Acontece esta noite um dos fenómenos astronómicos mais raros de que temos registo a partir da Terra: a Super Lua Azul de Sangue. É o nome pomposo dado popularmente à conjugação de três eventos lunares que vão ocorrer na madrugada de terça para quarta-feira pela primeira vez desde há 150 anos. Em primeiro lugar, a Lua vai estar no ponto mais próximo da Terra no percurso de translação em redor do nosso planeta: é a Super Lua. A juntar a isso está o facto de esta ser a segunda Lua Cheia do mesmo mês, por isso é que se chama Lua Azul. E, além disso, tudo isto acontece em noite de eclipse total do nosso satélite — e é daí que surge o termo Lua de Sangue. O problema é que a Super Lua não será tão grande assim, não vai ser realmente azul e, além de também não ser vermelha, o eclipse nem sequer será visto em Portugal.
[Veja no vídeo as fantásticas imagens da Super Lua captadas um pouco por todo o mundo]
[jwplatform Vw9QGlfK]
A primeira Lua Cheia de janeiro ocorreu logo no dia 1 às 22 horas e a segunda chegou já na tarde desta terça-feira quando eram, precisamente, 14 horas, 27 minutos e 46 segundos. O facto de haver duas luas cheias no mesmo mês é relativamente incomum e por isso o fenómeno foi batizado de Lua Azul. Só que, a juntar à fase de Lua Cheia, está o facto de o nosso satélite natural também ter chegado ao perigeu: eram nove da manhã quando a Lua ficou no ponto mais próximo à Terra no movimento de translação em nosso redor. Essa aproximação à Terra, que ocorre porque a rotação da Lua em redor do planeta não ser circular mas sim elíptica, vai torná-la 14% maior e 30% mais brilhante do que quando está no apogeu, ou seja, no ponto mais distante de nós: ocorre então a Super Lua.
Duas luas azuis no mesmo ano e um eclipse que não vai ser visto cá. É já no final do mês
Temos portanto, até agora, uma Super Lua Azul. Não fosse isso suficientemente especial, a astronomia juntou mais um fenómeno a este cocktail de eventos lunares: a Lua de Sangue. É que haverá esta noite um eclipse total lunar, que sucede quando a Terra fica entre o Sol e a Lua, fazendo com que a sombra oculte por completo o satélite natural do planeta. É daqui que nasce a nossa Super Lua Azul de Sangue, um fenómeno raro que não era registado desde dezembro de 1982. Os cientistas estão entusiasmados com esta verdadeira festa lunar. Mas o comum dos mortais pode ficar desiludido com o que vai ver esta noite.
O que vai acontecer
Em primeiro lugar, o facto de a Lua estar 14% maior e 30% mais brilhante do que quando está no apogeu não significa grande coisa para o olho humano. A Lua está neste momento a 359 mil quilómetros de nós — mais 3,5 mil do que no perigeu anterior, que também ocorreu com a Super Lua de 1 de janeiro, e mais 26 milhões do que na distância média entre os dois astros. Do ponto de vista astronómico, essa distância é mínima: é o mesmo que está a 10 quilómetros de casa e aproximar-se 600 metros dela. Se pudesse ver a sua casa a 10 quilómetros, se se aproximasse 110 metros dela não faria com que ela parecesse maior aos seus olhos. É o mesmo que acontece com a Lua: esta noite ela vai estar mesmo maior, mas pode não dar por isso. O brilho é que pode ser mais visível.
A desvalorizar ainda mais a Super Lua Azul de Sangue está o facto de o eclipse lunar total não ser visível em Portugal. O fenómeno vai ocorrer só dia 31 de janeiro entre as 10h51 e as 16h08 de Portugal Continental, com a fase de ocultação total a começar às 13h29 e a durar uma hora e quinze minutos.Mas o eclipse só vai ser visível na Ásia, Austrália, Oceano Pacífico e oeste América do Norte: é nessas regiões que a Lua vai parecer avermelhada ao entrar no ponto máximo de eclipse, daí o nome Lua de Sangue.
Em Portugal, ficamo-nos por uma Lua grande (mas não tão grande assim) e brilhante. Nada de azul nem de vermelho. Vale-nos a emissão em direto que a NASA, agência espacial norte-americana, vai fazer na manhã de quarta-feira quando forem 10h30 em Portugal Continental para mostrar o eclipse ao mundo inteiro. As imagens vão estar a ser recolhidas em direto por telescópios no Centro de Pesquisa de Voo Armstrong (Edward, Califórnia), Observatório Griffith (Los Angeles) ou na Universidade no Arizona. Pode acompanhar essas imagens a partir da NASA TV ou do livestreaming que a agência espacial vai publicar no próprio site. E pode ainda comunicar com os cientistas a partir do Twitter, na página NASA Moon. Pode começar a explorá-la já sem abandonar o artigo.
