A Finlândia subiu ao topo do ranking mundial da felicidade, feito pela Organização das Nações Unidas. Joanne Nylund diz que o segredo está “no Sisu”. No quê? Foi o que explicou também ao Observador.
O Sisu é um termo sem tradução para o português, e é usado há vários séculos no país. Está relacionado com a combinação de coragem, resiliência, tenacidade e perseverança (…) e uma mentalidade orientada para a ação quando se está perante um desafio aparentemente além das nossas capacidades”.
Mas a verdade é que, embora os finlandeses vivam naquele que é o país mais feliz do mundo, é-lhes também atribuída alguma frieza, associada a um passado marcado pela escassez de recursos e um clima difícil. “Os finlandeses são conhecidos por não sorrir muito, porque a nossa cultura não é de mostrar emoções livremente”.
“Ás vezes acho que podemos estar felizes sem sorrir. Nós sorrimos… mas não sorrir também é a maneira mais ‘confiável’ de se ser feliz”, confessa.
A receita do bem-estar
A definição de Sisu na linguagem finlandesa tem pelo menos 500 anos. No sentido mais literal, o Sisu refere-se às entranhas no interior do corpo humano, nomeadamente no estômago, onde se acredita que resida a força humana, explica Joanne. E o Sisu é aquilo que é preciso para colocar um pé à frente do outro para subir uma montanha, e não a resistência de que precisamos para tal.
Há vários exemplos que mostram como o Sisu tem ajudado, ao longo dos anos, o povo finlandês. Em 1939, aquando da invasão soviética em plena Segunda Guerra Mundial, o exército da Finlândia existia em número menor e mesmo assim conseguiu derrotar o exército russo.
Esse inverno, o de 1939, foi particularmente frio, com temperaturas em torno dos 43º negativos. O que acabou por ser uma vantagem para os finlandeses, porque sabiam esquiar e tinham roupas apropriadas: algumas camadas de roupas mais grossas e uma última peça de roupa branca, para os camuflar na neve. Durante a II Guerra Mundial, a Finlândia também tirou partido da velocidade e da economia de forças. E conseguiram. O Sisu foi bem sucedido.
Uma das principais características do Sisu é a preparação para qualquer situação, o que explica que os finlandeses, por regra, também se adaptem tão bem a situações mais desconfortáveis, refere Joanne Nylund.
E a verdade é que o Sisu contraria a ideia de que, por exemplo, “o homem é uma ilha”, porque não é. Segundo escreve Joanne, na Finlândia existe muito a ideia de que é um por todos e todos por um. “Foi o trabalho em conjunto que desde sempre nos trouxe o êxito”, refere Joanne no livro.
Outro dos aspetos do Sisu é a adoração pela natureza. A Finlândia é o oitavo maior país da Europa, mas tem uma população de apenas cinco milhões e meio de pessoas. Existem grandes áreas despovoadas e de região selvagem apreciadas por todos, e não são raras as vezes em que a natureza é mesmo usada como despensa.
“Graças aos suplementos nórdicos, como o mirtilo, o arando vermelho, a amora branca silvestre e o espinho-marítimo, temos muito por onde escolher”, explica Joanne.
A sabedoria sobre aquilo que na natureza pode ser comestível, ou não, passou de geração em geração. Algumas das receitas feitas apenas com recurso ao que está disponível na natureza passam pela sopa de urtigas, gelado de abeto (rebentos das árvores de abeto) ou tarte de mirtilos.
O Sisu na comunicação com os outros. Ou no silêncio
“Fale quando tiver algo a dizer. Se não, cale-se”. A atitude finlandesa é esta mesmo, explica Joanne, relativamente à comunicação: falar apenas quando têm algo para dizer. É, como chama a autora, uma “economia de linguagem”.
Um outro aspeto a sublinhar na comunicação com os outros é o da igualdade: a Finlândia foi o primeiro país do mundo, em 1906, a estender a todas as mulheres o direito de voto e a possibilidade de estas se candidatarem às eleições. Hoje em dia, é o país onde as mulheres trabalham em tempo integral, e onde é mais provável que as mulheres tenham mais participação na vida política e económica.
A igualdade é um fator importante na Finlândia, e Joanne escreve que nos casamentos tanto marido como mulher partilham tarefas domésticas e a educação dos filhos. Para entender a dinâmica dos casais, a escritora falou com um que está junto há 26 anos e tem um filho de 14. Para ambos, a “pedra angular de um casamento” é a confiança, e serem uma equipa: fazer tudo ao lado um do outro e um para o outro.
“O ponto de partida tem de ser o respeito pela outra pessoa, mesmo no calor de uma discussão”, referem. A igualdade sempre foi natural para ambos, que cresceram com os pais a dividir, por exemplo, as tarefas domésticas.
Crescer com Sisu
“Quando, com quatro anos de idade, dei os meus primeiros passos cambaleando em cima de patins no gelo, a minha mãe estava ao meu lado a encorajar-me. O gelo era frio, duro e não muito uniforme, e eu não gostava de experimentar coisas novas (….) mas a minha mãe disse-me ‘coragem, agora!’”, conta Joanne no início do capítulo do livro que dedicou em exclusivo às crianças.
A escritora explica que o Sisu permite que os erros das crianças sejam tratados como uma “ferramenta de aprendizagem” e que seja possível “descobrir o prazer do desconforto”. E evoluir.
Um dos temas sobre os quais é conhecida a Finlândia é no êxito do sistema de educação do país. “O mundo começou a tomar conhecimento no início dos anos 2000 quando o PISA (Programme for International Student Assessment), em voga no país, revelou a Finlândia no topo das classificações em diversas categorias”, escreve Joanne.
Se é verdade que a educação é muito valorizada no país, também é verdade, conta Joanne, que o segredo está na idade com que as crianças começam a escola (perto dos sete anos), na pouca quantidade de trabalhos de casa que recebem diariamente para fazer, no horários das aulas (que normalmente termina perto das duas da tarde).
Assim sendo, o Sisu manifesta-se desde cedo nas crianças, mas manifesta-se em alguns pontos-chave, como é o caso da defesa do outro. “O Sisu é uma capacidade individual mas usamo-la ao serviço do bem coletivo”, e, explica Joanne, as crianças são incentivadas desde cedo, por exemplo, a defenderem-se e não a atacar o outro, o que faz com que os casos de bullying (um problema tão conhecido nas escolas) sejam raros.
Hábitos de quem tem Sisu (e é feliz)
“Acho que somos felizes na Finlândia por vários motivos, mas acho que é acima de tudo porque temos uma sociedade muito organizada, algo pelo qual trabalhámos durante muito tempo”, refere Joanne ao Observador.
Para a escritora a felicidade consiste, em grande parte, na sociedade estável que foi criada e que vai permitir aos finlandeses “sentir-se seguros”, “ter quem cuide deles quando forem mais velhos” e “ter a certeza de que estão a educar bem as suas crianças”.
Este livro, “Sisu: a arte finlandesa de viver com coragem”, representa, para a escritora, um guia para “termos o controlo da nossa vida e fazer crescer em nós mesmos o Sisu”, que é como quem diz, “aquilo que nos mantém em movimento quando sentimos que não podemos ir mais longe”, sublinha a escritora. O importante é, explica Joanne, “saber que a felicidade começa em nós”. O Sisu vem depois.