O prolongamento do prazo de exploração das barragens atribuídas à EDP, sem a realização de um concurso público, terá sido ilegal, admitiu o ex-presidente da ERSE (Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos) na comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas do setor elétrico. Vítor Santos invocou a conjugação de dois diplomas, a lei de 2006 que define as bases do sistema elétrico e as cláusulas estabelecidas nos contratos originais, os CAE, de remuneração destas centrais, para concluir que o “concurso público seria obrigatório”.
Em causa está uma decisão tomada pelo ex-ministro da Economia, Manuel Pinho, em 2007 que na transição dos contratos de aquisição de energia para o regime dos CMEC, estendeu até 25 anos o prazo de concessão destas centrais à EDP, para além do prazo previsto nos contratos iniciais.
Depois de apontar responsabilidades aos governos — do PSD/CDS — que aprovaram o regime legal dos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual) por terem deliberadamente retirado poderes ao regulador para atuar na produção de energia, o ex-presidente da ERSE foi questionado pelo deputado social-democrata Jorge Paulo Oliveira sobre as decisões tomadas pelo Governo que se seguiu, o de José Sócrates.
A extensão do prazo de concessão das barragens em troca de um pagamento da ordem dos 700 milhões de euros ao Estado foi investigada pela Comissão Europeia para averiguar a existência de eventuais ajudas de Estado à EDP. Bruxelas arquivou o processo, mas a necessidade desta decisão ser antecedida de um concurso, ainda estará a ser avaliada pelas autoridades europeia.
Vítor Santos reconhece que a forma como ficou definida a extinção antecipada dos contratos de aquisição de energia (CAE), e que antecede a entrada e vigor do regime dos CMEC, tornou necessário assegurar o acesso à licença de produção e a extensão do domínio público hídrico. Mas o que devia ter acontecido é que a decisão devia ser limitada ao prazo dos CAE. Mas essa não foi a decisão tomada”.
O ex-presidente da ERSE diz que a decisão do Governo foi a de prolongar o prazo de exploração das barragens até ao fim do prazo dos ativos de construção civil, os paredões. Ora, “isto podia ser feito, mas deveria ter havido um concurso público. E porquê? Por causa do decreto-lei de 2006 que define as bases do sistema elétrico e que estabelece um regime de produção de mercado”.
O ex-presidente da ERSE cita ainda uma clausula dos contratos originais, os CAE das barragens, que estabelecia que, um ano antes do fim do prazo destes contratos, teriam de ser lançados concursos para a exploração e equipamento dessas barragens, para a licença de produção e o acesso ao domínio público. “Essa obrigação resulta da conjugação dos CAE e da lei de bases do setor. O concurso público seria obrigatório”.
“Pelas suas palavras conclui que essa decisão está ferida de ilegalidade”, resume o deputado do PSD. Vítor Santos não contraria esta conclus\ão e adianta que o mesmo problema se verifica em relação ao prolongamento da licença de produção da central de Sines, também atribuído à EDP, mas sem contrapartidas financeiras para o Estado. O ex-presidente da ERSE, que esteve em funções entre 2007 e 2017, revela ainda que o regulador não deu qualquer parecer sobre estas decisões da Direção-Geral da Energia, tutelada pelo Ministério da Economia, e pelo Ministério do Ambiente.
O ex-presidente da ERSE também discorda da metodologia usada para calcular a compensação paga pela EDP ao Estado em troca da extensão do prazo das barragens. O Estado acabou por aceitar o valor apontado por dois consultores financeiros que trabalhavam para a elétrica, em detrimento das contas apresentadas pela REN (Rede Energética Nacional) que apontavam para um valor de retribuição que era praticamente o dobro. O montante da compensação entregue pela EDP ao Estado por decisão do Governo de Manuel Pinho acabou por ser validado pela Comissão Europeia.
Apesar de admitir que existe alguma pertinência no argumento invocado por Bruxelas, Vítor Santos considera que o diferencial entre as taxas usadas não deveria ser tão grande. E quanto questionado pelo deputado do Bloco de Esquerda, Jorge Costa, sobre se os consumidores pagaram mais cerca de 700 milhões de euros por causa destes cálculos, o ex-presidente da ERSE concorda.
O deputado do PSD confrontou Vítor Santos com sobrecustos denunciados no parecer original da ERSE, da ordem dos 820 milhões de euros que não se verificaram. Vítor Santos admite que nem todas as previsões sobre custos futuros para o sistema se vieram a confirmar.