A Autoridade da Concorrência (AdC) acusou a EDP Produção por abuso de posição dominante, prática que causou aumentos de preços na fatura de eletricidade paga pelos consumidores. Segundo o regulador, esta prática, que resulta de um duplo ganho para as centrais da EDP, terá causado um dano de 140 milhões de euros aos consumidores de eletricidade. Em causa está, para já, uma nota de ilicitude a que a empresa terá ainda de responder às acusações que são imputadas antes de uma eventual condenação.

A coima pode chegar até 10% do volume de negócios da empresa condenada no ano anterior à fixação da sanção o que no caso da EDP Produção poderá representar um máximo de 145,5 milhões de euros, já que a empresa faturou cerca de 1.465 milhões de euros no ano passado. Ou seja, uma multa que no limite pode ser quase equivalente ao prejuízo que o regulador considera ter sido imputado aos consumidores de eletricidade durante quatro anos.

Segundo a investigação da Concorrência, a EDP Produção manipulou a oferta de um segmento do sistema elétrico, os chamados serviços de sistema, entre 2009 e 2013. Essa “manipulação” passou por limitar a oferta de capacidade de produção nas grandes barragens que são exploradas ao abrigo dos polémicos contratos CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual), de forma a assegurar essa resposta através das centrais em operam em regime do mercado. Com esta atuação, a elétrica terá sido “duplamente beneficiada em prejuízo dos consumidores”.

A EDP confirma que foi notificada esta segunda-feira da nota de ilicitude que irá analisar e tomar “as medidas que entender necessárias nos prazos de que dispõe para o efeito”. O grupo remete para o relatório e contas de 2017 em que afirma não ter beneficiado de “qualquer sobrecompensação no mercado de serviços de sistema entre 2009 e 2014 e que atuou de acordo com o enquadramento legal e contratual em vigor e em obediência às regras de concorrência.”

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Esta prática já tinha levantado as suspeitas dos reguladores, a Concorrência e a ERSE, em 2014, tendo levado o anterior Governo a impor um limite aos preços cobrados pelos serviços de sistema. Foi também o ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade, a pedir uma auditoria a uma entidade independente. Esse trabalho realizado pelo Brattle Group foi já entregue ao atual Governo que apesar de não ter conclusiva apontou para ganhos anormais, tal como o Observador noticiou na altura.

Auditoria confirma subida anormal das margens em centrais da EDP entre 2012 e 2013

O Governo remeteu as conclusões da auditoria para a Comissão Europeu e para a Autoridade da Concorrência que iniciou uma investigação formal, tal como o Observador também noticiou.

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A investigação da Autoridade da Concorrência diz que a elétrica acumulou as compensações públicas (financiadas através do preço da eletricidade) pagas por via dos contratos CMEC com as receitas mais elevadas obtidas pelas centrais que operam em regime de mercado, concluindo que a “EDP Produção onerava os consumidores por essas duas vias”.

Segundo as contas da Concorrência, esta prática terá provocado um prejuízo de 140 milhões de euros para o sistema elétrico e para os consumidores. As conclusões da auditoria realizada pela Brattle Group já tinham apontado para ganhos excessivos da ordem dos 70 milhões de euros cuja devolução o Governo, através da Direção-Geral de Geologia e Energia, chegou a pedir à EDP.

No entanto, em contraditório, a empresa contestou estes valores e foi pedido um aprofundamento da auditoria ao consultor internacional. Do resultado deste trabalho está dependente o cheque final do acerto dos CMEC e que, em vez ser a favor da empresa, poderá a ser favor dos consumidores.

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A EDP Produção é o principal fornecedor do mercado de telerregulação, ou serviços de sistema, um mercado que permite através da oferta de disponibilidade das centrais elétricas assegurar que existe sempre um equilíbrio entre a procura e a oferta na rede elétrica. A posição dominante da EDP neste mercado foi conferida através da gestão das ofertas das suas centrais CMEC (grandes barragens e Sines) e das unidades em regime de mercado (centrais a gás natural). Estas unidades têm regimes de remuneração distintos.

As centrais CMEC têm uma remuneração garantida, ou seja, recebem sempre mesmo se venderem pouca energia ou a preços baixos, sendo compensadas pelas tarifas de eletricidade. As centrais liberalizadas recebem ao preço de mercado. Acontece que a EDP é o único produtor que pode tirar partido dos dois regimes de produção e de remuneração. 

Segundo o regulador, esta posição dominante, conjugada com uma procura rígida,   deu à empresa “a aptidão para influenciar a formação de preços no mercado da telerregulação”.

Para ilustrar este poder, a Concorrência indica que o mercado da telerregulação valia 114 milhões de euros em 2012, ano em que as centrais da EDP terão ganho as margens mais elevadas, enquanto em 2016 e já depois dos limites impostos por via legislativa, valia apenas 37 milhões de euros, apesar de os níveis de procura não terem mudado.

A AdC considera ainda que “este comportamento contínuo de limitação da oferta de serviços” representa “uma violação das regras de concorrência nacionais e da União Europeia e, a confirmar-se, é uma “conduta grave” que afetou um setor central para a competitividade da economia.

Esta poderá ser a maior multa aplicada à EDP que já no ano passado foi visada pela Autoridade da Concorrência com uma condenação que envolveu também a Sonae.

Autoridade da Concorrência multa EDP e Sonae em 38,3 milhões

Ainda na semana passada, foi notícia um processo de contraordenação do Banco de Portugal pela prática de atividades de sistema pagamento da exclusiva responsabilidade do setor financeiro. Este processo pode dar uma multa até dez milhões de euros.