Portugal “não pode estar satisfeito” com crescimentos económicos de 2% — porque isso é menos do que o país precisa e porque há outros países (como a Irlanda) que estão a conseguir muito mais. Esta é a opinião de António Horta Osório, banqueiro da City londrina que está em Lisboa por estes dias para participar num conjunto de conferências. O presidente do Lloyds Banking Group vê alguma “complacência” em relação aos grandes desafios que o país enfrenta, desde o crescimento económico insuficiente, a dívida e a demografia.

As declarações foram feitas durante uma conferência organizada pelo Dinheiro Vivo/TSF, em Lisboa. Durante a conferência, Horta Osório fez uma apresentação em que quis fazer um “tributo muito claro” ao trabalho feito pelo governo de Pedro Passos Coelho, que “tomou as medidas difíceis”. Por outro lado, quis, também, fazer um “tributo muito importante” a António Costa, por ter “sabido manter a trajetória”.

Temos progredido bastante bem após a crise que assolou o mundo e Portugal. Saímos de uma situação muito difícil. Mas, agora, temos de continuar a crescer assegurando contas externas equilibradas e a redução da dívida. Temos de ter ambição e parece-me que há alguma complacência no que diz respeito ao crescimento português.

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Eis alguns dos destaques da intervenção de Horta Osório:

  • Existe “alguma complacência em alguns setores”, porque Portugal está a crescer, mas não podemos ser complacentes.
  • Portugal nos últimos 10 anos aumentou a dívida total (pública+privada) em 45 pontos percentuais, para 310% do PIB. Itália, por exemplo, tem a mesma dívida pública mas tem muito menor dívida das empresas e sobretudo das famílias.
  • Hoje vivemos com juros zero mas “imaginemos — e nao me parece demasiado otimista — que o BCE consegue atingir a meta de 2% na inflação. O BCE há de lá chegar, demore mais ou menos tempo. Aí, no mínimo, as taxas interbancárias serão próximas desses 2%”, avisa Horta Osório. “Se temos uma dívida de 310%, quando essa dívida maturar, se as taxas sobem 2% isso significa 6% do PIB. Só na dívida pública, que é de quase 130% do PIB, isso representa 2,5% do PIB”, afirma o banqueiro, notando que “não é provável uma súbita subida da taxa de juro mas se olharmos a um prazo de cinco anos é provável que vá para 2%”. “Estamos muito sujeitos e muito fragilizados se houver um aumento das taxas de juro”, avisa Horta Osório.
  • Portugal é uma “pequena economia muito aberta” e, por isso, “muito dependente do exterior”. O comércio externo representa uma grande parte do nosso Produto Interno Bruto, o que significa que “o que se passa na economia mundial e os ciclos mundiais são muito importantes para as medidas políticas que se devem tomar”. “A economia mundial está a ajudar mas temos de ter muito cuidado para não entrarmos em contraciclo”, afirma Horta Osório.
  • No setor bancário, Horta Osório vê um “progresso muito significativo em termos de capital e de desalavancagem do setor bancário”. Mas não tem havido uma redução suficientemente rápida dos non performing loans, isto é, os créditos não rentáveis e em incumprimento. “Espanha tem vindo a resolver o problema mais rapidamente e o rácio já está abaixo de 5%, mas em Portugal os non performing loans ainda são 15% do total dos créditos”. “Em termos internacionais isto causa uma apreensão significativa”, aponta o banqueiro.
  • No que diz respeito ao crescimento, Horta Osório lembrou as estimativas do FMI de que entre 2018 e 2020, “nós iremos crescer à volta de 2%, um pouco menos do que Espanha, em linha com a zona europeia, mas a Irlanda vai crescer o dobro”. “Acho que não podemos estar de maneira nenhuma satisfeito a crescer 2% ao ano. Isso é pouco, em comparação com outros países. E sem crescimento não pode haver repartição”, defendeu Horta Osório, lembrando que “Portugal cresceu metade da Espanha nos últimos 20 anos e só melhorámos em relação à Grécia”. 
  • A Irlanda, que para Horta Osório deveria ser “um exemplo a seguir”, tomou medidas que ajudaram a que entre 2000 e 2016 o PIB per capita para o dobro, apesar de se ter aumentado a população em um quarto, sem que isso tenha criado problemas sociais.

Horta Osório deixou algumas recomendações de política para Portugal, além da questão da promoção do crescimento e redução da dívida. Uma sugestão do banqueiro é “voltar a atrair os portugueses que saíram do país durante a crise”, com políticas “inteligentes” que ajudem essas pessoas a regressar.

Pode ser, também, altura de “rever” esquemas como os Vistos Gold, entre outros mecanismos para atrair estrangeiros para o país. O que mais preocupa Horta Osório, contudo, é a “questão demográfica”. “Eu não vejo nenhumas medidas estratégias, com benefícios fiscais, com possibilidade de os pais ficarem em casa como acontece em vários países”, enumera o banqueiro, alertando que se nada for feito dentro de “20 ou 30 anos vamos ter um problema muito sério na demografia”.

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