Um antigo alto cargo do Vaticano em Washington, o arcebisbo Carlo Maria Vigano, está a pedir o afastamento do Papa Francisco acusando-o de ter tido conhecimento de alegados abusos sexuais cometidos em 2013 por um padre norte-americano, o cardeal Theodore McCarrick, e não ter feito nada para o impedir. Numa carta de 11 páginas, Vigano garante que ele próprio informou o Papa, no início do seu pontificado, de que o próprio Bento XVI tinha imposto uma série de sanções que restringia o poder do cardeal norte-americano na Igreja.
A denúncia foi feita numa extensa carta de 11 páginas, amplamente difundida por vários meios de comunicação católicos conservadores como o InfoVaticana ou o The National Catholic Register, termina com um pedido para Francisco renunciar ao pontificado. “Neste momento extremamente dramático para a Igreja Católica, ele tem de reconhecer os seus erros e, em respeito pelo princípio de tolerância zero que está a proclamar, o Papa Francisco deve ser o primeiro a dar o exemplo aos cardeais e bispos que ajudaram a encobrir os abusos do cardeal McCarrick, e ser o primeiro a renunciar”, lê-se, num excerto citado pelo El País.
O cardeal Theodore McCarrick é um antigo arcebispo de Washington D.C. que renunciou no mês passado depois de queixas de ter alegadamente abusado sexualmente de estudantes do seminário e de um jovem acólito. Carlo Maria Vigano, por sua vez, foi embaixador do Vaticano em Washington de 2011 a 2016, tendo-se reformado em 2016, quando fez 75 anos de idade. No comunicado, Vigano descreve uma troca de correspondência que teve com o Papa Francisco a 23 de junho de 2013, pouco depois de Francisco ter assumido a liderança da Igreja Católica, onde lhe dá conta dos casos que envolviam Theodore McCarrick — segundo Vigano, Francisco não chegou a responder e McCarrick continuou com o seu papel central na Igreja da capital norte-americana.
“Santo Padre, não sei se conhece o cardeal McCarrick, mas se perguntar à congregação de bispos há um dossiê só sobre ele. Ele corrompeu gerações de seminaristas e sacerdotes, e o Papa Bento XVI chegou a ordenar que ele se retirasse para uma vida de oração e penitência”, terá escrito Vigano a Francisco em 2013. Segundo Vigano, o Papa “não fez o mínimo comentário sobre as minhas palavras graves e o seu rosto não mostrou nenhuma expressão de surpresa, como se já conhecesse a situação há muito tempo, e mudou de assunto logo de seguida”, acrescenta.
Agora, na ausência de ação contra McCarrick, o antigo embaixador do Vaticano em Washington deixa claro que o Papa soube, se não antes, pelo menos por ele dos abusos cometidos pelo cardeal, mas “continuou a encobri-lo”. Em junho passado, McCarrik, de 88 anos, foi afastado do colégio cardinalício e o papa argentino “ordenou a sua suspensão do exercício de qualquer ministério público, assim como a obrigação de permanecer em casa que lhe será destinada para uma vida de oração e penitência”. O afastamento surgiu na sequência das acusações de abusos, apesar de se ter continuado a declarar inocente.
A acusação de Vigano sobre o “encobrimento” do Papa surge numa altura em que Francisco está na Irlanda para uma visita de dois dias, a primeira de um Papa em 39 anos, sendo que a Irlanda foi palco nas últimas décadas de alguns dos maiores escândalos de abusos sexuais envolvendo a Igreja Católica. Também o relatório sobre os abusos sexuais cometidos por mais de 300 padres na Pensilvânia foi divulgado este mês, adensando ainda mais a sombra que paira sobre a Igreja Católica.
Papa fala sobre abusos, mas não convence as vítimas na Irlanda
Vigano é conhecido no meio como sendo ultraconservador e como alguém com interesse no afastamento do Papa Francisco, visto em muitos setores como mais progressista. Na mesma carta onde acusa o Papa de ter tido conhecimento do caso de McCarrick, o ex-núncio também acusa outros membros da Curia de formarem um ‘lobby gay’ e de encobrirem as acusações contra o cardeal norte-americano. As 11 páginas, contudo, baseiam-se em acusações pessoais, não havendo qualquer documentação ou prova.