Na tarde de quinta-feira, 1 de março, Donald Trump anunciou que as importações de aço vão passar a pagar mais 25% de imposto, e as importações de alumínio vão pagar mais 10%. Essas taxas agravadas vão vigorar “por um longo período de tempo”, garantiu o presidente dos EUA, no que poderá ser recordada como o primeiro “tiro” de uma “guerra comercial” que pode envolver os principais blocos económicos: EUA, Europa e China. Para Trump, uma “guerra comercial” seria uma coisa “boa e fácil de ganhar” — mas de que é que o presidente dos EUA está a falar? E porque é que as bolsas estão em pânico?

Países como o Canadá, o México e a China já anunciaram que irão apresentar a sua resposta nos próximos dias, o que pode incluir medidas de retaliação. A União Europeia, pela voz de Jean-Claude Juncker, garantiu que “a UE não vai assistir de forma passiva enquanto a nossa indústria é penalizada com medidas injustas que colocam milhares de postos de trabalho na Europa em risco“. Uma retaliação por parte da UE é “inevitável“, afirmou Juncker.

Foi entre um tweet sobre a reunião (“ótima”) com os defensores do direito a ter armas de fogo (a NRA) e outro tweet sobre qual ator Donald Trump acha que melhor o imita, em comédia, que o presidente dos EUA escreveu sobre este tema que está a deixar os mercados financeiros com os nervos em franja. Trump disse que há países que se estão a “armar em bonitinhos”, no que terá sido uma referência ao México, com quem os EUA terão um défice comercial na ordem dos valores referidos pelo presidente dos EUA.

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"Isto não é bom para ninguém"

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O anúncio de ontem já motivou reações por parte de vários responsáveis políticos mundiais. Um porta-voz do governo de Moscovo disse que via com “extrema preocupação” o anúncio de Trump e garantia que iria “acompanhar de muito perto” esta situação. O ministro do Comércio da Austrália alertou que “decisões como esta podem levar a que sejam tomadas medidas retaliatórias por outros países. Isto não é bom para ninguém”.

Minutos depois, Trump voltou ao tema: “Temos de proteger o nosso país e os nossos trabalhadores. A nossa indústria siderúrgica está em más condições. SE NÃO TIVERMOS AÇO, NÃO TEMOS UM PAÍS”. E continuou: “quando um país aplica uma taxa aos nossos produtos de, por exemplo, 50%, e nós taxamos o mesmo produto ao entrar no nosso país em zero, isso não é justo nem é inteligente”. Através da rede social Twitter, Trump indicou que se vai começar a aplicar “taxas alfandegárias recíprocas” para que “passemos a cobrar a mesma coisa que nos cobram a nós”. “Não há alternativa”, diz Trump, quando se tem um “défice comercial de 800 mil milhões”.

Os EUA são o maior importador mundial de aço, comprando ao resto mundo muito mais aço do que o segundo e o terceiro maiores importadores (a Alemanha e a Coreia do Sul). Segundo dados citados pela Fortune, há quatro vezes mais aço a ser importado para o país do que a ser exportado. E numa altura em que a procura por aço está a aumentar, incluindo no próprio país, a produção de aço nos EUA caiu em 11% entre 2014 e 2016. Esta é a continuação de uma tendência iniciada nos anos 70, em que os EUA deixaram de ser um grande produtor siderúrgico e passaram a importar mais do que exportar.

Os países que estão a tapar esse “buraco”, entre a procura por aço na economia norte-americana e a produção interna, são o Canadá, o Brasil, a Coreia do Sul, o México e a Rússia. A União Europeia, como um todo, também é um dos maiores exportadores de aço  No caso do alumínio, quem mais vende para os EUA são o Canadá, a Rússia e a China. A propósito de China e de alumínio, o Departamento do Comércio dos EUA acusou recentemente alguns exportadores chineses de fazerem dumping de certos tipos de folha de alumínio, para arruinar produtores locais nos EUA.

Trump afirma que quer proteger os empregos nos EUA, neste caso os entre 80 mil e 140 mil empregos que existem nessa área. Mas economistas estão a alertar que medidas como estas podem fazer aumentar os preços dos dois produtos e penalizar, dessa forma, setores como o automóvel e a indústria energética. Ou seja, o agravamento das tarifas (e as medidas retaliatórias que podem provocar) podem acabar por destruir mais empregos do que criar. O raciocínio de Trump é “simplesmente estúpido” e “incompetente”, afirmou o economista Adam Posen, presidente do instituto Peterson.

O aço é um componente minúsculo do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano, por isso é que isto é completamente louco. Está-se a dar cabo de todo um sistema comercial por causa de uma indústria que tem 80 mil empregos”, afirmou Adam Posen, em entrevista à CNBC.

