Morreu António Arnaut, o histórico socialista que é considerado o “pai do Serviço Nacional de Saúde”, confirmou ao Observador junto de fonte do Partido Socialista. Foi cofundador do PS e tinha 82 anos. O corpo vai estar em câmara ardente na antiga igreja do Convento de São Francisco, em Coimbra, a partir das 18h30 desta segunda-feira, e será transportado na tarde de terça para o crematório da Figueira da Foz. O secretário-geral do PS, António Costa, decretou “luto partidário”, com a bandeira socialista a meia haste em todas as sedes do país. Manuel Alegre recorda o amigo que considera ser “o socialista mais genuíno” e o ministro da Saúde destacou o “importante legado” deixado pelo socialista.

António Costa diz que “o PS está de luto com o falecimento de António Arnaut” e, desde 2016, “presidente honorário” do partido. “Fundador do PS, militante dedicado, honrou-nos como deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República e como governante”, diz o secretário-geral socialista.

Para a eternidade, todos o recordaremos justamente como o pai do SNS”, declarou ainda o líder socialista e primeiro-ministro.

O Presidente da Assembleia da República diz que Arnaut “personificava, como poucos, o conceito de ética republicana“. Numa nota enviada às redações, Eduardo Ferro Rodrigues lembra o “combatente antifascista, deputado à Assembleia Constituinte e fundador do Partido Socialista”, um homem que ficará na história pelo seu contributo para “uma das principais conquistas sociais da democracia portuguesa”, o Serviço Nacional de Saúde. “Era, por isso, justamente apelidado de pai do SNS.”

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Ferro Rodrigues diz ainda que António Arnaut “foi, até ao último dia, um cidadão empenhado e um militante ativo da causa dos direitos sociais, porque sabia bem que sem igualdade de oportunidades a liberdade não tem condições para ser exercida”. E deixa uma nota pessoal:

A sua partida deixa-me já um imenso sentimento de saudade”, diz Ferro Rodrigues.

A conta oficial do Twitter do Partido Socialista colocou o símbolo do partido a negro, em sinal de luto:

Em declarações ao Observador, o ministro Adalberto Campos Fernandes também disse estar “profundamente triste pelo desaparecimento de alguém que nos ensinou a olhar a política com muita humildade”. O ministro considera que Arnaut “deixa um importante legado na construção do nosso sistema democrático, não só no papel que teve na criação do Serviço Nacional de Saúde, mas também pelos ensinamentos que nos deixou e pelo exemplo de combate político, como poeta, como escritor, como cidadão que sempre valorizou o exercício da democracia”.

Perdemos um homem que contribuiu para um estado mais forte e mais justo”, diz ministro da Saúde.

Natural de Penela, distrito de Coimbra, Arnaut estava internado nos hospitais da Universidade de Coimbra, segundo adianta a Lusa, tendo sido aí que morreu. Há duas semanas, aliás, quando o Observador contactou o histórico do PS a respeito da desfiliação de José Sócrates, Arnaut admitia a sua ausência do congresso do partido, precisamente por estar debilitado.

Em 2016, recebeu a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, que distingue “serviços relevantes prestados em defesa dos valores da Civilização, em prol da dignificação da Pessoa Humana e à causa da Liberdade”. Era Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, a mais antiga obediência maçónica.

O socialista era muitas vezes classificado como “o pai do Serviço Nacional de Saúde” por ter sido o ministro dos Assuntos Sociais durante o II Governo Constitucional (janeiro a agosto de 1978, de coligação entre PS e CDS) que lançou o Serviço Nacional de Saúde. No último congresso do PS, realizado em 2016, Arnaut foi nomeado presidente honorário do partido que representava até hoje, como notou outro histórico socialista ao Observador.

Manuel Alegre diz que “morreu o socialista mais genuíno”. O socialista, amigo de longa data do “pai do Serviço Nacional de Saúde”, recorda um homem “coerente, generoso, um grande cidadão e um grande português”.

