Este domingo ficou inevitavelmente marcado pela notícia da saída de Jorge Jesus do comando do Sporting. Que, recordando a conversa com Bruno de Carvalho após a derrota na Madeira frente ao Marítimo, não é propriamente uma novidade pelo teor em si mas mais pelo timing e por surgir numa altura em que havia alguns sinais que davam conta de uma tentativa de aproximação das partes tendo em vista a próxima temporada. Por agora, não existe ainda qualquer confirmação oficial da rescisão entre clube e treinador por mútuo acordo, mas a mesma deverá ser anunciada nos próximos dias.
Ainda assim, e não havendo novidades em relação às possíveis de rescisão unilaterais de contrato de mais jogadores além de Rui Patrício e Podence, as atenções entroncam na guerra em torno da Mesa da Assembleia Geral (MAG) do Sporting e com quatro protagonistas: Elsa Tiago Judas, presidente da Comissão Transitória da MAG nomeada pelo Conselho Diretivo esta semana; Jaime Marta Soares, presidente demissionário da MAG; Dias Ferreira, antigo presidente da MAG (além de vice da Direção, nos anos 80, e candidato derrotado em 2011); e Miguel Poiares Maduro, o não presidente nesta história. Tudo antes de surgir o anúncio formal da AG Extraordinária de dia 23 de junho, que o Conselho Diretivo considera ilegal.
Na primeira intervenção pública como líder da Comissão Transitória da MAG, Elsa Tiago Judas esteve num programa especial na Sporting TV para explicar as razões que levaram o Conselho Diretivo a avançar com o afastamento da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal e Disciplinar demissionários (além de comentar a falta de justa causa nas rescisões de Rui Patrício e Podence). “Contrariamente à mensagem que tentou passar, renunciou ao seu mandato e foi confirmado junto de diversos órgãos de comunicação social. Formalmente não apresentou a demissão, mas a comunicação não perde eficácia. O artigo 39.º, no seu ponto 3, diz que basta comunicar a sua renúncia ao mandato. Todas as decisões estão fundamentadas nos estatutos, desde as decisões da Direção como a Mesa transitória. Não há ilegalidade”, prosseguindo. “O Conselho Diretivo não substituiu a Mesa, o Conselho Diretivo tem obrigação, porque os interesses do Sporting estão a ser manchados e vexados, de praticar o mais elementar ato de gestão. Qual a maneira? Substituir, segundo os estatutos, o presidente da Mesa demissionária e a Mesa demissionária. Em que apoiamos nisto? Nos poderes de gestão normal do Conselho Diretivo”.
Ao mesmo tempo, a advogada destacou também que a Assembleia Geral de dia 23 de junho na Altice Arena, que entretanto foi “desmarcada” pela Direção por estar ferida de legalidade, não poderia marcar a mesma. “Mantém-se em funções, mas os estatutos são omissos nisso. Quem está demissionário, apenas pode efetuar atos de gestão ordinária. Tinha poderes para assegurar o normal funcionamento do órgão a que presidia, para garantir a solidariedade institucional e garantir um clima de paz no clube. Marcar uma AG ordinária, que lhe foi pedida para aprovação do orçamento, não a marcou – mas tinha poderes porque era um ato ordinário”, concluiu Elsa Tiago Judas em declarações no canal do clube.
Reviravolta no Sporting: Direção substitui Mesa com Comissão Transitória e anula AG de destituição
Em resposta às declarações da advogada, Jaime Marta Soares, líder cessante do órgão, destacou que a advogada não tem qualquer legitimidade para ocupar a presidência desse órgão e reforçou a ideia de “golpe de Estado”. “O presidente da Mesa, para assumir a sua demissão, tinha de informar desse pedido ao presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar [Nuno Silvério Maques], algo que não aconteceu. Mas mesmo que o tivesse feito, a Mesa fica em funções até ao momento em que haja eleições devidamente convocadas pelos estatutos. E depois seria eu próprio, como presidente da Mesa cessante, via eleições, a dar posse a quem fosse eleito. Tudo isto cai pelo desconhecimento que [Elsa Tiago Judas] tem dos estatutos. A Mesa tem vindo a gerir todo o seu trabalho no cumprimento rigoroso dos estatutos do Sporting, que são a constituição do Sporting, a matriz de todo o processo, do respeito pelos sócios. O que o presidente da Mesa tem vindo a fazer é respeitar com rigor aquilo que é a vontade dos sócios”, salientou, acrescentando: “Estou legitimado em eleição por vontade dos sócios. E ela está legitimada porquê, por um golpe de Estado? Que não confunda o que é legitimidade democrática com sustentação estatutária”.
Sporting. Mesa da AG fala em “golpe de Estado” e pede às autoridades públicas para tomarem medidas
Mas houve mais intervenientes a abordar esta questão, nomeadamente Dias Ferreira, antigo presidente da Mesa da Assembleia Geral com José Eduardo Bettencourt que foi também vice com João Rocha e candidato derrotado nas eleições de 2011. O advogado escreveu uma carta aberta a Elsa Tiago Judas, que foi reproduzida pelo Record, onde chega mesmo a chamar “intrusa” à líder da Comissão Transitória, dando ainda o exemplo de D. Luísa de Gusmão, “a quem peço desculpa pela comparação, quando disse ‘mais vale ser rainha uma hora do que duquesa toda a vida'”.
