A França ganhou o Campeonato Mundial de futebol no domingo e na segunda-feira Trevor Noah brincou com a vitória gaulesa nas redes sociais e no The Daily Show, o programa que apresenta desde 2015, quando substituiu o então anfitrião  Jon Stewart. No Instagram, o comediante publicou uma foto com barco de refugiados a levar a taça de campeão, que França se prepara para apanhar.

https://www.instagram.com/p/BlR01lsHfOm/?taken-by=trevornoah

Um dia depois, no The Daily Show, festejou a vitória…africana: “Estou tão contente! África ganhou o Mundial, África ganhou o Mundial, África ganhou o Mundial! Percebo que têm que dizer que é a equipa francesa, mas não se ganha aquele bronzeado no Sul de França. A França é a equipa africana de reserva. Quando a Nigéria ou Senegal perdem, começamos a torcer por ela.”

A piada de Trevor Noah tem como base o facto de vários jogadores da seleção francesa que esteve no Mundial terem ascendência africana (nascidos em França mas com dupla nacionalidade), sendo que dois deles nasceram mesmo em países daquele continente: Steve Mandanda (Zaire) e Umtiti (Camarões).

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Mas o embaixador francês nos Estados Unidos, Gerard Araud, não gostou e enviou uma carta ao comediante, onde diz, entre outras coisas, que 21 dos 23 convocados por Didier Deschamps nasceram no país e que “foram educados em França, aprenderam a jogar em França e são cidadãos franceses. Têm orgulho no seu país, França”.

Dos 23 jogadores que ganharam o Mundial, dois nasceram em África e 12 tem ascendência africana. (Matthias Hangst/Getty Images)

Trevor Noah respondeu à carta do embaixador, lendo-a com um sotaque afrancesado, no segmento Between the Scenes, com direito a pausas para fazer observações. Logo no início, Gerard Araud escreve que as palavras do comediante “sobre uma vitória africana não podiam ser menos verdadeiras”. Primeira pausa, primeira resposta de Noah: “Acho que podiam ter sido menos. Podia ter dito que eram escandinavos”.

Na carta o embaixador refere também que a origem dos jogadores é um reflexo da diversidade francesa. Resposta? “Não quero ser idiota, mas acho que é mais o reflexo do colonialismo francês”. E continuou: “Todos esses jogadores, se traçarmos a sua linhagem, perguntamos como é que se tornaram franceses. Como é que a vossa família começou a falar francês? Ah, está bem!”

“Ao dizer que eles são um equipa africana é como se estivesse a negar o seu ‘francesismo’. Além disso, legitima a ideia de que ser branco é a única definição de ser francês”, escreveu o embaixador francês nos EUA. O comediante respondeu usando o seu próprio exemplo, uma vez que é sul-africano: “Tendo vindo da África do Sul, de África, e vendo o Mundial nos EUA, os negros de todo o mundo estavam a celebrar a ‘africanidade’ dos jogadores franceses num sentido positivo”.

O que acho estranho nestes argumentos é as pessoas dizerem que eles não são africanos, são franceses. Eu pergunto, porque é que não podem ser ambos? Quer dizer que para se ser francês tem que se eliminar tudo o que é africano? Eu adoro os jogadores. Paul Pogba, N’Golo Kanté, adoro-os, adoro o quão africanos são e o quão franceses são”, continuou

Trevor Noah aproveitou ainda para criticar os políticos, por algo que considera ser uma diferença de tratamento quando se fala da origem de migrantes africanos, “especialmente em França”, como o próprio faz questão de frisar: “Quando são desempregados, quando cometem um crime ou quando são considerados desagradáveis dizem que são imigrantes africanos. Mas quando dão a vitória à França no Mundial já são franceses”.

Vimos isso no caso do homem africano que trepou um prédio para salvar um bebé. Quando salvou a criança deram-lhe a nacionalidade francesa. Disseram, ‘agora és francês’. Portanto, ele agora já não é mais africano? É isso que estão a dizer? Quando ele estava no chão era africano e quando salvou a criança já era francês. Se tivesse deixado cair o bebé já era o africano que tinha deixado cair o bebé”, exemplificou.

Para concluir, o apresentador do The Daily Show realça que não pretende negar a origem francesa dos jogadores: “Quando digo que são africanos não o faço para os excluir do seu ‘francesismo’ mas para os incluir na minha ‘africanidade’. Vou continuar a celebrá-los como africanos porque acredito que são de África, os pais são de África, e podem ser franceses ao mesmo tempo. Se os franceses dizem que eles não podem ser as duas coisas, então eles é que têm um problema, não eu”.