À 15ª edição, o Cool Jazz regressa a uma das casas de partida. Em 2004, quando começou, decorreu em quatro concelhos: Mafra, Sintra, Oeiras e Cascais. Depois de várias edições consecutivas em Oeiras, este ano volta à vila de Cascais, que o recebe já no próximo mês de julho. “Isto foi um processo de namoro”, contou, em conversa com o Observador, o vice-presidente da câmara cascalense, Miguel Pinto Luz, que tem o pelouro da cultura. A conversa juntou Pinto Luz a Karla Campos, programadora do festival desde a primeira edição.
“Ficamos felizes que o namoro tenha dado em casamento. Desde que o Cool Jazz saiu de Cascais, ficou um vazio que nunca conseguimos colmatar, mesmo com as várias iniciativas que existiram e que fizemos”, apontou ainda Pinto Luz, recusando que tenha havido uma concorrência feroz com Oeiras para receber o festival (que volta a ter o patrocínio da EDP) e lembrando que a mudança foi de apenas alguns quilómetros, perto de duas dezenas deles:
É o mesmo que um festival sair de Manhattan e passar para Brooklyn ou Nova Jérsia. O sucesso de Oeiras é o sucesso de Cascais, o sucesso de Lisboa é o sucesso de Cascais e o sucesso de Cascais é o sucesso de outras vilas e cidades próximas. Não houve qualquer conspiração política, houve um movimento natural como o que aconteceu há uns anos, quando o Cool Jazz foi para Oeiras.”
Karla Campos confirmou que o desejo foi comum às duas partes: “Houve conversas e havia vontade de ambas as partes de fazer a 15ª edição do festival aqui”. A vila de Cascais foi onde se idealizou “desde início” o Cool Jazz, afirmou ainda. É por isso “natural” que a câmara e a organização tenham assinado um acordo para realizar o festival na vila durante as próximas cinco edições. Isto apesar de este ano ter sido avançado, numa primeira fase, que os dois cabeças de cartaz, Van Morrison e David Byrne, atuariam no Parque dos Poetas, em Oeiras, um dos palcos habituais do festival nos últimos anos. A informação acabou por ser corrigida e atualizada.
Para Miguel Pinto Luz, o Cool Jazz incorporou sempre a identidade de Cascais, por “ser cool” e por a vila ser “a capital portuguesa do jazz”. Foi ali que, no início da década de 1970, o fundador do Hot Clube de Portugal e grande divulgador em Portugal do género musical, Luiz Villas-Boas, montou o Cascais Jazz. Este festival, que mais tarde se passou a chamar Estoril Jazz e a ser programado por Duarte Mendonça, recebeu até estrelas internacionais, como Miles Davis, Duke Ellington, Keith Jarett, Ornett Coleman, Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan.
Além disso, a boa relação do Cool Jazz com o poder local sempre foi um dos traços que o festival manteve desde início, como recordou Karla Campos. “Este festival foi logo recebido por uma entidade que na altura existia, que era a Junta de Turismo da costa do Estoril. Ele tem um propósito de conteúdo cultural para atrair público, para gerar tráfego, para entreter o turista que está nesta zona, que é uma zona turística. Hoje há um boom gigante de turismo, mas esta indústria sempre esteve presente na cabeça de quem gere” o Cool Jazz.
“Se repararmos na tradição musical de Cascais, houve aqui o epicentro do jazz em Portugal, como o Miguel [Pinto Luz] referiu, mas também os concertos de rock no [pavilhão] Dramático de Cascais. Fazia-nos um bocadinho impressão como é que isso deixou de existir, pelo menos na vertente mais popular, porque o jazz mais erudita e fundamentalista manteve-se. Havia a vontade de voltar a ter isso mais presente aqui já em 2004. Agora ainda mais, e o turismo não foi esquecido”, acrescentou a responsável.
De um modo geral, “as condições para fazer aqui o Cool Jazz foram melhores, quer para o festival quer para a própria Câmara de Cascais”, referiu Karla Campos, sem adiantar pormenores sobre as negociações que levaram o festival a mudar de sítio e ou valores investidos nesta edição. Miguel Pinto Luz complementou, lembrando que “houve um descontinuar” do Estoril Jazz. “O Cool Jazz não o substitui, tem um posicionamento diferente [mais aberto a outros estilos musicais], mas havia uma lacuna na oferta cultural de Cascais. Sentia isso, os operadores da economia de Cascais também o sentiam, os munícipes, visitantes e turistas a mesma coisa — pediam que o festival voltasse. E conseguimos isso.”
