O presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Ramos Soares, foi chamado ao final desta tarde de segunda-feira ao Ministério da Justiça. A horas de começar uma greve, que esta terça-feira promete paralisar os tribunais, a ministra Francisca Van Dunem pediu-lhe mais tempo para encontrar uma solução às suas reivindicações. Mas a associação sindical disse que na falta de propostas concretas não desconvoca a greve, soube o Observador.
“O Ministério da Justiça para, eventualmente, ir ao encontro das nossas exigências pedia mais tempo, mas não nos deu uma garantia escrita e formal igual à que tinha sido dada no sábado antes da Assembleia Geral, não havendo um pedido mais firme não havia motivos para desconvocar a greve de amanhã e dia 21. Não estou a dizer que não acredito na ministra, mas já tivemos a desconvocatória de uma greve depois de um compromisso verbal, isso não pode acontecer duas vezes”, disse ao Observador o presidente da ASJP, após ter reunido com a ministra.
A governante esperou pelo final das reuniões feitas esta segunda-feira em dez tribunais de norte a sul do País para chamar o representante dos juízes e tentar travar a greve. Mas, recorde-se, já há cerca de um ano a mesma associação sindical, na altura representada pela juíza Manuela Paupério, suspendeu uma greve de dois dias após ter reunido com a bancada parlamentar do PS — pensado que a revisão do estatuto iria avançar e responder aos seus pedidos. Mas, até agora, Governo e juízes não chegaram a acordo.
Depois da reunião em Lisboa, uma chamada do Ministério
Na sala de audiência do sétimo andar do Palácio da Justiça, em Lisboa, não se cumpre o silêncio habitual. A horas de começar a greve convocada pela ASJP, mais de uma centena de juízes esperam animados que o presidente Manuel Ramos Soares chegue do Porto para mais uma reunião de esclarecimentos sobre a greve que se prolongará ao longo de um ano — ou até o Governo aceitar discutir o novo estatuto nos termos exigidos pelos magistrados.
Era suposto começar às 15h00 e o juiz entra na sala em passo apressado quinze minutos depois. Pousa o casaco com um ar feliz e, ao mesmo tempo, estafado, desaparece uns minutos e regressa à sala recomposto. Os jornalistas tiram imagens e preparam-se para tirar apontamentos quando o presidente revela: “estamos a reunir centenas de juízes, é importante transmitir o que aconteceu. Vou ali fora prestar umas declarações aos jornalistas, porque eles precisam de sair”, disse, deixando à equipa com quem trabalha a missão de ler as reivindicações da greve.
Os jornalistas tiveram que abandonar a sala e as portas só se abriram mais de uma hora depois, para que pudessem captar a imagem do final da reunião — em que todos aplaudiram o presidente. O Observador apurou junto de uma fonte que esteve na sala de audiências, convertida em sala de reuniões, que houve quem tivesse questionado se a greve seria mesmo a solução a abraçar e se “esta não seria uma forma de fechar a via negocial com o governo”, mas, já no final da reunião, o presidente garantiu ao Observador que ninguém manifestou vontade de não aderir à greve. “Os juízes tiveram dúvidas e esclareceram-nas”, disse.
A juíza desembargadora Margarida Fernandes, ao serviço do Tribunal da Relação de Guimarães, só se apercebeu que a reunião iria decorrer à porta fechada depois de o presidente falar à comunicação social. Quando ele regressou à sala e garantiu que as portas estavam fechadas para arrancar a conversa. “Pareceu-me que o fez para para “as pessoas não se sentirem constrangidas a colocarem dúvidas”, explicou. Sem avançar com grandes informações sobre a reunião, sublinhou o facto de ter tido colegas que vieram da Margem Sul, de Sintra, do Parque das Nações e que “deixaram o que estavam a fazer para ali estar”. “Não ouvi dissonâncias, mas diria apenas que na exposição que foi feita, o presidente da Associação falou de vários cenários possíveis como é normal, tudo no reino das hipóteses”, refere. Cenários possíveis da reação do Governo e da resposta a dar pela parte do sindicato.
A juíza acabou por sair antes de terminar a reunião. “Estava mais interessada em ouvir o presidente da associação porque ele fez um resumo dos contactos que foram feitos entre a assembleia geral e hoje”, diz.
Já a colega, Cristina Esteves, presidente do Movimento Justiça e Democracia, trabalha como juíza de instrução no Tribunal de Cascais e não conseguiu estar presente. Mas é uma das magistradas que garante aderir à greve que se prolongará durante um ano — com cinco dias de greve agendados em novembro, cinco dias em dezembro e um dia por mês entre janeiro setembro, a greve só termina em outubro de 2019 (para este mês estão agendados três dias de paralisação).
Ao Observador, a magistrada lembrou como a questão remuneratória afecta a classe. “Há colegas que renunciam à promoção porque ficam a ganhar menos”. Ou seja, recusam ir para os tribunais superiores porque o que gastam nas deslocações traduz-se numa redução salarial. E até dá o exemplo do marido. “Está num tribunal superior do Porto e apesar de pagarem o comboio, ele vai uma vez por mês durante três dias para se inteirar dos processos. E tem que pagar o hotel do seu bolso. Ora o aumento de 20, 30 ou 40 euros não se reflete”, exemplifica.
A questão remuneratória é a que mais preocupa os juízes na discussão do estatuto. Porque, segundo alegam, é essa que o Governo não quer discutir. A 2 de novembro, ainda antes da Assembleia Geral que determinou a greve, ainda houve a proposta de integrar o subsídio de funções que os juízes recebem no seu salário base. Mas foi pior a emenda. “O problema é que aquilo que foi proposto era desbloquear o tecto salarial, e a resposta que nos deram foi englobar o subsídio de ajudas de custo no vencimento e tributar, o que significa que daqui a cinco ou dez anos tinham menos 10, 15 ou 20% do vencimento que têm hoje”, explicou o juiz Manuel Ramos Soares aos jornalistas à porta da sala onde decorreu a reunião.
“Em 1988 houve a primeira greve de juízes e houve um acordo com o Estado e foi criado um regime remuneratório. Em 1990, o governo bloqueou com uma lei travão e houve já três provedores de justiça a dizer que esta lei tem que ser revogada”, advertiu. “Por um lado o Governo recusa-se a discutir esta matéria com essa abertura, por outro recusa-se a cumprir um acordo que fez com os juízes em 2003, foi violado em 2005 “, acusa.
Depois das várias tentativas de negociação, e de uma greve que chegou a ser anunciada há pouco mais de um ano e que acabou cancelada na esperança de que o caso ficasse resolvido, a ASJP inicia esta terça-feira a prometida greve. “Os tribunais vão parar”, prevê o magistrado. “É natural que as pessoas tenham diligências marcadas há algum tempo e que cheguem a tribunal e não tenham um juiz para fazer o julgamento ou uma diligência, mas esse é um custo que tem que se pagar quando se faz uma greve e nós também pagamos esse custo”, avisa.
Após a reunião e o aviso lançado via rádios, jornais e televisões, Manuel Ramos Soares convidou a equipa que o rodeava para um copo. O dia tinha sido cheio. Nesta altura uma chamada do Ministério da Justiça mudava-lhe os planos. A ministra da Justiça queria reunir. O juiz entrou confiante no Ministério, mas no lugar de uma oferta tinha um pedido: mais tempo para o Governo encontrar uma solução. O representante dos juízes não encontrou no pedido força suficiente para travar a greve. E disse-lhe que não.