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Por que razão é preocupante a bactéria multirresistente de Penafiel?

Este artigo tem mais de 5 anos

A bactéria multirresistente detetada no hospital de Penafiel pode ser mais comum do que aparenta. Todos os hospitais deviam colocar em isolamento quem é portador. Mas nem todos o fazem.

Escherichia coli (à esquerda) e a Klebsiella pneumoniae são duas bactérias que vivem no intestino, mas que se crescerem descontroladamente causam uma infeção
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Escherichia coli (à esquerda) e a Klebsiella pneumoniae são duas bactérias que vivem no intestino, mas que se crescerem descontroladamente causam uma infeção

Microrao/Wikimedia Commons

Escherichia coli (à esquerda) e a Klebsiella pneumoniae são duas bactérias que vivem no intestino, mas que se crescerem descontroladamente causam uma infeção

Microrao/Wikimedia Commons

Há 35 pessoas em isolamento no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS), em Penafiel, por causa de uma bactéria, a Klebsiella pneumoniae, em particular de uma variedade desta bactéria que é resistente a vários antibióticos (incluindo os carbapenemes).

Das 35 pessoas só há sete infetados, ou seja, só sete pessoas estão doentes por causa desta bactéria. Apesar de o CHTS não ter especificado que tipo de infeção afeta cada um dos doentes, o mais comum é que a Klebsiella pneumoniae provoque uma infeção urinária, mas também pode ser mais grave e infetar os pulmões ou o sangue. Em 2015 e 2016 morreram seis pessoas em Portugal, em meio hospitalar, infetadas pela estirpe multirresistente desta bactéria.

Entre as pessoas em isolamento em Penafiel, 28 vivem com a bactéria sem problemas — diz-se que são portadores ou estão colonizados. Então porque estão isoladas? E será que há doentes noutros hospitais com a mesma bactéria?

A Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemases (ou KPC) é um tipo de bactéria resistente aos carbapenemes e está muitas vezes associada às infeções hospitalares. A sua transmissão pode ser prevenida com uma limpeza adequada dos locais e dos equipamentos e com medidas de higiene a serem cumpridas por profissionais de saúde, doentes e familiares. Estar em isolamento é uma das medidas que ajuda a prevenir que esta doença seja transmitida a doentes mais sensíveis.

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Sobe para 35 o número de doentes isolados em Penafiel devido a bactéria

As várias bactérias do género Klebsiella, incluindo a Klebsiella pneumoniae, vivem naturalmente nos nossos intestinos. A estirpe multirresistente pode estar presente em várias pessoas sem que elas cheguem alguma vez a aperceber-se disso. Por isso, não é de estranhar que outros hospitais do país (sejam públicos ou privados) tenham pessoas com Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemases. De estranhar é que essas não estejam em isolamento como recomenda a Direção-Geral da Saúde.

O Observador esclarece que bactéria é esta e até que ponto se precisa de preocupar por conviver com uma pessoa portadora de uma bactéria multirresistente.

Porque é que as pessoas foram isoladas?

Tanto as pessoas que têm uma infeção com a Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemases (KPC) como as que são só portadoras podem transmitir esta bactéria a outras pessoas (ou ao ambiente). Isto é particularmente grave em contexto hospitalar porque as pessoas internadas já estão numa condição vulnerável e porque há mais intervenções — como picadas para tirar sangue ou algaliações para ajudar as pessoas a urinar. O risco de infeção é maior, porque a bactéria tem mais pontos de entrada disponíveis.

Mantendo as pessoas isoladas ou num quarto com outras pessoas na mesma condição facilita o trabalho dos profissionais de saúde e das equipas de limpeza, que devem ter uma atenção redobrada nestes quartos e com estes doentes.

Que cuidados devem ter quando voltarem para casa?

Como a Klebsiella pneumoniae vive nos intestinos e pode sair do corpo pelas fezes, as pessoas que sejam portadoras da bactéria multirresistente devem ter mais atenção aos cuidados de higiene, especialmente quando vivem com outras pessoas. De resto, podem fazer uma vida normal.

