E você? Lembra-se da última vez que comeu frango assado ao som de Boss AC? Eu recordo-me bem: foi quando visitei a nova churrasqueira do LX Factory, o Cucurico. Quem diria que hip-hop português seria boa companhia para nos lambuzarmos de pernas, coxas, peitos e outras partes saborosas da magnífica ave que é o frango — quando é bem confecionado, claro. Contudo, algo parecia estranho.
Quando se fala em churrasqueira, que imagem é que lhe vem à cabeça? Pessoalmente, imagino sempre algo bem diferente do sítio super cool, trendy e “do design” onde comi há uns tempos. Quando soube desta abertura e vi que se tratava de um espaço com néons, cores a puxar ao tropical e aquele aspeto “moderno/genérico” que invadiu quase todos os restaurantes que abriram nos últimos cinco anos, hesitei. “Queres ver que me gentrificaram o frango?”, pensei. Onde estava a vitrine meio sebosa com os salgados fritos no dia anterior? Cadê a televisão comprada em promoção que transmite, 24 sobre 7, todos os canais de desporto do universo? Onde estavam os sacos de carvão meio ratados que o mestre da grelha (quase sempre um senhor de farto bigode e barriga) usa sem qualquer tipo de luvas ou proteção? Não havia nada disso. Estava de pé atrás.
Quando, contra todos os meus instintos, decidi entrar, senti aquele suor frio de quem já viu demasiados sítios a vender torradas com abacate ao preço de quem compra um T3 mobilado no Chiado. “Bem vindo ao Cucurico!”, disse-me um jovem. “Já sabe o que vai pedir?”
Este início de conversa não teria nada de estranho se tivesse ocorrido depois de já estar sentado e de ter visto a ementa, mas não foi isso que aconteceu. Ainda de pé, sem saber bem o que esperar da comida e onde a iria devorar, já me perguntavam isto. “Funcionamos em pré-pagamento”, disse o rapaz. Estranho, mas pronto, a fome já apertava. Lá me deram uma ementa — simples, sem grandes devaneios, o que é de salutar — e explicaram melhor o que podia ali encontrar.
Certo, as churrasqueiras vendem frango assado, claro, mas nada é assim tão simples quando se entra num restaurante inaugurado na última década. Explicaram-me primeiro que as aves servidas são biológicas, temperadas apenas com sal e cozinhadas no momento. Disseram também que no Cucurico só se come o que se quer, ou seja, podem-se pedir apenas as partes do animal que mais se gosta, como os conjuntos de cinco pernas, cinco coxas, cinco asas ou três peitos (tudo a 6€, sempre). Gravitei para uma dessas opções primeiro, mas como ia acompanhado, o empregado honestamente disse-me que seria melhor aposta escolher o chamado “frango vaidoso”, nome funny para uma ave inteira. Aceitou-se a sugestão e depois pedimos o resto. Foi assim:
“Frango vaidoso” (13€ um frango inteiro). Assar um frango é mais difícil do que se possa pensar, basta ter consciência, por exemplo, de que a zona do peito não tem de ter uma textura semelhante à do contraplacado. Nunca esguichará de molho e humidade, mas pode ser mais agradável do que parece. Pois bem, este frango vaidoso não tinha grandes motivos para o ser: pequenino, cortado de forma estranha e a puxar para o seco. Não foi o pior de sempre, mas também esteve longe de agarrar o primeiro lugar no pódio dos galináceos. As batatas fritas que o acompanhavam, por sua vez, eram bastante saborosas — cortadas às rodelas finas, mantiveram a crocância, estavam bem temperadas e nada oleosas. Coisa que não se pode dizer de uma das entradas.
Peles crocantes (1,5€ três segmentos generosos). A borda de uma tarte acabada de fazer. Os cantos torrados da lasanha que saiu do forno. O açúcar caramelizado no topo do leite creme. No mundo das comidas há determinados fenómenos como estes que muitas discussões já devem ter criado. Quem fica com a “melhor parte” de determinado prato? É uma decisão difícil que pode dar origem a violentas crises de diplomacia. No Cucurico, por sua vez, a democracia vive e toda a gente pode ter direito à sua quota parte de pele de frango. “Maravilha”, pensei. Quando o pedido chegou à mesa, porém, o entusiasmo virou desilusão ao ver a gordura que pingava da dita epiderme. O sabor ficou demasiado forte e foi difícil tirar todo o gozo que esta parte do animal costuma proporcionar. Uma pena.
