Não tinha muitos amigos. Depois de um ataque de asma que teve aos nove anos, Marcel Proust começou a passar férias num ambiente quase hermético na pequena aldeia de Illiers, protegido pelo pai, um famoso patologista do século XIX que se popularizou por causa das investigações sobre a cólera, e pela mãe, descendente de uma família muito rica da Alsácia. Era com as memórias dessa aldeia que Marcel Proust viria a escrever a obra mais prestigiada que lhe é conhecida, “Em Busca do Tempo Perdido”. E era nela que viria a desvendar mais sobre a sua “verdadeira natureza”.
Naquele ano de 1886, Marcel já tinha deixado o Liceu Condorcet por causa dos problemas de saúde. E apesar de ter uma relação muito próxima à mãe, tinha um ligação menos próxima com o pai, que insistia para que o escritor arranjasse uma carreira apesar das doenças que o tornavam incapacitantes. Ora durante a adolescência, Proust conviveu com Antoinette Faure, filha daquele que viria a ser o presidente francês Félix Faure. Um dia, Antoinette lançou um desafio a Marcel: preencher o livro “Confessions. An Album to Record Thoughts, Feelings, & c.“, uma espécie de confessionário em papel, famoso na época vitoriana que, dizia a rapariga de 15 anos, desvendaria a “verdadeira natureza” de quem respondesse às perguntas. Proust aceitou.
Para Antoinette Faure, as respostas de Marcel Proust não passariam de uma recordação dada aos amigos por quem o livro passasse. Preencheu-o em francês, embora o livro estivesse em inglês. E disse que se arrependia de “viver uma vida desprovida dos trabalhos dos génios”, que gostaria de viver “no país do Ideal, mais propriamente no país do Meu Ideal” e que o seu herói era “uma mulher genial a viver uma vida normal”. Mais tarde, aos 20 anos, Marcel Proust repetiu a experiência com o livro “Les Confidences de Salon“: disse que o seu principal defeito era “falta de entendimento, fraqueza nas vontades” e que gostaria de ser ele próprio”, mas como as pessoas que eu admiro gostavam que “fosse”.
Depois de Marcel Proust ter publicado “Em Busca do Tempo Perdido” — com memórias da casa do tio-avô, da aldeia de Illiers e das mudanças pelas quais o país tinha passado durante a consolidação da Terceira República Francesa –, as respostas de Marcel Proust popularizaram-se e o jogo também — ao ponto de agora se chamar “Questionário de Proust” e de ser usado como varinha mágica para conhecer a essência de alguém através das respostas.
Antes dele, no entanto, outro grande pensador já tinha respondido a perguntas deste género: em 1865, Karl Marx tinha dito que a sua característica mais vincada era “a singularidade de propósito”. E cinco anos mais tarde, Oscar Wilde escreveu no livro “Mental Photographs, an Album for Confessions of Tastes, Habits, and Convictions” que o traço mais distinto da sua personalidade era “a autoestima excessiva”.
Outros famosos responderam a estes questionários. Mas eles só se tornaram realmente famosos em 1924, dois anos depois da morte de Marcel Proust. Nesse ano, André Berge, psicanalista e filho de Antoinette Faure, descobriu o questionário respondido pelo escritor no monte de livros da mãe e publicou-o na revista de literatura francesa “Les Cahiers du Mois” com uma interpretação das respostas à luz da psicanálise de Freud. O artigo tornou-se tão famoso que as perguntas, que tinham sido criadas pelo jornal “La Revue Illustrée”, passaram a chamar-se “Questionário de Proust”.
Nos anos 50, as perguntas eram colocadas pelos jornais em entrevistas a escritores, músicos, atores e intelectuais. A tendência enraizou-se e, em 1975, o francês Bernard Pivot começou a colocá-las num segmento do programa “Apostrophes”, que tinha 6,4 milhões de telespectadores. O apresentador juntou ao formulário perguntas como: “Qual é a sua asneira favorita?” ou “Se Deus existisse, o que gostaria que ele lhe dissesse quando morresse?”. Em 1993, a Vanity Fair também adotou o questionário numa rubrica que foi respondida por nomes tão sonantes quanto Fran Lebowitz, Arnold Schwarzenegger ou Donald Trump.
Agora é a sua vez. Um pouco mais lá em cima vai encontrar 40 perguntas incluídas no Questionário de Proust — as 35 originais e outras cinco acrescentadas depois dos anos 20. Teste-o consigo mesmo — ou com as pessoas que gostava de conhecer melhor.