Raro ou nem tanto
A NASA adjetivou esta conjugação de fenómenos de “rara”, mas alguns membros da comunidade científica torcem o nariz aos colegas que afirmam que esta Super Lua Azul de Sangue é tão importante assim. Os registos astronómicos oficiais dizem que a última Lua Azul de Sangue (sem ser “Super”, porque não ocorreu durante o perigeu) ocorreu a 31 de março de 1866. No entanto, dois cientistas da NASA — o programador Ernest Wright da Goddard Space Flight Center e o astrofísico reformado Fred Espenak — dizem que, na verdade, isso aconteceu há apenas 36 anos, a 30 de dezembro de 1982. Então, de onde vem a confusão? É que, ao que parece, o mundo está dividido neste assunto. Literalmente. Ernest Wright e Fred Espenak usaram o Tempo Universal Coordenado (UTC) para datar o eclipse total de uma Lua Azul em 1982. Só que apenas a Ásia, a Austrália, a Nova Zelândia e as ilhas do Oceano Pacífico é que puderam assistir a essa conjugação de fenómenos. Para o resto do mundo, a 30 de dezembro de 1982 houve simplesmente uma noite de lua cheia. Ao que parece, a Super Lua Azul de Sangue desta noite vai ser vista numa área muito maior do que a lua de há 36 anos. Ainda assim, por cá, já passaram 152 anos desde a última vez que a Super Lua Azul de Sangue coroou uma noite.
E a que levou à colonização das Américas
Especial em termos cronológicos ou não, a Super Lua Azul de Sangue já foi importantes em termos históricos, explica este livro de Duncan Steel: não fosse a que ocorreu em 1504 e a colonização das Américas como nós a conhecemos não existiria. Um ano antes, Cristóvão Colombo tinha parado na Jamaica porque as viagens pelas Caraíbas não estavam a correr bem: dois navios afundaram-se e duas caravelas estavam danificadas por lesmas do mar. O navegador, a serviço de Espanha, tinha ancorado na Baía de Santa Ana e o convívio com os jamaicanos era tranquilo. Pelo menos foi durante seis meses: ao fim desse tempo, os objetos que os espanhóis trocavam por comida (espelhos e missangas, por exemplo) começaram a esgotar e a amizade entre eles começou a ficar tremida.
Cristóvão Colombo mandou alguns homens para Hispanola (atual Haiti e República Dominicana) em barcos pequenos, mas eles nunca regressaram. Em Janeiro de 1504, outra parte da tripulação também viajou para Hispanola a bordo de barcos construídos por madeireiros locais, mas Cristóvão Colombo e outros 50 homens ficaram na Jamaica a cuidar das caravelas que tinham objetos valiosos a bordo e os mapas das Honduras, Costa Rica, Panamá e Nicarágua que o navegador desenhou. A ajuda nunca chegou e os jamaicanos perceberam que os espanhóis estavam em desvantagem. Por isso deixaram de lhes dar comida. Mas a solução para Colombo estava escrita nas estrelas. Na verdadeira asserção da expressão.
Cristóvão Colombo tinha uma coisa que os nativos jamaicanos não tinham naquela época: conhecimento. Um eclipse para ele seria um fenómeno normal, mas para os nativos seria algo muito mais assustador. Por isso, quando percebeu que ia haver um eclipse a 29 de fevereiro de 1503, Colombo convidou os líderes locais para uma reunião a bordo do “Capitania”. E disse-lhes que toda tripulação era cristã, que o Deus dele era mais poderoso que o dos jamaicanos e que sabia que Ele tinha ficado muito chateado com a indelicadeza dos nativos. Por isso, dali a uns dias, o Céu iria escurecer e a Lua ficaria vermelha para provar o poder de Deus: se, depois disso, os jamaicanos não dessem comida aos espanhóis, seriam castigados com fome e doenças.
Os jamaicanos gozaram com Colombo durante dias. Mas quando o eclipse total da Lua começou, conforme estava previsto pelo calendário lunar, os líderes entraram em pânico e pediram ao navegador que pedisse a Deus que não lhes fizesse mal, pois iria ceder a todos os pedidos da navegação. Ao fim de 45 minutos, a duração prevista do evento, Cristóvão Colombo saiu do “Capitania”: disse que tinha conversado com Deus e que, caso os jamaicanos dessem comida aos espanhóis enquanto lá estivessem, tudo ficaria bem. Foi o que aconteceu: os jamaicanos ajudaram Colombo até junho, quando um barco de resgate chegou à ilha.