“Desde já cabe perguntar ao abrigo de que artigo dos estatutos em vigor foi constituída a comissão a que V.Exa diz presidir? Não estando prevista nas competências da Assembleia Geral, do Conselho Diretivo, nem do Conselho Fiscal, nem do Conselho Leonino, tenho que concluir que V.Exa, em cumplicidade com o Conselho Diretivo, alterou os estatutos, criando um órgão à medida das suas legitimas ambições, mas de forma ilegítima. Isto, porque não cometo a indelicadeza de pensar que V.Exª e quem a apoia em tal desígnio, acha que a referida “comissão transitória” tem por base o número cinco do artigo quarenta e três dos estatutos: “a assembleia geral pode criar comissões para o estudo de qualquer assuntos relevantes para as atividades do clube, constituídas por sócios com capacidade eleitoral ativa. Seria ridículo que este fosse o fundamento, mas ainda assim, teria de ser a assembleia geral a criar a comissão (…) Com que direito se arroga V.Exa a destituir ou substituir Jaime Marta Soares na presidência da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal? Ao abrigo de quê V.Exa se permite convocar assembleias ordinárias e extraordinárias, comuns ou eleitorais? Com que direito V.Exa transforma a Mesa da Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal, instituição de utilidade pública, numa mesa duma tasca onde se joga a sueca ou a “bisca lambida?”, destacou numa longa missiva muito crítica para a criação da Comissão Transitória.
Órgãos do Sporting nomeados por Bruno de Carvalho são ilegais
“Está V.Exa consciente de que nas funções que tomou de assalto deve, apesar desse assalto, ser o primeiro garante do cumprimento dos estatutos? Ainda que a “transição” fosse de apenas um minuto, jamais se pode admitir que este clube tenha à frente da Assembleia Geral quem não tem o mínimo de respeito pela vontade dos sócios. V.Exa é licenciada em Direito e advogada. Não pode pois ignorar o que está a fazer. O Sporting Clube de Portugal tem presidente da Assembleia Geral e Mesa no exercício de funções, como está o Conselho Diretivo e uma Comissão de Fiscalização em vez do Conselho Fiscal. V.Exa é uma intrusa na Mesa da Assembleia Geral, num total desrespeito pelos sócios. Reflita naquilo que está a fazer, e saia com dignidade das funções que está a usurpar. Enquanto é tempo. Não deixarei de a responsabilizar disciplinar e judicialmente pelo seu comportamento”, acrescentou Dias Ferreira.
Poiares Maduro, professor universitário e antigo Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional entre 2013 e 2015, publicou também um longo texto de reflexão no seu Facebook sobre a atual situação do Sporting, onde explicou o porquê de estar a “colaborar, em conjunto com outros juristas, com a Mesa da Assembleia Geral nas ações necessárias a repor a legalidade no clube e devolver o poder aos sócios (até porque a MAG está, neste momento, desprovida de qualquer apoio do clube de que constitui o principal órgão social…)”. “É verdade que esta instabilidade é profundamente danosa para o clube e gera profunda preocupação nos sócios. Há também receios fundados que a gravidade dos comportamentos ilegais adotados possa ter consequências profundas e, nalguns casos, irremediáveis para o clube. Mas é através da lei, e adotando todas as iniciativas judiciais e legais urgentes disponíveis, que devemos repor a democracia e legalidade no clube”, sublinha.
“O que está em causa na crise do Sporting é muito mais do que o sucesso desportivo. Ouvindo os debates e discussões parece que se trata, sobretudo, de encontrar a forma de mais rapidamente estabilizar o clube, garantir a sua sustentabilidade financeira e preparar a próxima época desportiva. Na verdade, neste momento há algo ainda mais importante que isso. A crise no meu clube ganhou uma dimensão existencial. Já não está apenas em causa quem pode gerir melhor o clube, oferecer-nos mais sucessos ou melhor preservar e promover a sua imagem. Está em causa a sua sobrevivência. E não apenas (nem sequer fundamentalmente) a sua sobrevivência económica. Está em causa a existência do clube como repousando na soberania dos sócios e em que o poder é exercido de acordo com as regras e de forma democrática (…) O que aconteceu nos últimos dias pretende, no entanto, subverter este principio fundamental de que o clube pertence aos sócios e não a quem o dirige. Já não estamos perante uma avaliação da gestão nem da personalidade do presidente. Foram ultrapassadas fronteiras jurídicas que existem para proteger o carácter democrático do clube”, começou por referir na publicação.
“Usando o controle que tem sobre a administração e as instalações do clube, o Conselho Diretivo impediu aos outros órgãos sociais, responsáveis por assegurar a participação dos sócios e a fiscalização da atividade do CD, de funcionar. Impediu também, de facto ainda que sem base jurídica, a implementação das decisões que estes adotaram no quadro das suas competências próprias. Sem qualquer base estatutária, declarou mesmo a extinção desses outros órgãos sociais, eleitos pelos sócios e beneficiando de uma legitimidade igual à do Conselho Diretivo. O Conselho Diretivo decidiu, sem qualquer competência para tal, declarar que os substituía por outros não previstos nos estatutos. Numa frase: em poucos dias acabou com a democracia e separação de poderes no clube. Foi como se um governo, descontente com as decisões de um parlamento e dos tribunais, os decidisse extinguir e substituir por outros da sua escolha. (…) O que digo não implica nem exige que o Conselho Diretivo concordasse com as decisões da Assembleia Geral. Podia até contestá-las legalmente. A minha opinião é que as decisões da Mesa da Assembleia Geral estão previstas nos Estatutos e respeitam-nos plenamente. Mas, caso o Conselho Diretivo entendesse o contrário, tinha legitimidade para o contestar legalmente. O que não fez. Em vez disso, subverteu toda a ordem legal e democrática do clube para fazer prevalecer o seu ponto de vista!”, rematou.