O prazo da prisão preventiva dos primeiros 23 arguidos que terão participado no ataque à Academia do Sporting em Alcochete está a condicionar a investigação do Ministério Público (MP). Tudo porque o prazo original dos seis meses termina no próximo dia 21 de novembro e, para evitar a saída em liberdade dos suspeitos que terão atacado os jogadores Bas Dost, Acuña, Battaglia e o treinador Jorge Jesus e diversos membros da equipa técnica clube, a procuradora Cândida Vila pode ser obrigada a encerrar o inquérito e deduzir acusação.

Se o fizer, a magistrada responsável pela investigação poderá solicitar ao juiz de instrução criminal Carlos Decla a renovação da prisão preventiva desses 23 arguidos com os mesmos pressupostos que levaram o mesmo magistrado do Tribunal do Barreiro a decretar a medida de coação máxima no dia 21 de maio. Na altura, o Ministério Público alegou que existia perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito, perigo da continuação de atividade criminosa e perturbação da ordem pública.

Ao que o Observador apurou, a outra opção que resta à procuradora Cândida Vilar será conformar-se com a saída em liberdades desses 23 arguidos — que foram detidos ainda na Academia do Sporting pela GNR do Montijo. Tal opção permitiria ao MP continuar a investigação, visto que o prazo para o encerramento de inquérito (seis meses que terminam amanhã, 15 de novembro) é meramente indicativo e suscetível de ser prorrogado.

O pedido de especial complexidade vem fora de prazo

Este problema não existiria se o MP tivesse requerido há mais tempo que o juiz decretasse a especial complexidade da investigação. Como o Observador noticiou, a procuradora Cândida Vilar só o fez semana passada, a 7 de novembro — ainda antes de avançar para a detenção de Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting, e de Nuno Mendes ‘Mustafá’, líder da Juve Leo. Contudo, já era tarde demais.

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Explicando. Como o Observador revelou, o  juiz Carlos Delca começou por deferir o pedido do MP, mas esqueceu-se que os arguidos teriam de pronunciar-se sobre a matéria. Feitas as notificações aos 37 arguidos que estão detidos preventivamente, as mesmas só foram concluídas no dia 10 de novembro. Com os 10 dias de prazo dados pelo juiz Delca aos arguidos para arguirem sobre o pedido do MP, tal significa que a decisão podia ser dada no dia 20 de novembro — um dia antes do final do prazo de prisão preventiva de seis meses. O problema, contudo, é que a esse prazo de 10 acrescem três dias extra em que os advogados dos arguidos poderão ainda apresentar a sua posição, mediante o pagamento de uma multa. O que significa que o prazo final só termina no dia 23 de novembro — dois dias depois do final do prazo para a prisão preventiva.

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É importante não esquecer que o prazo de seis meses de prisão preventiva que termina no dia 21 de novembro tem só a ver com primeiros 23 arguidos detidos no mesmo dia em que se verificou o ataque à Academia de Alcochete. Mais tarde, o MP e a GNR procederam a novas detenções que também tiveram como consequência a prisão preventiva dos respetivos suspeitos. A saber:

  • 7 de junho — quatro arguidos são detidos, entre eles estão Fernandes Mendes, ex-líder da Juve Leo, e ‘Aleluia’. Ficam em prisão preventiva.
  • 10 de julho — mais nove arguidos são detidos pela GNR, tendo sido decretada a sua prisão preventiva;
  • 9 de outubro — Bruno Jacinto, ex- funcionário que desempenhava funções como oficial de ligação aos adeptos do Sporting é detido.

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Todos estes arguidos têm o seu respetivo prazo de prisão preventiva de seis meses a correr.

Refira-se que o entendimento maioritário da Relação de Lisboa, no que diz respeito ao início da contagem desse prazo de seis meses, tem sido que o mesmo só começa a contar a partir da decisão do juiz de instrução que decreta a medida de coação mais gravosa. É isso mesmo que sustenta, por exemplo, um acórdão de fevereiro de 2004, no qual os juízes desembargadores decidem que “o dia a que se deve atender para contagem do prazo máximo de prisão preventiva aplicada (…) é o do seu início e não o da data da detenção cautelar prévia”. Ou seja, neste caso, não contariam os seis dias em que os arguidos estiveram detidos, à espera que fossem feitos todos os interrogatórios judiciais e que fossem decididas as medidas de coação.

Primeiro pedido de libertação avança às 00h01

Não é esse o entendimento de João Martins Leitão, advogado de um dos suspeitos daquele primeiro grupo de detidos, a 15 de maio. Pelo contrário, Martins Leitão diz que o prazo da prisão preventiva esgota-se já esta quinta feira, 15 de novembro, porque começou a contar no momento da detenção e não apenas seis dias depois, a 21 de maio, quando o juiz efetivamente aplicou a medida de coação máxima, no final de todos os interrogatório judiciais.

Para o sustentar, o advogado cita acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e o Código de Processo Penal anotado pelo juiz conselheiro António Jorge de Oliveira Mendes, que apoiará o mesmo entendimento. Se assim for, esses primeiros 23 detidos terão de ser libertados já esta quinta-feira, a não ser que, num contra relógio ainda maior, a procuradora Cândida Vilar avançasse com uma acusação imediata.

É essa, aliás, a base da argumentação de um habeas corpus que avança já às 00h01 de quinta-feira — um pedido de libertação imediata do cliente que representa, por excesso de prisão preventiva, que terá de ser analisado no prazo de uma semana pelo Supremo Tribunal de Justiça. O mais provável é que a esse se sigam pedidos semelhantes de outras defesas.

Ouvido pelo Observador, João Martins Leitão admite que há entendimentos diferentes em que relação aos prazos, mas sublinha que, sem acusação, todos terão de ser libertados, seja no dia 15, seja no dia 21. Isto porque, garante, ele próprio e o cliente que representa não foram notificados de qualquer despacho do juiz Carlos Delca a pedir às defesas que se pronunciassem sobre a declaração de especial complexidade pedida pelo Ministério Público, como manda a lei.

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Pelo contrário, explica que na sexta-feira passada, dia 9 de novembro, o arguido foi notificado, na cela onde está detido, da decisão já tomada de prolongar os prazos da investigação por causa da especial complexidade — o tal despacho que viria  ser anulado pelo juiz de instrução, por não ter sido aberto prazo para o contraditório das defesas. Garante que nunca recebeu o despacho que terá sido produzido a seguir, a retificar a decisão, pedindo às defesas para se pronunciarem. Por isso mesmo, avançou com um requerimento em que alega a nulidade da decisão.

Se, entretanto, for notificado do novo despacho, também já tem o próximo passo decidido: vai pedir o afastamento do juiz Carlos Delca, num incidente de recusa. Tal como o Observador tinha explicado na segunda-feira, dificilmente as posições das defesas quanto ao pedido de especial complexidade apresentado pelo MP fariam o magistrado mudar de opinião em relação à decisão que, precipitadamente, tomou — de dar mais seis meses à investigação. João Martins Leitão entende que, nesse caso, está posta em causa a imparcialidade exigida a um juiz, porque isso significaria que ouviu as defesas apenas como um formalismo técnico, sem qualquer intenção de, de facto, ter em conta os argumentos que possam apresentar para contrariar o pedido da procuradora Cândida Vilar.