O ex-ministro da Administração Interna Miguel Macedo assume esta segunda-feira a sua defesa em tribunal, no âmbito do processo em que se investiga a atribuição de Vistos Gold a cidadãos estrangeiros. Julgado por três crimes de prevaricação e um crime de tráfico de influência, Macedo não abre o jogo sobre o que dirá aos juízes do Campus de Justiça, mas garante ao Observador que tem “elementos muitos interessantes para levar a tribunal”.
É a primeira vez que o ex-ministro fala em tribunal sobre este caso, que começou a ser julgado há quase um ano, a 13 de fevereiro de 2017. Macedo já esteve em tribunal para acompanhar sessões do julgamento, mas nunca falou. Há um ano, o seu advogado, Castanheira Neves, remetia uma intervenção de Miguel Macedo para um momento mais próximo do final do julgamento. Esse momento chegou agora.
Contactado pelo Observador, o ex-ministro confirma que fará o seu depoimento esta tarde, depois de o também ex-ministro José Pedro Aguiar-Branco (Defesa) ser ouvido a partir do Porto, com recurso a videoconferência.
“Vou falar lá, nunca falei publicamente sobre este assunto e não é a poucas horas que vou violar esta conduta que impus a mim mesmo”, diz ao Observador. Macedo não revela que linha de argumentação vai utilizar, mas garante que tem “coisas para dizer” e “elementos muito interessas para levar a tribunal”.
Vistos Gold. Os quatro pontos principais da defesa de Miguel Macedo
O ex-ministro de Pedro Passos Coelho está acusado de favorecer uma rede que lucrava de forma ilegal com a atribuição de autorizações de residência a cidadãos estrangeiros a troco de investimento em Portugal – as chamadas Autorizações de Residência para Investimento (ARI).
Dessa rede de que Macedo faria parte constam, ainda, segundo o Ministério Público, os nomes de Jaime Gomes (gestor e amigo do ex-ministro), António Figueiredo (então presidente do Instituto de Registos e Notariado) e Zhu Xiaodong (empresário chinês). A acusação acredita que também se favoreceram do esquema uma empresa de Paulo Lalanda e Castro, ex-patrão de José Sócrates na farmacêutica Octopharma, e o Grupo Bragaparques. Foram acusados 21 arguidos, dos quais 17 são pessoas singulares e quatro são empresas
E de que esquema se tratava? Numa síntese, o Ministério Público referiu na acusação deduzida em novembro de 2015 ter ficado mostrado que os arguidos, “que ocupavam funções públicas, em violação de deveres funcionais”, terão “movido influências e praticado atos destinados a agilizar o procedimento legal de atribuição dos designados vistos gold, facilitando a atividade daqueles empresários e colocando meios do Estado ao serviço de interesses privados”. Dessa forma, “obtiveram vantagens pessoais que, de outra forma, não poderiam ter obtido”.
No caso de Miguel Macedo, os procuradores acreditam que o ex-ministro terá dado ordens expressas a Manuel Palos – então diretor do Serviço de Estrangeiro e Fronteiras que dependia hierarquicamente de Macedo – para nomear um Oficial de Ligação para Pequim. Seria a porta de acesso de cidadãos chineses à empresa que pretendia estabelecer-se naquele país para captar investidores. A suspeita resultou numa acusação de prevaricação.
Miguel Macedo demite-se, por ter a sua “autoridade diminuída”. Mas recusa culpas nos vistos Gold
Mas há ainda outros dois crimes iguais na acusação. Um desses crimes envolve a empresa Intelligent Life Solutions, de Lalanda e Castro. Está em causa o transporte de doentes líbios para Portugal para beneficiarem de tratamentos, sendo que, acredita o Ministério Público, o ex-ministro terá, também aqui, intervindo junto de Manuel Palos para garantir um tratamento preferencial a estes doentes, acelerando o processo de atribuição de vistos temporários, entre 2013 e 2014.
O terceiro crime de prevaricação traz ao processo a empresa Bragaparques e o amigo do ex-ministro, Jaime Gomes, e cruza-se com o concurso público internacional da gestão e manutenção dos meios aéreos de combate aos fogos florestais, assegurado pelos helicópteros Kamov. Macedo terá enviado através da sua conta de e-mail oficial uma mensagem a Jaime Gomes onde constava o caderno de encargos do concurso antes de qualquer dos outros concorrentes ter acesso a esses documentos. A Everjets – detida pela Bragaparques – teve acesso a informação privilegiada e venceu o concurso sem levantar o caderno de encargos.
Por fim, há um crime de tráfico de influências. O Ministério Público diz que a Intelligent Life Solutions não cobrou IVA nas faturas de mais de 2,9 milhões de euros que emitiu às autoridades líbias, por entender que estava isento desse valor. Mas a Autoridade Tributária (AT) não concordou com essa isenção e ordenou o pagamento de 677 mil euros do IVA relativos a 2013. Macedo terá facilitado o contacto entre Lalanda e Castro e Paulo Núncio, à data secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, com vista a uma decisão favorável do Fisco.