No dia 19 de abril de 1980, quando ainda governava a ditadura militar, Lula da Silva, então sindicalista, foi detido em casa, diante da mulher e dos filhos.

Na altura, Lula liderava uma greve metalúrgica no chamado ABC paulista — a região de São Paulo que abrange as cidades de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul. A ditadura militar instaurada em 1964 estava a passar por um período difícil mas ainda não tinha acabado. As prisões arbitrárias, as torturas e os assassinatos tinham-se tornado frequentes e Lula foi preso sem mandado judicial, tal como outras 12 pessoas ligadas ao movimento sindical. Ninguém sabia de que eram acusados nem quando ou se iriam ser libertados.

A BBC Brasil conta que o ex-presidente brasileiro sabia que, uma vez iniciada a greve, o risco de ir parar à prisão era grande. No ano anterior, ele e toda a direção do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo — é na sede do Sindicato que Lula da Silva se mantém aguardando a detenção — e Diadema tinham sido afastados dos cargos pelo Governo do general-presidente João Figueiredo. O movimento sindical tinha surgido dois anos antes e Lula da Silva era o líder emergente: os militares queriam aproveitar a greve para destruir a insurgência e o então sindicalista foi aconselhado a deixar o país. Recusou.

A greve foi meticulosamente preparada. Foram feitos cartazes, panfletos e boletins que chegaram depois de forma clandestina às fábricas e aos bairros. Exigiam aumentos salariais, redução do horário de trabalho e liberdade de atuação do sindicato nas fábricas. A paralisação começou à meia-noite do dia 1 de abril e, secretamente, a direção do sindicato tinha formado um “grupo especial” destinado a manter a programação do movimento caso os líderes fossem detidos.

No dia anterior à prisão de Lula, um grupo de trabalhadores concentrou-se em protesto à frente do sindicato e entrou em confronto com a polícia. Paulo Maluf, governador de São Paulo, prometeu: “O líder do Sindicato dos Metalúrgicos é um líder morto.” Falhou.

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A imagem de Lula da Silva detido correu o mundo. Foram organizadas caminhadas de apoio aos líderes sindicais que pararam o centro da cidade de São Bernardo. O ex-presidente do Brasil esteve 31 dias na cela do Departamento de Ordem Política e Social: durante seis dias, chegou a fazer greve de fome. 

A mãe de Lula morreu enquanto o filho ainda estava preso — Eurídice Ferreira de Melo não resistiu a um cancro, depois de internada durante vários dias no Hospital da Beneficiência Portuguesa, em São Caetano. Romeu Tuma, o chefe do Departamento, concedeu uma licença ao antigo presidente para que estivesse presente no funeral da mãe, no dia 12 de maio. A greve havia terminado no dia anterior e Lula seria libertado oito dias depois.

No ano seguinte, em 1981, assistiu pelo rádio ao julgamento do seu próprio processo, em São Paulo: tal como todos os outros arguidos e advogados, não compareceu à audiência em sinal de protesto. Lula da Silva e os outros 10 dirigentes sindicais foram condenados a penas que iam desde os seis meses aos dois anos de prisão por “incitação à desobediência coletiva das leis”. Como a defesa não compareceu, o julgamento foi anulado pelo Superior Tribunal Militar, mas uma nova audiência, em novembro, confirmou as condenações.

Os arguidos apresentaram então um recurso. O Supremo Tribunal Federal anulou todo o processo.