De um lado, Maria Teresa, de 69 anos, cliente habitual da Pastelaria Suíça, no Rossio, em Lisboa. Do outro, o empregado, atrás do balcão:

— “A Suíça? Mas vai mesmo fechar?”
— “Sim, é verdade, mas nós sabemos tanto quanto vocês”
— “Acabei agora mesmo de saber, fiquei surpreendida”
— “E não vai beber sequer um garoto?”

Não, hoje Maria Teresa não vai pedir nada. À semelhança de muitos outros, passou só para saber se a notícia era realmente verdade. E confirma-se: a histórica Pastelaria Suíça, situada no Rossio, com uma esplanada atenta à agitação citadina — que em tempos foi ponto de encontro e de convívio de famílias e moradores da baixa — vai mesmo fechar portas a 31 de agosto, segundo um dos proprietários do estabelecimento, Fausto Roxo.

São 10h30 e o ambiente ainda é calmo, contrastando com os tempos dos anos 50 pela baixa. “Dantes, os clientes chegavam de manhã cedo. Abríamos às sete horas e já estava cheio porque a baixa era habitada, as pessoas vinham trabalhar e tinham prazer em vir aqui, isto fazia parte do convívio. A baixa era uma família…”, contou ao Observador Fausto Roxo.

Lá fora, há clientela na esplanada. São “os novos turistas” — que são muitos, é certo, mas para o responsável, não são “suficientes” porque “consomem pouco” –, que em nada se assemelham aos que visitavam a cidade quando a pastelaria abriu portas há quase 100 anos, diz o responsável. Sentam-se e pedem os habituais cafés, sumos de laranja ou imperiais, mas há também os que apostam nos bolos ou tostas mistas. É o caso de Kitty (uma turista espanhola que não quis ser identificada com o segundo nome). Está sentada com o marido e é ela quem fala com o Observador. Ele está atento ao mapa da cidade para programar o dia que se adivinha.

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A célebre pastelaria Suíça, em Lisboa, vai fechar

“Estava a comentar com o meu marido que dantes a pastelaria tinha mais vida e foi isso que nos chamou a atenção na altura”, contou. Há 15 anos que vêm a Lisboa e agora notam alguma diferença no número de clientes, ou melhor, na falta de agitação. “Se vai mesmo fechar, é uma pena… os bolos são muito bons, é histórica e está num local ideal”. Depois atira para o ar: “Não se sabe, talvez empresas maiores se aproveitem do espaço para outros negócios, é o mais certo, o sítio é o ideal”.

Na mesa ao lado, Mathias, de 58 anos, conversa animadamente com um amigo. Vieram da Suíça para Lisboa e, adivinhe-se, antes de regressarem a casa, aproveitaram a última hora na Suíça da baixa lisboeta. “É a segunda vez que estamos aqui. Viemos na semana passada e dissemos que tínhamos de cá voltar… bem, é a nossa última hora em Lisboa!”, contou sorridente. A parte de pastelaria — que em tempos fora o ponto forte da histórica casa lisboeta — continua ainda assim a fazer sucesso: “Os bolos aqui são os melhores… e adoro o interior, sou muito ligado à arquitetura e este espaço é maravilhoso, não está só virado para o turismo como acontece noutros locais”. Sobre o encerramento do espaço, lamenta profundamente, porque se vai “perder uma casa cheia de histórias”.

Voltamos lá dentro, ao enorme espaço, talvez um dos maiores daquela zona, e, para muitos, “o melhor” que ali existe. Ao longo dos anos sofreu várias remodelações e agora dispõe de áreas que, na altura em que Fausto Roxo pegou no negócio, em 1947, não dispunha. Em frente a um enorme balcão com os mais variados bolos está uma cliente que já conhece os cantos à casa e os funcionários do estabelecimento: há anos que vem de Moscavide de propósito para levar os “bolinhos habituais”. “Meta aí duas caixas com línguas de veado, se faz favor. Levo agora que daqui a um bocado pode já não haver”, diz a cliente, que não quis ser identificada.

— “E vocês, ficaram surpreendidos, não? Fiquei mesmo triste… Então uma pastelaria tão antiga? Já venho cá há muitos anos, não estava nada à espera”
— “É mais alguma coisinha?”
— “Para agora não… mas ainda quero cá vir!”

A fã dos bolos da Suíça despede-se com sorrisos e avança direita ao metro.