Lavar bem as mãos depois de ir à casa de banho, manter a casa de banho e pontos de contacto limpos, como botão do autoclismo, torneira do lavatório ou puxador da porta são as recomendações básicas. “Claro que se tiver em casa doentes imunossuprimidos [com o sistema imunitário debilitado] devem ter cuidados especiais. Mas o risco de contágio não é grande”, diz Carlos Palos, médico internista no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures.

Carlos Palos: “Algumas pessoas nunca tomaram antibióticos e já têm as bactérias resistentes aos antibióticos”

Que cuidados devem existir nos hospitais para evitar a contaminação com bactérias?

A primeira regra é básica: os médicos e outros profissionais de saúde devem lavar as mãos antes e depois de examinarem um doente. Sempre. Parece simples e lógico, mas nem sempre é cumprido. Depois, os equipamentos devem ser limpos entre doentes. Mas quem já esteve num hospital ou num consultório sabe que nem todos os médicos limpam o estetoscópio com uma compressa embebida em álcool entre cada doente e que a máquina de medir a tensão não é limpa de cada vez que é usada.

No caso dos doentes em isolamento, o ideal seria que os equipamentos fossem usados exclusivamente com aqueles doentes e que não circulassem pela enfermaria. E, se possível, que houvesse uma equipa de enfermeiros e auxiliares dedicados em exclusivo àqueles doentes. É também importante que os doentes em isolamento tenham uma casa de banho que não seja utilizada por outras pessoas e que haja um reforço da limpeza.

É que, para agravar a situação, a Klebsiella pneumoniae é uma bactéria que se mantém muito tempo no ambiente, ou seja, nas superfícies e equipamentos. Há outras bactérias que também se mantém no ambiente, mas são mais fáceis de combater que a KPC.

Manter-se no ambiente significa que ficam nos tampos das sanitas, nos ralos dos lavatórios, nas cortinas que separam as camas dos doentes, nas microfissuras que se formam nos colchões, nos puxadores das portas e torneiras ou até nos teclados e computadores dos profissionais de saúde. Em suma, em todos os locais onde se toca. O que significa que todas estas superfícies deviam ser muito bem limpas.

O problema é que limpar instalações hospitalares não é como limpar um escritório, os empregados de limpeza precisam de formação específica sobre como devem fazer o trabalho e perceber os riscos de uma limpeza mal feita. Carlos Palos admite que com a elevada rotatividade de pessoal nas empresas de limpeza contratadas seja difícil conseguir um bom trabalho. Mas acredita que se a limpeza fosse bem feita “poderíamos reduzir a carga bacteriana nos hospitais”.

Que cuidados devem ter as visitas dos doentes isolados?

Antes de mais, Carlos Palos recomenda que as visitas não fiquem assustadas com a questão do isolamento. O que devem é seguir as recomendações: lavar as mãos antes e depois da visita, usar batas ou aventais e luvas sempre que receberem instruções nesse sentido. E, acima de tudo, não devem usar as casas de banho dos doentes (que muitas vezes se localizam no próprio quatro). Mais uma vez, se a bactéria existe no intestino, a forma mais fácil de contágio é exatamente na casa de banho.

O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) diz, ao Observador, que é feita “uma grande aposta na informação ao contactante [às pessoas que estiveram em contacto com o portador] e visitas através de folhetos informativos e do ensino da higienização das mãos à entrada e à saída da unidade do doente”.

Quantos hospitais têm neste momento pessoas portadoras de KPC?

Casos de KPC

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No espaço de dois meses, em 2015, foram identificadas 30 pessoas contagiadas com KPC no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. Dessas, apenas oito tinham a infeção, as restantes era portadores. Houve três vítimas mortais.

Em janeiro de 2016, três pessoas morreram no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Entre janeiro e fevereiro, mais 24 pessoas estiveram em isolamento por causa da KPC, mas destas só oito tinham infeção com a bactéria.

Em junho de 2016, o Centro Hospitalar Conde de Ferreira manteve em isolamento cinco pessoas portadoras de KPC.

A recomendação da DGS é que no momento da admissão no hospital todos os doentes que pertençam a um grupo de risco façam um rastreio, lembra Carlos Palos, que é coordenador do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA) no Hospital Beatriz Ângelo e no grupo Luz Saúde. Nos grupos de risco estão pessoas que tenham sido portadoras de KPC no último ano, que tenham estado internadas num hospital, que estejam em lares ou em centros de cuidados continuados ou paliativos, que tenham sido submetidos a cirurgias, que tenham dispositivos invasivos (como ventiladores) ou que tenham feridas crónicas.

O Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, que teve três mortos em 2016 por causa de KPC, confirma que é feito um rastreio na admissão dos doentes ao hospital, nos doentes internados na instituição e nos contactantes (aqueles que estiveram em contacto com os portadores da bactéria e infetados). “Nas medidas de prevenção e controlo da disseminação há um grande enfoque na comunicação célere da identificação de casos positivos, que desencadeia toda uma série de medidas de prevenção e controlo”, acrescenta o CHUC.

Para fazer o rastreio, recolhe-se com uma zaragatoa uma amostra retal e em 48 horas, no máximo, é possível saber se a pessoa é portadora de KPC ou não. Um procedimento semelhante — uma zaragatoa nasal e/ou retal — é uma prática comum para a deteção de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA), outra bactéria multirresistente. Para Carlos Palos, o doente deveria ficar logo em isolamento até haver confirmação do laboratório, mas nem sempre isso acontece.

Se os hospitais estão a fazer isto [rastreio de KPC]? Não sei. Acho que vão reagindo à medida que têm problemas”, diz Carlos Palos. O médico acrescenta que no Hospital Beatriz Ângelo é “feito o rastreio na admissão e o isolamento dos doentes a partir da urgência”.

O médico que já fez parte do grupo que coordena o PPCIRA na DGS diz que as recomendações existem, mas que a DGS não fiscaliza se os hospitais as estão a cumprir. “A DGS não sabe se os hospitais estão a seguir as recomendações ou não. A DGS emana normas de qualidade, mas deveria haver uma forma de vigilância e auditoria, uma espécie de ASAE [no sentido de entidade fiscalizadora]”, diz o médico.

Em resposta ao Observador, o PPCIRA da DGS diz que “é então fundamental o cumprimento da recomendação da DGS, emanada
em 2017 [que está em revisão para se tornar norma], que concilia a melhor evidência cientifica disponível sobre esta
matéria, a nível internacional”. O PPCIRA defende que “os doentes devem ser sinalizados durante um ano e essa sinalização deve constar do processo clínico do doente e ser transmitida a outros níveis de cuidados quando o doente tem alta ou é transferido”.

Sempre que os prestadores de cuidados de saúde detetem a existência de uma bactéria multirresistente, o material biológico onde foi detetada a presença dessa bactéria (como sangue ou urina, por exemplo) deve ser enviado para o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), responsável pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das Resistências aos Antimicrobianos. “É obrigatória a notificação à Direção-Geral da Saúde dos microrganismos ‘alerta’ e ‘problema’, por todos os laboratórios de patologia clínica/microbiologia do Sistema Nacional de Saúde”, refere a norma de 2013. Os microorganismos “alerta” devem ter notificação imediata, no prazo de 48 horas, e os microorganismos “problema” com uma periodicidade de três meses.

Portugal está a perder a luta contra as bactérias resistentes

A KPC é um problema assim tão comum em Portugal?

De 2013 para 2016, Portugal teve um aumento da percentagem de casos de Klebsiella pneumoniae resistentes aos carbapenemes, segundo dados do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo da Doença (ECDC, na sigla em inglês). E isto considerando que nem todos os hospitais em Portugal reportaram os casos que tiveram. Portugal apresentava assim uma situação pior do que a Europa, onde, em geral, tinha havido uma estabilização da frequência da infeção.

“Se não nos organizamos como país não vamos conseguir dar a volta”, diz o médico. Tem de haver mais investimento no rastreio aquando a admissão do doente no hospital e na limpeza dos espaços e equipamentos, sem esquecer o papel importante que os profissionais de saúde têm para evitar a disseminação da bactéria. Mas Carlos Palos também tem uma palavra para as administrações dos hospitais: “Têm de olhar para isto, não como um problema, mas como um investimento, porque se não o fizerem vão ter de lidar com o problema mais tarde”.

É muito difícil tratar uma infeção com KPC?

