O juiz do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, Anthony Kennedy, anunciou que se vai reformar a 31 de julho, deixando os liberais americanos a temer uma maioria conservadora na instituição que pode durar décadas e vir a reverter algumas das mais importantes vitórias dos liberais nas últimas décadas.

A notificação formal foi entregue ao presidente, Donald Trump, esta quarta-feira. Num comunicado emitido pelo Supremo Tribunal, o juiz explica que decidiu retirar-se para poder passar mais tempo com a família. “Tem sido a maior honra e privilégio servir o nosso país no judiciário federal durante 43 anos, 30 desses anos no Supremo Tribunal”, citou o comunicado.

Anthony Kennedy completa 82 anos em Julho e é atualmente o juiz há mais anos no Supremo Tribunal, tendo sido nomeado ainda por Ronald Reagan e prestado juramento em 1988. Considerado um conservador moderado, Kennedy é visto como o elemento mais influente dos nove membros da instituição por ter demonstrado oscilação no voto, dando voto favorável em matérias em que não era expectável de um juiz nomeado por um presidente republicano. Ainda que tenha alinhado maioritariamente com os juízes conservadores (em 15 dos 20 casos em que participou), foi o seu voto que deu a vitória aos liberais em questões polémicas, já que o tribunal é composto por nove juízes, e, para além de Kennedy, quatro eram liberais e outros quatro conservadores. Anthony Kennedy garantia um certo equilíbrio de poderes entre conservadores e liberais no tribunal.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O juiz teve um papel essencial na legalização do casamento homossexual, apoiou em diversas ocasiões o direito das mulheres a abortarem, defendeu a ação afirmativa dos políticos (ações que visam favorecer grupos historicamente injustiçados, como os afro-americanos) e impôs limites à pena de morte, impedindo a sua aplicação a menores ou pessoas intelectualmente incapacitadas.

Com a reforma do jurista, Donald Trump tem agora a oportunidade de nomear um novo juiz — o segundo desde que tomou posse — e assim consolidar de forma decisiva a maioria conservadora. Consequentemente, toda a jurisprudência criada com as decisões onde o voto de Kennedy foi decisivo, pode vir a ser revertida a favor dos conservadores, caso novos casos com contornos semelhantes sejam novamente avaliados pelo Supremo.

O substituto do juiz deverá ser escolhido a partir de uma lista de nomes divulgada por Trump ainda durante a campanha eleitoral em 2016, aquando da morte do juiz Anthonin Scalia. Todos os 25 juristas incluídos na lista são publicamente assumidos como mais conservadores que Kennedy e consequentemente mais alinhados com as ideias promovidas pelo Partido Republicano.

Perante a possibilidade de Trump conseguir alterar o equilíbrio de poderes da jurisprudência e por temerem as consequências que isto poderá ter, democratas e liberais têm usado a rede social Twitter para expressar as suas preocupações. Se muitos se demonstram revoltados pelo momento em que o jurista anunciou a reforma, alguns temem que outros membros do tribunal abandonem também o cargo durante o mandato de Trump, nomeadamente Ruth Bader Ginsburg (85 anos) e Sonia Sotomayor (que teve uma oposição decisiva nas tentativas de Trump impor a proibição da entrada no país com base na nacionalidade dos viajantes).

As decisões que o Supremo Tribunal toma, nos casos que aceita rever, criam jurisprudência que é usada nos tribunais americanos para a tomada de decisões em casos semelhantes. Os juízes são os responsáveis pela interpretação da Constituição dos Estados Unidos e quando são nomeados não podem ser afastados por quem os escolhe.

https://twitter.com/barrybeingbarry/status/1012156559705759745

A constatação do poder que Trump tem em mãos levou até a que alguns americanos questionassem o próprio sistema por nomeação para um cargo com tanta influência.