O colapso de um troço da ponte Morandi esta terça-feira na cidade de Génova, que vitimou 39 pessoas, colocou o estado das infraestruturas italianas sob escrutínio (agora ainda mais) apertado. E os dados já conhecidos não são tranquilizadores: mais de dois milhões de casas em Itália são consideradas “instáveis”, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística Italiano, o Istat. E, desde 2013, segundo avança o jornal britânico The Guardian, 156 escolas também viram parte das suas estruturas desabar.

Inaugurada em 1967, a ponte Morandi tinha problemas de construção desde o início. Construída pelo engenheiro civil italiano Riccardo Morandi, foi a décima segunda ponte a colapsar em Itália desde 2004: cinco das 12 pontes caíram nos últimos cinco anos.

Má manutenção? Muitos dos problemas encontrados hoje na infraestrutura italiana remontam ao boom económico do pós-guerra, que marcou o país nas décadas de 50 e 60. “Il miracolo economico”, o milagre económico, como é conhecido em Itália, ficou marcado por uma intensificação da atividade da construção civil. É aqui que entra a máfia. As organizações criminosas que dominam o imaginário coletivo do crime organizado tiveram um papel preponderante nesse “milagre”. Pontes, estradas, prédios e escolas construídos a uma velocidade vertiginosa, com materiais de construção baratos para potenciar os lucros atraiu para o negócio da construção civil todo o tipo de personagens duvidosas.

Na Sicília, por exemplo, as empresas de construção civil têm muitas ligações com a máfia, a situação dos edifícios e das estradas é particularmente grave. Das 12 pontes que colapsaram nos últimos anos, quatro foram nesta província.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Segundo as investigações, as quatro pontes tinham uma característica em comum: o uso de betão de fraca qualidade. A mistura era composta por uma quantidade  desproporcional de areia e água, com muito pouco cimento. A curto prazo o resultado era o lucro garantido a cada metro construído mas, com o tempo, a deterioração dessas construções aconteceria muito mais rapidamente.

Não há dúvida de que o boom da construção da década de 1960 contribuiu para agravar a situação, porque muito foi construído então – em todos os lugares e nem sempre com padrões adequados”, descreve Maurizio Carta, professor de planeamento urbano da Universidade de Palermo em declarações ao The Guardian.

A influência da máfia na construção civil italiana nos anos 60 foi além do uso de materiais de construção adulterados. O ordenamento do território era consecutivamente ignorado e os vários entraves legais eram facilmente contornados. “Nós construímos em áreas sensíveis, ao longo do leito de rios, em áreas propensas a deslizamentos de terras, ao longo de falésias e em áreas de alto risco”, reforçou Maurizio Carta.

Em 2009 este problema veio ao de cima quando as cheias apanharam de surpresa a cidade de Messina, no norte da Sicília, matando 37 pessoas e ferindo outras 95 que tinham casas construídas numa zona de alto risco.

Na província da Calábria existem dezenas de pontes e túneis em investigação pelos mesmos motivos. “Durante a análise de amostragem de túneis e pontes, encontrei blocos de cimento com uma resistência três vezes mais fraca que a norma”, afirmou Nicola Gratteri, o procurador anti-máfia de Cataranzo, referindo-se a uma série de desabamentos parciais que aconteceram na Calábria.

As obras em questão, afirma, foram feitas pela ‘Ndrangheta. “Na Calábria a máfia entrou para o setor da construção na década de 50 e hoje controla-o completamente”, sublinha Gratteri. A área da construção assume uma parte vital dos lucros da organização criminosa, sendo o segundo setor mais lucrativo para a ‘Ndrangheta “apenas atrás do tráfico de droga”.

Os efeitos da máfia na construção são visíveis ainda hoje. Em Palermo, o chefe da família corleonesi, Vito Ciancimino, foi nomeado chefe das obras públicas.Viria a ordenar a demolição de dezenas de vilas do século 19, substituindo-as por gigantescos blocos de prédios cinzentos. Este período viria a ficar conhecido como “o saque de Palermo”.

Ao todo, existem aproximadamente 300 pontes em risco de colapso em Itália. De acordo com o Conselho Nacional de Pesquisa, o tempo de vida das construções italianas das décadas de 50 e de 60 têm uma vida útil de 60 anos. Algo paradoxal, no país que construiu o Coliseu de Roma, aquedutos e várias estruturas com mais de mil anos.