Entretanto, a agitação aumenta — o ambiente é bem diferente agora que já passa das 11h. A máquina de café não para, bem como o barulho de chávenas, pires, pratos e talheres. Os empregados andam de um lado para o outro e os clientes são muitos. A esplanada está mais composta, mas, apesar disso, “o trabalho não se compara com o que havia noutros tempos”, dizem-nos.

É que a Pastelaria Suíça chegou a ter 200 funcionários numa época em que Fausto Roxo era “o dono de Lisboa”; agora tem pouco mais de 50. Os empregados mantêm-se serenos e dizem que preferem não falar sobre o assunto: “Sabemos o que a opinião pública sabe”, rematam. Uns chegam a dizer para o ar: “A culpa é destes governantes que temos”. O anúncio foi feito pela administração da empresa um dia antes de a informação ser pública. “Escolhemos a altura certa”, diz Fausto Roxo, lembrando que as visitas dos jornalistas se repetem. “Se não o tivéssemos feito, hoje era um choque para eles [empregados]”, acrescentou. Agora, resta aos responsáveis “criar condições para pagar as indemnizações a todos eles”. Há quem tenha mais de 20 anos de casa, há quem tenha mais de 40. Ao Observador, Fausto Roxo disse que, ao contrário do que pensava, “todos eles foram compreensivos, até os que têm mais dificuldades”.

E porque é que aquele espaço vai fechar portas? Uma das razões que leva ao seu encerramento é “a falta de alguém com dinamismo para continuar a levar o espaço para a frente”, pois Fausto Roxo tem já 91 anos e “o pessoal que poderia continuar a dirigir a casa já está reformado também”. Por outro lado, “a clientela que suportava a casa foi desaparecendo”. Os bolos eram os mais cobiçados, e Fausto Roxo recorda que, na altura do 25 de Abril, esteve com o chefe pasteleiro em França e Itália a fazer um curso. Quando chegaram a Portugal fizeram “uma renovação dos produtos. Não está bem a ver, foi um êxito”. Mas esse êxito já não existe: “Agora é pouco estimulante, vemo-nos rodeados de uma incapacidade para continuar”, remata.

O proprietário diz que poderiam abrir portas noutro local, mas “dada a atual legislação”, pergunta, “quem é que se arrisca a abrir um estabelecimento, a fazer um investimento destes?”. Com os antigos senhorios, conta, ainda tentavam negociar, mas, agora “com estes fundos, que são tão fundos que não se consegue ver nada” — diz, referindo-se ao fundo de investimento que comprou o conjunto de prédios em questão e que tem sede em Espanha, o Mabel Capital — não há hipótese porque não conhecem o “senhorio”.

Há cerca de dois anos que os proprietários sabem que a renovação do contrato de arrendamento com o fundo proprietário do espaço não é possível, pelo que a única solução para ali continuarem — pelo menos por mais cinco anos — seria a candidatura à classificação de Loja com História. E foi isso mesmo que fizeram, porém na altura em que concorreram, não tinham ainda feito “contas dos encargos” que isso representava para a empresa. Depois de fazerem um estudo económico, perceberam que, pela perda de rendimentos que têm tido desde há ano e meio — “altura em que foram colocados os tapumes [num dos lados do edifício]” –, não seria viável continuarem com o negócio. Até porque, já no próximo mês, a parte da esplanada será ocupada com tapumes e, “se não há esplanada, não há clientes”.

É certo que a concorrência é feroz por estes tempos, motivo pelo qual Fausto Roxo crê que a alteração de preços, por exemplo, não seria viável. Segundo ele “é algo que não compensa” e, acrescenta: “A tabela de preços é a mesma desde há três anos”. As encomendas diárias de enormes quantidades de bolos e produtos de pastelaria que tinham antigamente já não existem e deram lugar a simples pedidos feitos à pressa por aqueles que passam, ou aos pedidos “mais modernos” feitos por parte dos estrangeiros. Os três turnos com 22 pasteleiros que existiam antes do 25 de Abril foram substituídos por apenas um turno. A casa, por onde passaram “inúmeras figuras célebres” e até mesmo “os pais do atual Presidente da República”, e que está “retratada em muitos romances”, encerra portas no próximo dia 31 de Agosto. Fausto Roxo não quer pensar no depois, diz que não pode — “A partir de certa altura devemos deixar correr as coisas sem estar com muitos desgastes pessoais”, afirmou. É certo que lamenta a decisão, inevitável, e faz questão de dizer que “este país há de ficar dececionado com o turismo, porque os números não são qualidade”. Olha à volta e recorda: “As minhas economias de uma vida inteira estão aqui dentro”.