Um festival com “prestígio e maturidade” com 14 anos de vida
Quando começou, o Cool Jazz inspirava-se no já histórico festival de jazz de Montreaux, na Suíça, que desde cedo abraçou músicos de outros géneros (da pop à soul, passndo pelos blues e folk) cujo trabalho dialogasse de alguma forma com o jazz. Misturando esses músicos com compositores e intérpretes mais tradicionais, o festival suíço tornou-se eclético e popular. Seguindo-lhe os passos, o Cool Jazz arrancou logo na primeira edição com artistas tão diferentes quanto Buddy Guy, Adriana Calcanhotto, Camané e Ravi Coltrane.
Nesta edição, o ecletismo é reforçado. Nas sete noites de concertos — 11, 17, 18, 20, 26, 28 e 31 de julho — aliam-se os cabeças de cartaz mais veteranos (David Byrne e Van Morrison) a talentos mais jovens, como BadBadNotGood, Jessie Ware, Jordan Rakei e Salvador Sobral. Ouvir-se-á ainda os cantores de jazz Gregory Porter e Norah Jones, e a mistura musical lusófona de Dead Combo, Toty Sa Med e Sara Tavares. Esta última foi escolhida pessoalmente por David Byrne para abrir o concerto do fundador dos Talking Heads, que lançou este ano um novo álbum a solo, American Utopia, que foi mais bem recebido pelo público do que pela crítica.
Para Karla Campos “os astros alinharam-se este ano”, isso só foi conseguido porque houve um trabalho contínuo ao longo de mais de uma década, explicou ao Observador: “Isto não se carrega em botões e sai aquilo que pretendemos. Alguns destes artistas [Van Morrison e David Byrne, desde logo] são artistas que tentámos trazer há muitos anos. Desde o início, aliás“. A insistência vingou e o cartaz de 2018 deixou-a satisfeita.”Está um cartaz muito Cool jazz. É um grande cartaz, digno de uma 15ª edição, mas muito focado naquilo que é o formato e estilo do Cool Jazz, que o torna diferente de outros festivais.”
Todos os artistas deste cartaz têm uma componente jazz, soul e R&B. A música portuguesa também está representada nesses segmentos. Já são 14 anos, o festival tem prestígio e maturidade e as agências internacionais já conhecem o estilo e o formato — haver poucos concertos por dia, não haver concertos em simultâneo e os artistas saberem que têm pessoas que os ficam a ver durante uma hora e meia, em vez de andarem numa correria de um lado para o outro. Sentem que têm uma noite para eles”, disse Karla Campos.
No momento de apontar os concertos que mais quer ver, Karla Campos referiu “Van Morrison e o David Byrne”, músicos “com uma qualidade incrível”, mas também o que é “novo” e “emergente”: BadBadNotGood, Jessie Ware e Jordan Rakei, por exemplo. “E não posso deixar de falar da noite que o Salvador Sobral vai curar”, acrescentou. O músico foi convidado a programar o dia 18 de julho, data em que atua, e escolheu para a primeira parte do seu espetáculo o jovem angolano Toty Sa Med.
“O Salvador, que trouxe aqui ao festival há três anos quando era pouco conhecido, vai dar um concerto muito especial. Vai fazer algo completamente diferente daquilo que tem feito e daquilo pelo qual tem sido falado“, revelou Karla Campos. No Parque Marechal Carmona, um dos dois espaços em que vão decorrer os concertos (o outro é o Hipódromo Manuel Possolo), o cantor de “Amar pelos Dois” vai juntar aos seus temas versões de alguns dos seus músicos de referência, a maioria dos quais compositores de jazz. Entre eles está um dos seus grandes ídolos, Chet Baker.
Nesta edição, o festival alia aos dois concertos noturnos diários (o de abertura, que começa às 20h, e o principal, que começa por volta das 21h30) um showcase de antecipação com músicos portugueses de jazz: Jéssica Pina, Ricardo Marques, Elmano Coelho, Vasco Pimentel, Diogo Duque e o grupo Off the Road, liderado pelo baterista Rui Pereira. As sessões começam às 19h. Paralelamente, havera ainda uma novidade chamada Lazy Sessions — DJ-sets gratuitos, a decorrer aos finais de tarde de todos os domingos de julho nos Jardins Paula Rego. As escolhas músicas das Lazy Sessions ficam a cargo de Davide Pinheiro (dia 1), Mónica Mendes (dia 8), Kalaf (dia 15), Pedro Tenreiro (dia 22) e Vítor Belanciano (dia 29).