, líder da CSU, para que não fosse dada aos refugiados a garantia de que podiam trazer familiares para a Alemanha que dificultou as conversações, mais do que qualquer outro assunto de consenso difícil.
Para esta segunda-feira ficou logo marcada uma reunião entre a chanceler Merkel e o presidente alemão Frank-Walter Steinmeier, que cancelou uma visita de Estado que tinha previsto fazer até terça-feira para resolver a crise política interna. Certo é que Merkel vai informar o presidente de que não será possível formar um Governo tripartido, a que se tem apelidado de “coligação Jamaica” (devido às cores dos partidos que a compunham), passando assim a bola ao chefe de Estado.
Os dois — presidente e chanceler — deverão discutir todas as possibilidades que estão em cima da mesa (que já não são muitas), incluindo a possibilidade de os sociais-democratas do SPD, que governaram com a CDU nos últimos quatro anos, voltarem atrás na decisão e formarem com os conservadores uma grande coligação. Mas também essa opção parece altamente improvável, visto que o SPD tem dito repetidamente que não vai renovar a aliança.