Alegre e Arnaut estiveram juntos na Guerra do Ultramar. E é aí que Alegre regressa, num exercício de memória, para reviver um episódio que envolveu ambos. Arnaut tinha pendurado na parede dois quadros. Um de Fidel Castro, com uma inscrição de um discurso proferido em 1959 pelo antigo líder cubano: “Nem liberdade sem pão nem pão sem liberdade”. Ao lado estava a imagem do Papa João XXIII, mas o comandante ordenou apenas que tirasse a do cubano. “O António disse-lhe que não podia fazer isso, não tirava um quadro para deixar o outro porque isso obrigava-o a fazer uma distinção e ele recusava-se a fazê-lo”, recorda Alegre ao Observador.

“Era um dos meus grandes amigos e era o socialista mais genuíno e que criou a maior transformação social do nosso país”, com a criação do Serviço Nacional de Saúde. Por isso, diz o histórico do PS, “a melhor homenagem que o país lhe podia fazer era cumprir o apelo que fez, para que se salve o SNS”.

O presidente do PS prestou homenagem a um homem “apaixonado” pela causa da saúde pública e um “representante do sentido humanista” que a política deve ter. António Arnaut, disse Carlos César, “não era apenas um socialista, era um socialista muito simbólico, representante do sentido humanista com que a política se desenvolve”, um socialista “empenhado, apaixonado naquilo que sempre constituiu a sua grande causa, a causa da saúde pública”.

Com o desaparecimento de António Arnaut, fundador do PS, nosso presidente honorário, sobretudo nosso presidente afetivo, desaparece uma parte muito significativa da nossa memória do presente”, diz o presidente socialista.

A secretária-geral Adjunta do PS, Ana Catarina Mendes, usou o facebook para fazer a sua homenagem ao “presidente honorário do PS, fundador do partido e fundador do Serviço Nacional de Saúde”:

https://www.facebook.com/MendesAnaCatarina/photos/a.246688172333132.1073741827.246677075667575/638147216520557/?type=3

Numa nota divulgada esta tarde, o presidente do PSD reagiu à notícia da morte de António Arnaut. Lembrando uma “figura incontornável” do pós-25 de Abril e do panorama político nacional, Rui Rio disse que “todos nós, portugueses, temos que agradecer” a marca deixada por António Arnaut.

O PCP destaca o “posicionamento antifascista” do histórico do PS e a sua “participação em acções unitárias democráticas”. Em comunicado, os comunista destacam a “intervenção institucional” e o “empenho” de Arnaut “na defesa de valores de Abril, nomeadamente no que toca à saúde e a outros direitos sociais e democráticos consagrados na Constituição da República Portuguesa”.

Ainda entre as reações socialistas, a eurodeputada Ana Gomes transmitiu, através do Twitter, um “tremendo sentimento de perda” e escreveu também que o “tributo” a prestar a Arnaut é “mais do que salvar o SNS: é salvar a Democracia”.

Carlos Zorrinho deixou uma palavra a “um homem extraordinário” e defende, nas redes sociais, que “a melhor homenagem” ao histórico socialista passa por “defender o SNS”. Outro socialista, o médico Álvaro Beleza faz acompanhar uma imagem de Arnaut de uma mensagem: “Saibamos ser dignos do seu legado! Caráter, coragem, cultura!”, uma “referência ética republicana”, assinala. E o deputado Diogo Leão recorda “um campeão das liberdades” que o país perdeu. A socialista e secretária de Estado Adjunta do primeiro-ministro, Mariana Vieira da Silva, deixou um agradecimento também no Twitter.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, destaca a “homenagem e gratidão” que é devida ao histórico socialista. “Deixa-nos a responsabilidade de continuar a sua causa”, considera Catarina Martins.

Numa nota simples, a eurodeputada Marisa Matias, eleita pelo Bloco de Esquerda, agradece o contributo deixado por Arnaut. “Obrigado”, escreve.

Numa mensagem mais extensa — e também com um cunho mais pessoal — João Semedo diz-se “amargurado, gelado e invadido por um vazio que retira todo o sentido” à mensagem que pretendia partilhar sobre este momento. O médico, ex-deputado e ex-dirigente do Bloco de Esquerda lamenta não encontrar palavras que lhe permitam descrever a “dimensão com cidadão e ser humano nas múltiplas facetas em que a sua riquíssima vida se desdobrou”. Arnaut, diz Semedo, foi “muito mais” que o pai do SNS.

