Portugal já entregou à Comissão Europeia a proposta formal para a reprogramação do Portugal 2020 e espera uma decisão de Bruxelas no próximo mês, anunciou, no Parlamento, o ministro das Planeamento e Infraestruturas. Pedro Marques acusou o PSD de criar obstáculos junto da Comissão Europeia, por escrito, a este processo, acusando o partido de ter tido uma “atitude irresponsável”, o PSD acusou o ministro de mentir. As reações da bancada do PSD provocaram várias interrupções na audição do ministro, levando mesmo a presidente da comissão parlamentar a ameaçar interromper os trabalhos.

A intervenção do ministro do Planeamento há duas semanas no debate na generalidade já tinha dado uma amostra e a audição na especialidade confirmou. Por várias vezes, as suas respostas não agradaram à bancada do PSD e os deputados das três comissões que fizeram parte da audição conjunta mostraram o seu desagrado durante as quase seis horas da reunião.

A primeira grande celeuma surgiu com a novidade dada por Pedro Marques relativamente ao Portugal 2020. O Governo tinha dado indicação que esperava a conclusão deste processo ainda este mês e o ministro das Infraestruturas aproveitou a sua audição para deixar a novidade que o processo estava praticamente concluído.

“A submissão formal, obrigatória depois dessa discussão técnica ser concluída, foi feita na última sexta-feira”, disse o governante, que adiantou ainda que espera a resposta no prazo de um mês. Depois da aprovação pela Comissão, poderão ser lançados no imediato concursos para um total de investimentos na ordem dos 460 milhões de euros em várias áreas, inclusivamente a relativa ao Hospital Central do Alentejo.

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Mas além do anúncio, Pedro Marques atacou o PSD, acusando o partido de tentar criar obstáculos ao processo de reprogramação durante a discussão com a Comissão Europeia, fazendo-o ao enviar “informações escritas à Comissão Europeia tentando obstaculizar o processo”.

Pedro Marques disse mesmo que um deputado do PSD “enviou uma carta a Bruxelas a por em causa a reprogramação do Portugal 2020”.

Segundo o ministro, o PSD teve “uma atitude irresponsável” ao tentar “colocar pedras na engrenagem relativamente à execução” e que por isso o Governo teve de trabalhar com a Comissão Europeia para “eliminar todos os ruídos introduzidos nesta matéria pelo PSD”. No final, o PSD “não teve ganho de causa”, disse.

Pedro Marques não se furtou a fazer acusações à direita, no seu estilo combativo, acusando o partido, mais uma vez, de não ter deixado qualquer projeto no seu Ministério, lembrando que Pedro Passos Coelho foi à inauguração da obra do IP3, que não avançou e ainda de o partido ter feito privatizações, como a dos CTT, sem deixar qualquer possibilidade aos governos de influenciar a estratégia dos correios.

As críticas não caíram bem ao PSD, com os deputados presentes a interromperem várias vezes as respostas de Pedro Marques com apartes, gerando mais apartes do lado do ministro.

O burburinho gerado levou a presidente da comissão parlamentar de orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, Teresa Leal Coelho a ameaçar suspender os trabalhos.

Pedro Marques disse ainda que os deputados do PSD “não querem ser esclarecidos sobre o orçamento de 2019, nem querem ser esclarecidos sobre a execução do Portugal 2020” e à semelhança do que já tinha feito durante o debate na generalidade, o governante disse que os deputados do PSD quando não gostam da resposta “aumentam os decibéis”.

“Quando não gostam daquilo que ouvem, não assumem a responsabilidade, nem deixam falar”, disse o ministro. Teresa Leal Coelho, deputado do PSD e presidente da comissão de orçamento, pediu várias vezes aos deputados para criarem condições para que o ministro falasse. À terceira vez que fez este pedido, Teresa Leal Coelho ameaçou mesmo interromper a audição. “Vamos criar condições, porque se não estiverem criadas condições, se for necessário suspendo mesmo a sessão”, disse Teresa Leal Coelho.

No entanto, a situação não melhorou. Joel Sá, deputado do PSD, aproveitou a última ronda para dizer que no seu entendimento “o senhor ministro está a faltar à verdade, porque o PSD não apresentou nenhuma queixa em Bruxelas” e foi ainda mais longe. “A aldrabice tem limites. Sabemos que é um bom amigo de José Sócrates”, disse o deputado, lembrando que está na altura do Governo começar a prestar contas e que a execução dos orçamentos tem ficado muito abaixo do previsto.

Teresa Leal Coelho, que além de presidente da comissão é também deputada do PSD, não gostou da retórica inflamada, e chamou à atenção dos deputados para as palavras que estavam a ser usadas nas intervenções que seriam ofensivas da dignidade do ministro e que ficavam mal ao Parlamento: “peço alguma atenção para o uso de expressões, que são particularmente lesivas da imagem do Parlamento”.

A falta de investimento e os CTT

As críticas à falta de investimento não surgiram apenas da direita. Também o Bloco de Esquerda e o PCP questionaram os números apresentados pelo ministro para o investimento já executado e aquele que o Governo prevê executar no próximo ano.

Se da direita Pedro Marques ouviu acusações como de que seria um “ministro da propaganda”, de fazer promessas e não prestar contas e de apresentar um documento opaco, como foi o caso pela voz de Fátima Ramos do PSD, da esquerda não foi muito diferente.

Heitor de Sousa, do Bloco de Esquerda, disse que entre aquilo que se anuncia – em termos de investimento público no orçamento – e o que se executa todos os anos, tem vindo a aumentar a diferença. “Todos os anos o défice do orçamento que tem sido previsto pelo Governo vai além daquilo que estava previsto. E o que fica por executar, senhor ministro, é o investimento público”, disse o deputado.

O deputado do PCP Bruno Dias disse que existe um atraso a recuperar que é claro e que “ao fim de quatro se percebe que o problema está muito longe de tender a ser resolvido” e foi mais longe, especialmente no que diz respeito à falta de capacidade de resposta da CP ao aumento da procura: “Para fazermos brilharetes no Eurogrupo, não há comboios. E isto não pode ser”.

Pedro Marques defendeu os números que veio apresentar ao Parlamento, números esses que já tinha apresentado durante o debate na generalidade que aconteceu no final do mês de outubro, de que o investimento da Administração Central estará a crescer mais de 30% até ao terceiro trimestre, e que o investimento da Infraestruturas de Portugal está a crescer mais de 130%.

Também a questão dos CTT mereceu críticas à direita e à esquerda. O próprio ministro disse que considerava errada a estratégia de encerramento dos postos dos CTT nas sedes de concelho, mas que admitiu que não tinha instrumentos à sua disposição para evitar que isso acontecesse.

Bloco de Esquerda, CDS-PP e o PCP questionaram as palavras do ministro, dizendo que este poderia invocar o interesse público para revogar o contrato de concessão do serviço postal, mas Pedro Marques disse que desde que a empresa foi privatizada a 100% que o Estado deixou de ter a possibilidade de interferir na estratégia da empresa e deixou a responsabilidade para a direita. No entendimento do ministro, o memorando da troika não exigia a privatização a 100% e é devido a esta decisão que o Governo está agora de mãos atadas.