“Humanista”, “estadista”, “o mais bem preparado”, “o que tem melhor sentido de justiça”, “o melhor de todos nós”. “Volte depressa”. Não houve lágrimas, mas quase. Os tempos são de Natal, e portanto de nostalgia e agradecimento. Foi assim que o grupo parlamentar do PSD, encabeçado por Hugo Soares, se despediu esta terça-feira de Pedro Passos Coelho, depois de quase oito anos à frente do partido: com um vídeo retrospetivo dos últimos anos, desde 2010, onde os vários deputados foram chamados a dizer o que pensavam do ainda presidente do partido. Passos riu, mas não chorou. Não está arrependido da saída.

“Foram quase oito anos os que estive como presidente do PSD, é realmente imenso tempo, por isso a decisão que tomei há dois meses parece-me cada vez mais acertada”, disse nos agradecimentos. Depois, veio o balanço: 2017 foi o ano “mais trágico” de que há memória, as “falhas do Estado” que levaram aos trágicos incêndios “continuam a existir”, e cabe ao PSD “denunciar”. Ou melhor, cabe ao próximo líder do partido. E aí Passos afastou receios de que o PSD esteja a perder relevância no xadrez político. Independentemente de qual venha a ser o próximo “consulado”, de Rio ou de Santana.

“Estou convencido de que o PSD será sempre um partido relevantíssimo, porque foi sempre um partido que, independentemente das suas lideranças, conseguiu pressentir o futuro para o país”, disse naquele que foi o último jantar de Natal do grupo parlamentar do PSD sob a sua liderança. Numa altura em que o partido está em processo de mudança de líder e as bases parecem divididas (e pouco entusiasmadas) com as duas escolhas possíveis, e com a imagem que o PSD está a passar para fora, a mensagem era clara: o PSD não vai perder o seu espaço e o seu caráter de partido de poder. “Em qualquer consulado o PSD será um partido importante no nosso xadrez político”, por ser um partido “reformista” e com “visão de futuro”, disse.

O consulado de Passos já acabou, e quanto a isso não há arrependimentos. “Há uma altura para tudo e o caminho que percorremos fecha um ciclo e abrirá outro”, disse Passos Coelho, confiante de que qualquer que seja o próximo líder vai ser um líder à altura. Antes, já o líder parlamentar Hugo Soares tinha feito largos elogios a Passos Coelho, que nunca cedeu a quem lhe pedia para “despir o casaco de primeiro-ministro e tirar o pin da lapela’”.

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O ano “mais trágico” e a denúncia da instrumentalização de Costa

Se António Costa disse em Bruxelas que 2017 foi um ano “saboroso”, e Marcelo Rebelo de Sousa preferiu usar o termo “contraditório”, Passos Coelho lembrou o ano que agora acaba sem qualquer “boa lembrança”, mas sim como o “ano mais trágico” de que há memória, referindo-se aos trágicos incêndios deste ano. “E as falhas do Estado que proporcionaram esta tragédia continuam a existir”, disse, denunciando que o trabalho de reconstrução das casas ardidas está a ser feito mais pela sociedade civil do que pelo Estado, não deixando margem para quaisquer aspetos positivos. “Ao cabo de meio ano, o Estado continua a mostrar que não tem condições para responder às exigências que a sociedade civil sente”, sublinhou.

Apenas uma palavra a concordar com o ministro das Finanças, Mário Centeno, que disse esta semana, numa entrevista à CNBC, que “chegou a altura de colhermos os benefícios dos esforços que realizámos no passado”. “Ele tem toda a razão, está na hora de colhermos os frutos”, ironizou, pedindo “reformas estruturais”.

As denúncias prosseguiram, com Passos Coelho a ser muito crítico da “maneira de fazer política” de António Costa: uma espécie de “política neo-corporativa”, onde o Governo tenta “instrumentalizar os cidadãos” para “sobreviver”, tentando “fidelizá-los como se fossem clientes”. “O Governo convida a que cada um se encaixe numa oferta que tem para dar, é uma espécie de mercado em que pergunta aos cidadãos qual é o seu problema e tenta encaixá-los numa categoria, se não houver nenhuma, cria-se uma nova”, explicou. Uma “forma de fazer política” que já foi seguida antes no PS, e está a repetir-se. “É um instrumento que já foi usado pelo PS no passado e que está hoje a ser usado persistentemente”, lamentou, alertando para a repetição de erros cometidos pelo anterior governo socialista.

A “instrumentalização” está “em marcha”, por isso Passos passa o testemunho ao seu sucessor pedindo-lhe que denuncie a situação. “Tenho a certeza de que, com qualquer que seja o meu sucessor, isto será denunciado”, disse, voltando mais uma vez ao tema da sucessão no partido, sem nunca dizer o nome dos dois candidatos, Rui Rio ou Santana Lopes.

Foi o último jantar de Natal do PSD com Passos Coelho como líder e foi, possivelmente, o último discurso de fundo de Passos Coelho como presidente do partido (sem contabilizar com a intervenção que possa vir a fazer no congresso de fevereiro, já com outro líder eleito). Mas quanto a isso, Passos não quer transparecer dúvidas ou receios. Só confiança. “Confiança no futuro do país e no futuro que o PSD pode ajudar a construir”, disse, sublinhando que o que conta não é o “fim em si mesmo” (isto é, o poder), mas sim “os princípios que nos movem e aquilo que queremos fazer”.