Portugal jogou com o plantel completo na última quinta-feira. No Vaticano, o Papa Francisco elevou D. António Marto a cardeal (ou seja, temos reforço no conclave), mas o brilharete não ficou por aí. Na outra ponta da mesma cidade e à mesma hora, quatro da tarde, cinco portuguesas deram provas de mérito e talento (sim, porque, no caso, a fé não é para aqui chamada) em cima da passerelle. Os criadores nacionais voltaram a fazer parte do programa da Altaroma, um concurso reservado a novos designers de moda que decorre até domingo, com o selo da Vogue Itália. Quem programa o evento não terá tido em conta a hora a que o bispo virou cardeal. Muito provavelmente o acaso terá ficado por conta de um alinhamento de astros qualquer. Isso, ou o divino está mais atento ao calendário da moda do que imaginamos.
Recapitulemos: a agenda de desfiles dedicada à moda masculina terminou há poucos dias, com os manequins portugueses a brilharem nas grandes passerelles mundiais, a semana de alta-costura, em Paris, está mesmo à porta (arranca dia 1 de julho) e, pelo meio, o Portugal Fashion volta a fazer uma paragem em Roma. Depois de, em janeiro deste ano, ter levado os criadores David Catalán, Inês Torcato e Nycole (na verdade, essa foi a primeira vez que designers do espaço Bloom voaram até à capital italiana), a organização escolheu um quinteto fantástico em que apenas Nycole, marca sob a direção criativa de Tânia Nicole, marca presença pela segunda vez consecutiva. A ela juntaram-se Maria Meira e Mara Flora, vencedoras do concurso Bloom na última edição do Portugal Fashion no Porto, em março, bem como outras duas aquisições recentes da plataforma reservada a criadores de moda em início de carreira: Joana Braga e Daniela Pereira. O empoderamento feminino foi real e, nesta tarde de quinta-feira, percorreu a passerelle.
Num único desfile, sem grandes interrupções, além das necessárias transições musicais e trocas de roupa, as cinco apresentaram as suas propostas para o verão de 2019 — todas, à exceção das duas vencedoras de março que, naturalmente, levaram para a Cinecittà as coleções com que conquistaram a medalha, referentes à próxima estação fria. Desta vez, o local escolhido foi, no mínimo, especial. A cidade do cinema tem estúdios a perder de vista e, paredes meias com o local onde decorreram os desfiles, cenários monumentais de antigas edificações romanas, tudo a céu aberto. Inspiração não faltou, mesmo que os nervos, sobretudo para as que são novas nestas andanças, não dêem grande margem para apreciar a vista.
“Isto sempre foi o que quis fazer. É um grande check na minha lista de desejos”, afirma Maria Meira, minutos após o final do desfile. Podem ter sido apenas seis coordenados, mas não é por isso que a descompressão é menor. Como, por norma, acontece no processo criativo da jovem designer, na origem da coleção estão as artes plásticas, em particular a obra do holandês Shai Langen. O corpo feminino foi assumido na sua vulnerabilidade e os coordenados, apresentados pela segunda vez numa passerelle, vivem do contraste de rendas delicadas e de saias plissadas, cheias de movimento, com componentes em PVC e percintas a dar aquele toque desportivo, aparentemente, tão essencial à vida, nos dias de correm.
“Ficámos horas numa sala. Passaram-nos umas 50 pessoas pela frente, rapazes e raparigas”, conta Mara Flora, a outra vencedora do concurso Bloom. O que descreve é a primeira experiência num casting de modelos, nova realidade para quem acaba de subir meia dúzia de degraus na carreira. Apesar de principiante, é a primeira a reconhecer a exigente e metódica arte da alfaiataria. Podera, utilizou-a do princípio ao fim da coleção. A par com os fatos largos, explorou os franzidos ao limite, criando texturas para enriquecer cada look. Quanto à paleta, cingiu-se a duas cores: vermelho vivo e branco marfim.
Com uma coleção acabada de chegar de Paris está Tânia Nicole, nome já conhecido do calendário do Portugal Fashion. A logística, essa, pode resumir-se numa única palavra: correria. Depois de uma semana em showroom, a designer fez as malas e deixou para trás mais uma passagem pela capital francesa. Com ela trouxe referências, à partida, desconexas — basebol, uma lenda do rock e os sempre promissores anos 70. “Começou tudo com um livro dos Led Zeppelin que tinha lá em casa com várias imagens de concertos deles no Japão. Depois disso, descobri que o basebol é mesmo um desporto-rei no país”, explica a criadora. A fórmula chegou à sala de desfiles com os ingredientes praticamente intactos — camisas, t-shirts e sweatshirts a fazer lembrar os equipamentos da modalidade e pulôveres de malha sem mangas quase tão datados como os que usava Jimmy Page (estes só não são tão justos como os originais). Nycole apresentou 14 coordenados na Altaroma, as restantes ficaram pelos seis. Sinais de uma marca mais crescida, mas também com outras preocupações. Para Roma, veio a parte mais comercial da nova coleção, pensada para competir no preço e na usabilidade. Mas para outubro, altura de mais uma edição do Portugal Fashion, a designer promete outras peças, mais complexas e autorais. Fala mesmo em prints japoneses, uma mistura ambiciosa mas que não é impossível de fazer resultar.
Com 22 anos, Joana Braga é a mais nova da comitiva. Embora tenha sido “La Collectionneuse”, filme de Éric Rohmer, a lançar a semente desta coleção, é a máxima italiana do dolce far niente que lhe assenta que nem uma luva. Afinal, a procrastinação é um direito universal (se não é, devia) e, para isso, Joana desenhou o guarda-roupa de sonho. “Mais do que deixar algo inacabado, foquei-me na ideia de adiar, como quando me aborreço com a peça que estou a fazer e vou começar outra”, explica. Demasiado zelosa dos seus acabamentos para deixá-los a desfiar, optou por suprimir mangas, mudar a direção das riscas e por baralhar a natural anatomia do vestuário, pondo um colarinho numa manga, por exemplo. Tudo isto, com um espírito veraneante imaculado. Afinal, há lá melhor estação no ano para não se fazer nada.
Daniela Pereira voltou a chamar a atenção da sala para o menswear. Com Nycole, foi embaixadora da moda masculina, com Pina Bausch, descobriu que as roupas também dançam. Da fluidez do cupro à complexidade dos plissados mexicanos, Daniela reuniu técnicas exigentes e materiais dedicados para fazer jus à sua interpretação da obra da coreógrafa: a feminilidade do homem. No currículo, a jovem designer traz já um estágio num dos ateliers de Haider Ackermann, criador colombiano sediado em Antuérpia. A experiência, conta-nos, abriu-lhe os horizontes no que toca ao guarda-roupa masculino. Com o mestre aprendeu a redobrar a atenção dada aos detalhes. Mais do que uma tendência primavera-verão, é este o estilo que quer definir daqui para a frente.
O Observador viajou para Roma a convite do Portugal Fashion.