Nas últimas semanas, o The Washington Post recebeu várias denúncias de abusos sexuais imputadas a Roy Moore, o candidato republicano a senador (pelo Alabama), mas uma das histórias era falsa e o jornal acabou por revelar as conversas em off que teve com suposta testemunha, por considerar que a aproximação ao jornal foi feita por “má fé”. A mulher estará afinal ligada ao grupo conservador Project Veritas, conhecido por tentar “apanhar” em falso (com recurso a câmaras ocultas) órgãos de comunicação social que classifica de liberais.
Jaime T. Phillips, de 41 anos, contactou o jornal para uma denúncia muito grave: teria sido abusada sexualmente por Roy Moore quando tinha 15 anos, teria engravidado e feito um aborto, a conselho do próprio juiz, que a teria até levado ao Mississippi para terminar a gravidez. Durante as várias entrevistas que o jornal lhe foi fazendo, Phillips tentou por várias vezes que os jornalistas dessem a opinião sobre o impacto que uma denúncia daquelas teria na candidatura de Moore. A história contada por Jaime apresentava “inconsistências”, de acordo com o jornal, que nunca chegou a publicá-la, por desconfiar da veracidade do testemunho.
Na manhã da passada segunda-feira, Jaime Phillips foi vista a entrar nos escritórios da Nova Iorque no polémico Project Veritas, fundado pelo (não menos polémico) James O’Keefe, um ativista conservador e autor do livro “American Pravda, a minha luta pela verdade na era das fake news“. A organização é conhecida pelas entrevistas que faz com câmara oculta a jornalistas de órgãos de comunicação social, académicos, membros do Governo ou membros de organizações sociais, públicas e privadas, na tentativa de explorar os preconceitos que existem com esses meios. O seu alvo preferido são as organizações liberais e os vídeos são profundamente editados e sempre muito polémicos. O The Washington Post é um dos alvos mais frequente, sobretudo depois de ter avançado com as denúncias sobre Roy Moore, o candidato a senador que diz estar inocente e que Donald Trump continua a apoiar.
Na entrevista que a jornalista do The Washington Post fez a Jaime Phillips, e cujo vídeo foi disponibilizado integralmente pelo jornal, a suposta testemunha é desafiada a contar os verdadeiros motivos que a levaram a contactar aquele órgão de comunicação social. A dada altura, Jaime Phillips levanta-se e abandona a entrevista, desconfiada que o seu testemunho não está a ser considerado verdadeiro pela jornalista. E manteve a história: decidiu contactar o jornal por causa dos outros casos que tinham sido denunciados.
Mais tarde, o jornal tentou confrontar diretamente O’Keefe sobre a eventual ligação de Jaime Phillips ao Project Veritas, mas o fundador do grupo recusou-se a fazer declarações. A abordagem de The Washington Post foi feita também com recurso a uma câmara oculta e, no vídeo que o jornal divulga, é possível ouvir O’Keefe a provocar o jornalista: “Acho bonito que estejam a usar as nossas técnicas”. O jornalista vai insistindo com O’Keefe, mas a resposta é sempre evasiva.
The Washington Post sends a reporter to question me, but take a look. Who's interviewing who? Full: https://t.co/nEe7g7Cfa8 pic.twitter.com/tcrLxE9a8i
— James O'Keefe (@JamesOKeefeIII) November 27, 2017
O fundador do Project Veritas aproveitou uma outra abordagem do mesmo jornal, para inverter posições, passando de entrevistado (a propósito do mesmo caso) a entrevistador. O’Keefe divulgou o vídeo (muito editado) dessa entrevista-dupla no Twitter, em que mal chega ao pé do jornalista de investigação Aaron Davis, tenta disparar com “algumas perguntas sobre declarações”, gravadas com câmara oculta, de um outro jornalista do The Washington Post, sobre as práticas do jornal.
The Washington Post sends a reporter to question me, but take a look. Who's interviewing who? Full: https://t.co/nEe7g7Cfa8 pic.twitter.com/tcrLxE9a8i
— James O'Keefe (@JamesOKeefeIII) November 27, 2017
A dada altura é direto na pergunta: “O The Washington Post está a tentar cercar-me para evitar que publique o vídeo que estou prestes a publicar?” Davis responde-lhe: “Durante algumas semanas, uma das suas empregadas contactou os nossos repórteres, sob identidade falsa, estivemos a tentar confirmar a veracidade das histórias em que Roy Moore e acusado. A vossa empregada foi sujeita às mesmas regras a que sujeitámos todas as pessoas que nos contactaram. Tivemos repórteres durante semana no Alabama e não havia consistência na história da vossa empregada, por isso é que a divulgámos”.
De que vídeo, que estava “prestes a publicar”, falava O’Keefe? Não era só um, mas vários vídeos, com recurso a imagens captadas por câmara ocultas por membros do grupo conservador, de conversas com jornalistas do The Washington Post. Estão todos no seu twitter, com vários excertos de conversas onde tenta apoiar a tese de que o jornal tem intenções políticas claras, contra o atual presidente norte-americano. Foram publicado depois da denúncia do The Washington Post.
Looks like @DanLamothe is a fan of our #AmericanPravda series. Here he is attacking #CNN and #NYT for their extreme bias against @realDonaldTrump. https://t.co/PHv7HPFhkQ @washingtonpost pic.twitter.com/p79fzIOc1T
— Project Veritas (@Project_Veritas) November 28, 2017
BREAKING: @washingtonpost National Security Correspondent on WaPo company culture: "They definitely don't like Trump…" #ProjectVeritas pic.twitter.com/5VQeznxKC8
— James O'Keefe (@JamesOKeefeIII) November 27, 2017
O correspondente do jornal na área de segurança nacional, afirma que no jornal “definitivamente não gostam de Trump”. E há outras referências ao atual presidente, como aconteceu no vídeo gravado com o diretor de produto do jornal, a dizer que se Trump “desaparecesse amanhã, o tráfego [online do jornal] cairia 40%. Por isso, sim, pensamos nisso”.