Grão de bico frito e molho picante. Chega à mesa sem ser preciso pedir. A ideia do grão frito numa mistura de especiarias é bem-vinda, mas a textura do mesmo deixou a desejar. Mole e meio desenxabido, a leguminosa deve ser frita ao momento, não no início do serviço (presumo). Já o molho picante cumpriu a sua funlção: saboroso e a puxar para o forte.
Tarte de frutos secos (3€ uma fatia generosa que dá para duas pessoas). Sobremesas e churrasqueiras são como água e azeite: juntas não fazem grande sentido. Não consigo encontrar explicação lógica para isto, mas não é nada habitual pedir-se um doce, por exemplo, quando vamos buscar um frango. Contudo, o Cucurico borrifou-se nessa ideia e serve, entre outras coisas, uma deliciosa tarte de frutos secos. Parecida com a norte-americana pecan pie, esta agradável surpresa vinha carregada de nozes e amêndoas que contrastavam bem com o interior viscoso e doce (com travo a bebida alcoólica).
Na noite de semana em que visitei este Cucurico, o espaço estava quase às moscas. O cenário era um pouco triste, já que um restaurante tão grande e bonito não merece tamanha solidão. De um modo geral, a comida não é má, mas existem muitos outros sítios onde se pode comer o mesmo mas melhor e mais em conta (apesar de não ser nada caro para um espaço “da moda”). Os medos iniciais de que a globalização tinha afetado algo tão intrinsecamente português como a churrasqueira e respetivo imaginário, dissiparam-se — afinal, que mal tem comermos num sítio onde a decoração e o bom gosto vai além de um poster do Benfica da época 2009/2010?
Um ponto negativo é o processo de pré-pagamento. Não causa nenhum incómodo megalómano, mas não é prático, nem para quem come nem para quem cozinha/serve. O pedido é feito, o cliente senta-se numa mesa à escolha com um número em madeira, uma espécie de senha que encaixa no recipiente onde ficam guardados os guardanapos e os talheres (que talvez não use, afinal, frango assado come-se à mão). Quando a comida está pronta, entregam-lhe o pedido.
Um último pensamento sobre esta experiência: o que será que fazem com o resto dos frangos, depois de o venderem às partes? Custa-me acreditar que existam clientes no número certo, a pedir de forma bem distribuída, todos os pedaços do animal. Se, e especulo, se venderem mais pernas do que peitos, o que se faz com o resto? Fica a dúvida. Que ela o motive, caro leitor, a visitar este espaço e a tirar as suas próprias conclusões.
+Info:
Cucurico: LX Factory, R. Rodrigues de Faria, 1300-442 Lisboa (Alcântara); aberto de terça-feira a sábado, das 12h às 17h e das 19h às 23h; telefone: 931 792 935
Preço médio: 15 euros por pessoa
Ambiente: Muito agradável e decorado com gosto. Parece um daqueles restaurantes que se veem no Pinterest quando procuramos por “cool restaurants”.
Banda sonora: Óptima! Só se ouve música portuguesa contemporânea de vários estilos, da pop ao hip-hop. Um pormenor engraçado que deixa qualquer um a cantar de galo — desculpem a piada fácil.
Serviço: A interação empregados/cliente é excecional. A equipa de sala tem tanto de jovem como de simpático e atencioso. Porém, devem ser mais comedidos nas brincadeiras e graçolas que fazem entre eles. Por muito que o tenham feito longe dos clientes, passa uma imagem pouco profissional.
#dicacerta: Lembra-se do molho picante que servem com o grão de bico frito, logo ao início da refeição? Não o desperdice na leguminosa, será muito melhor empregue se for aplicado no frango. Já agora, saiba que também há take-away.
Sebastião Carolino esteve ausente durante algum tempo por questões que agora não interessa nada esclarecer, mas foram boas razões, naturalmente.