As KPC são bactérias multirresistentes (resistentes a vários grupos de antibióticos), mas podem ser sensíveis a outros antibióticos disponíveis. Além disso, lembra Carlos Palos, “a maior parte das infeções com KPC são infeções urinárias”, ou seja, fáceis de tratar. Também existem situações mais graves em que a bactéria infeta o sangue e, nestes casos, a mortalidade é maior. A opção é usar mais do que um antibiótico em simultâneo para que o efeito antibiótico seja potenciado.

Como última linha de tratamento, quando tudo o resto falhou, pode usar-se colistina, um antibiótico antigo que se mostra eficaz no combate à KPC. Mas países como Grécia, Roménia e Itália começam já a apresentar um elevado número de doentes com KPC resistentes a este antibiótico.

E se os antibióticos deixarem de tratar infeções?

Porque é que a Klebsiella pneumoniae se tornou multirresistente?

Carlos Palos não tem dúvidas: a principal causa do aparecimento de bactérias multirresistentes é o uso errado de antibióticos. No caso particular da KPC é o uso indiscriminado de quinolonas e cefalosporinas de terceira geração (dois tipos de antibióticos) para tratar infeções urinárias, respiratórias e gastrointestinais.

Claro que as infeções causadas por bactérias devem ser tratadas com antibióticos, mas nem todas as infeções referidas são causadas por bactérias e nem todas são sequer infeções. Mesmo para tratar as infeções bacterianas, existem outros antibióticos que podem ser usados.

Vamos por partes. A maior parte das infeções respiratórias, como a gripe, são causadas por vírus, logo os antibióticos não servem para tratar este tipo de doenças. Já a maior parte das infeções urinárias são causadas por bactérias, o problema é que nem sempre os sintomas apresentados correspondem a uma infeção, alerta o médico.

Todos os centros de saúde deveriam ter testes de sangue rápidos para perceber se a infeção era causada por uma bactéria ou por um vírus e análises de urina rápidas para perceber se havia infeção bacteriana do trato urinário ou não, defende Carlos Palos.

Outra coisa que o médico critica é que se façam análises de rotina às pessoas nos lares. Não é só porque existem bactérias na urina que se deve dar antibióticos às pessoas. Isso quer apenas dizer que as pessoas são portadoras daquela bactéria, não quer dizer que estão doentes. E o tratamento só deve ser feito quando as pessoas estão doentes, ou seja, quando há infeção. Da mesma forma que os doentes portadores de KPC em isolamento não devem tomar antibióticos contra esta bactéria. Usar antibióticos quando não há doença só serve para aumentar a probabilidade de desenvolver bactérias resistentes.

Prolongar toma de antibióticos nos hospitais portugueses é dos maiores desvios às boas práticas

O que significa torna-se resistente a um antibiótico?

Diz-se que uma bactéria se tornou resistente a um antibiótico quando esse antibiótico (e outros que atuam da mesma maneira) não conseguem controlar a infeção.

Sempre que usamos antibióticos e antimicrobianos estes podem matar uma grande parte das bactérias, mas não matam todas. Entre as que sobrevivem podem existir bactérias que têm mecanismos capazes de sobreviver a esse antibiótico ou antimicrobiano. A bactéria é resistente no sentido em que não morre como se esperaria que acontecesse.

Quanto mais vezes se usar um determinado antibiótico, mais frequente será que sejam estas bactérias “diferentes” das originais a sobreviverem ao tratamento. As sobreviventes, não encontrando competição, vão multiplicar-se e passar a ser mais comuns do que a bactéria original que morreu com o antibiótico. Quando dominam a comunidade de bactérias deixa de ser possível combatê-las com o antibiótico a que se tornaram resistentes.

Este processo de seleção pode acontecer com vários antibióticos diferentes. E uma bactéria que tem mecanismos que lhes permitem sobreviver a vários antibióticos chama-se multirresistente.

Mas a presença de uma bactéria só por si não significa que haja infeção, quer a bactéria seja multirresistente ou não. No intestino, como na pele ou outros locais povoados por bactérias, existe um equilíbrio entre as várias espécies de bactérias. Só quando há algo que afete esse equilíbrio é que algumas bactérias podem crescer sem controlo e causar uma infeção.

Atualizado às 15h15 com as respostas do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Atualizado às 16h50 com grupos de risco, a norma de 2013 e a resposta do PPCIRA da DGS.

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