Em comparação, as indústrias que consomem aço — que serão penalizadas pelas tarifas — dão emprego a 6,5 milhões de norte-americanos.

Como Trump já terá sido avisado por Gary Cohn, um dos seus principais conselheiros económicos e um opositor a esta medida, o problema é que a falta de capacidade instalada nestes setores, nos EUA, vai encarecer os produtos — o que vai prejudicar a economia norte-americana. Um dos responsáveis da indústria que parecem rever-se neste receio é Cody Lusk, presidente de uma associação de revendedores de automóveis: “o aumento proposto das taxas sobre as importações de aço e alumínio não podiam vir em pior altura”, diz o responsável, citado pela Bloomberg, lembrando que as vendas de carros estagnaram nos últimos meses e os construtores [norte-americanos] não estão capazes de absorver um aumento dos preços”.

Gary Cohn, a quem há muito se adivinha uma demissão, terá feito tudo por tudo, nas horas antes deste anúncio, para dissuadir Trump de avançar com este agravamento das taxas alfandegárias. Talvez seja desta que Gary Cohn abandona o cargo.

O grande risco de tomar medidas como esta é que pode originar problemas diplomáticos e lançar um efeito-dominó. O vice-presidente da Comissão Europeia, Jyrki Katainen, alertou que “podemos facilmente cair numa situação em que estamos numa guerra comercial nas duas frentes”, referindo-se aos EUA e à China. “E tudo por causa de uma decisão tomada pelo presidente dos EUA”.

EUA já foram os “campeões” do protecionismo em 2017, diz Euler Hermes

Os EUA já foram, em 2017, o país onde foram aplicadas mais medidas de cariz protecionista, revela um estudo recente realizado pela consultora Euler Hermes. A pesquisa económica da Euler Hermes revela que foram introduzidas 467 medidas protecionistas em todo o mundo, no ano passado, com os EUA a serem responsáveis por 90 delas (isto é, cerca de um em cada cinco, ou 20%). Os EUA foram, com efeito, o único país em que se adotou mais medidas protecionistas do que no ano anterior.

“Há poucas dúvidas de que os EUA aumentaram a tendência para medidas protecionistas desde que Donald Trump entrou na Casa Branca, uma tendência que é contrária à que se verifica no resto do mundo”, escrevem os economistas da Euler Hermes. E entre essas 90 medidas protecionistas, 17 foram especialmente direcionadas contra a China, revela o estudo a que o Observador teve acesso.

Mas se a intenção é “assustar” a China, que no aço tem um papel muito pouco importante, Adam Posen diz que a medida não terá sucesso. “Isto não vai assustar ninguém. Vai assustar os mercados mas não vai assustar o governo chinês, já que vai levar possivelmente a medidas de retaliação. E aí é que as coisas arriscam tornar-se muito piores“.

Ainda assim, esta está longe de ser a primeira vez que um presidente norte-americano anuncia medidas contra as importações vindas da China e de outros blocos a quem alguns responsáveis nos EUA atribuem práticas ilegítimas. George W. Bush, por exemplo, agravou as taxas na importação de aço para 30%, em 2002, mas acabou por voltar atrás, sob pressão da Organização Mundial do Comércio, no ano seguinte.

E até Barack Obama se viu envolvido numa polémica semelhante. Em 2009, a sua Administração aumentou as taxas alfandegárias sobre os pneus chineses em 35% (e 30% no segundo ano), uma decisão a que Beijing respondeu com um aumento dos impostos sobre as importações (para a China) de patas de galinha, o que basicamente fez com que os EUA deixassem de exportar esse produto para a China.

Desde a campanha eleitoral e o discurso de tomada de posse — em que Trump acusou outros países de “roubar as nossas empresas e destruir os nossos empregos” — Donald Trump tem avançado com várias medidas específicas na linha do mantra “America First” (a América em primeiro lugar). Além das medidas específicas, contra produtos (importados) como eletrodomésticos e painéis solares, Trump anunciou também a saída da TPP — o acordo comercial transpacífico — e quer renegociar o Nafta, que envolve os países da América do Norte.

Mas as taxas do aço (e do alumínio) podem ter o maior impacto diplomático. E mesmo que venha a ser suavizada nos próximos dias, designadamente através de isenções, a medida já teve impacto — pelo menos no otimismo dos investidores, que já estão preocupados com o risco de uma subida das taxas de juro mais rápida do que o previsto. Um relatório de um banco japonês, o MUFG, avisou que a medida anunciada por Trump foi “muito importante para os mercados financeiros”: “se começarem a surgir sinais de um aumento das taxas alfandegárias em todo o mundo, isso irá levar a uma deterioração rápida do atual otimismo em torno da economia global“.