O Hospital de Cascais teve direito a serviços mínimos com mais enfermeiros durante a última greve da classe, que decorreu nos dias 22 e 23 de março, do que qualquer outro hospital do país. Nem o Centro Hospitalar de S. João e o Centro Hospital de Vila Nova de Gaia/Espinho, que não chegaram a acordo com os sindicatos e que tiveram de ir a tribunal arbitral, tiveram esta “benesse”. O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) fala em “ilegalidade” e contestou a situação junto do Ministério do Trabalho.

Ao contrário dos outros hospitais, em que os serviços mínimos são equiparados aos turnos noturnos, em Cascais foram ajustados segundo os turnos do fim de semana, que têm mais profissionais a trabalhar do que durante a noite. A título de exemplo, num dos serviços daquela PPP detida pelo grupo Lusíadas Saúde, estão escalados durante a noite cinco enfermeiros, todos os dias da semana. Aos fins de semana, os números variam entre os 9, durante a manhã, e 7 durante a tarde. Quer isto dizer, que durante a greve, este serviço ficou apenas com menos um enfermeiro de manhã e dois de tarde. Enquanto que em todos os outros hospitais do país, num serviço com as mesmas escalas, seriam apenas necessários cinco enfermeiros para cumprir os serviços mínimos. Ou seja, mesmo que tivesse havido uma grande adesão à paralisação, no Hospital de Cascais mal se notaria a diferença.

Ao Observador ninguém soube esclarecer por que motivo o Hospital de Cascais teve tratamento diferente dos restantes em todo o país, sejam hospitais de gestão pública ou parcerias público-privadas (PPP). O Ministério do Trabalho explicou que, segundo o Código de Trabalho, os serviços mínimos são “definidos por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou por acordo entre os representantes dos trabalhadores e os empregadores abrangidos pelo aviso prévio ou a respetiva associação de empregadores”.

Quando os serviços mínimos não estão previstos no “instrumento de regulamentação coletiva de trabalho” ou não há acordo entre as partes envolvidas, estas são convocadas pela Direção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT) para negociar estes serviços mínimos.

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Se não houver acordo “nos três dias posteriores ao aviso prévio de greve”, no caso de se tratar de uma “empresa do setor empresarial do Estado”, os serviços mínimos e os meios necessários para os assegurar são definidos em tribunal arbitral ou por despacho conjunto “do ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo setor de atividade”, neste caso o ministro da Saúde e o secretário de Estado do Trabalho.

Ora foi precisamente isso que aconteceu com o Hospital de Cascais, uma parceira público-privada gerida pela Lusíadas Saúde, e com os centros hospitalares de S. João e Vila Nova de Gaia/Espinho, mas as decisões tomadas relativamente aos serviços mínimos foram diferentes.

No caso dos centros hospitalares, ficou decidido em tribunal arbitral que “os meios necessários para cumprir os serviços mínimos definidos correspondem ao número de enfermeiros ao serviço no turno da noite“. Já no Hospital de Cascais, o despacho assinado entre o ministro da Saúde e o secretário de Estado do Emprego refere  que “os meios humanos necessários para cumprir os serviços mínimos definidos correspondem ao pessoal de enfermagem que constar das escalas de turno à data do aviso prévio de greve para os fins de semana.” Ambos os documentos referem que o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses não compareceu às reuniões que antecederam estas decisões.

A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) esclareceu ainda ao Observador que “no âmbito do SNS, salvo situações pontuais, têm sido aceites os serviços mínimos definidos no âmbito da greve decretada pelo SEP no dia 25 de janeiro de 1994″: que definem os turnos da noite como bitola para a definição dos serviços mínimos.

“Tem sido, também, repetidamente aceite que os meios humanos necessários para assegurar os serviços mínimos definidos, correspondem ao número de enfermeiros igual ao que figurar para o turno da noite no horário aprovado à data do anúncio da greve, por termos idóneos”, adianta também a ACSS, que admite que “os serviços mínimos tenham sido fixados em moldes diferentes” dada “a natureza jurídica das entidades empregadoras, no caso integradas no setor empresarial do Estado, e no outro, entidade em regime de Parceria Público-Privada”. Mas, contactadas pelo Observador, todas as restantes PPP — Luz Saúde, que detém o Hospital Beatriz Ângelo, em Loures, e o grupo José de Mello Saúde, que gere os Hospitais de Vila Franca de Xira e Braga — asseguraram que não houve qualquer alteração aos serviços mínimos que constavam do pré-aviso de greve.

Sindicato dos enfermeiros fala de “ilegalidade”

Não foi possível esclarecer junto das várias entidades o motivo desta discrepância. O Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) considera que esta situação com o Hospital de Cascais é uma “ilegalidade” e contestou-a junto do Ministério do Trabalho. “O entendimento do Ministério do Trabalho é que o Hospital de Cascais é um hospital privado e não é. É um hospital público com gestão privada e com trabalhadores com contratos de trabalho em função pública”, afirma Jorge Rebelo ao Observador.

E mesmo se fosse um hospital privado, acrescenta o sindicalista, a legislação prevê que os serviços mínimos para um hospital privado correspondem ao turno de sábado de manhã e não foi isso que ficou decidido. Aliás, Jorge Rebelo faz precisamente essa crítica: o despacho fala em turnos de fim de semana, mas não especifica se se trata do turno da manhã, da tarde ou da noite.

Relativamente ao facto de o SEP não ter comparecido nas reuniões convocadas pelo Ministério do Trabalho, Jorge Rebelo justifica que o sindicato “não tem disponibilidade total”, pelo que nem sempre consegue estar presente nestas reuniões, especialmente se elas forem marcadas “em cima da hora”.

O dirigente da SEP refere ainda uma situação de “assédio” no Hospital de Cascais. De acordo com Jorge Rebelo, os enfermeiros que, apesar de estarem de greve, se apresentaram ao serviço para cumprir os serviços mínimos não puderam “transmitir aos utentes” que estavam de greve — habitualmente, os profissionais que estão a cumprir serviços mínimos mas querem fazer greve ostentam um autocolante ou um crachá com a frase “estou em greve” ou o equivalente. “Configura o assédio, com mais ou menos verniz”, disse Jorge Rebelo.

O Hospital de Cascais explicou apenas que “propôs a adequação dos serviços mínimos ao que é o seu perfil assistencial“.

“Na sequência do processo, normal no nosso país, quando há a marcação de uma greve no setor da saúde, e para poder continuar a dar resposta às necessidades dos seus utentes, o Hospital de Cascais propôs a adequação dos serviços mínimos ao que é o seu perfil assistencial. O mecanismo governamental de mediação nestas situações existe precisamente para que os níveis de prestação de serviços de saúde à população sejam os adequados de acordo com cada hospital, mesmo em períodos de greve”, lê-se no comunicado enviado ao Observador.