Foi um insubmisso e permanente lutador da liberdade, pela igualdade e pela justiça social, um incansável combatente pelos valores da República, da esquerda e do socialismo”, diz João Semedo.

https://www.facebook.com/108642929291735/photos/a.311573825665310.1073741825.108642929291735/1080947925394559/?type=3

José Gusmão é outro dos bloquistas a assinalar a morte de Arnaut. Também no Twitter, o dirigente do Bloco de Esquerda diz que o socialista foi “uma vida única que salvou vidas incontáveis”.

Cristas realça “homem profundamente dedicado às causas em que acreditou”

A líder do CDS Assunção Cristas, que está esta segunda e terça-feira em Viana do Castelo no âmbito das jornadas parlamentares do partido foi apanhada de surpresa, tendo sido uma jornalista a dar-lhe a notícia da morte de António Arnaut.

“Não sabia, está a dar-me a notícia em primeira mão mas naturalmente que realço um homem profundamente dedicado às causas em que acreditou, nomeadamente à construção do Serviço Nacional de Saúde”, disse, saudando depois os familiares e amigos mas também o Partido Socialista, do qual Arnaut era “destacado membro e dirigente”. E acrescentou: “Todos ficamos unidos nessa perda, que é uma perda também por aquilo que é a nossa saúde. E hoje em Portugal tanto temos de batalhar para que o SNS funcione melhor. Independentemente de termos posições diferentes, o nosso objetivo é lutarmos para que possa haver melhor saúde para todos os portugueses”.

Médicos e enfermeiros lembram defesa da Saúde

O Sindicato Independente dos Médicos também já veio lamentar a morte de António Arnaut, “uma pessoa que, sem ser Médico, criou o SNS e até ao fim o defendeu em palavras e atos”. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, diz que “morreu um dos últimos homens bons e sérios” e o bastonário da Ordem dos Médicos considera ser “uma grande perda para o país, não só pelo seu papel fundamental no Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas por toda a sua atividade política, como grande defensor dos direitos, liberdades e garantias”.

Miguel Almeida considera que a figura de António Arnaut é insubstituível, destacando as suas “posições irreverentes”, tentando sempre “puxar pela carroça com o objetivo de salvar o SNS”.

Francisco George, ex-diretor-geral de Saúde, considera que “o país perde uma figura, mas ganhou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) que ele fundou”. À agência Lusa, George diz que o país “perde uma figura política de impressionável transparência, mas ganhou um SNS para sempre”.

Arnaut colocou “Portugal no topo a nível internacional”, no que diz respeito à “saúde da população, em particular das mães e das crianças”. E tinha uma capacidade de “tomada de decisão inabalável”, destaca: “A decisão, uma vez tomada, era inabalável para ele. Ia para a frente, não recuava, não estava sujeito a pressões, a interesses. Isto na perspetiva do interesse público, do interesse de todos os portugueses, no interesse dos mais pobres, mais vulneráveis.”

A última intervenção política de António Arnaut foi há duas semanas, após a desfiliação de José Sócrates do PS. Em declarações ao Observador, o presidente honorário do PS considerou que José Sócrates fez bem em desfiliar-se do partido: “É uma atitude que já devia ter tomado, em face da gravidade das acusações e das críticas severas que lhe são feitas“, já que “independentemente de ter sido culpado dos factos que lhe são imputados, que são gravíssimos, levou uma vida acima das suas possibilidades, uma vida de fausto, acima daqueles que são os padrões indissociáveis da ética republicana e socialista.”

O “pai” do Serviço Nacional de Saúde não esqueceu a “presunção de inocência”, mas frisou que Sócrates devia ter-se afastado tendo por base um “conceito antigo, que hoje está muito esquecido: a lisura”. “Para mim a honra é muito importante”. Já sabia na altura que não iria ao Congresso do PS do próximo fim-de-semana por razões de saúde.