A Rede Angolana das Organizações e Serviços da sida (ANASO) lamentou esta terça-feira que o país, apesar de todos os esforços, “continua a perder a guerra” contra a sida, registando anualmente 28 mil novas infeções e 13 mil mortes.

A posição foi esta terça-feira expressa em Luanda pelo secretário executivo da ANASO, António Coelho, à margem do arranque do workshop de Validação do Relatório da Avaliação do Ambiente Jurídico-legal do VIH/sida, que termina quinta-feira, organizado pelos ministérios da Saúde e da Justiça e Direitos Humanos de Angola, em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

António Coelho disse que em Angola a taxa de transmissão vertical de sida, ou seja, de mãe grávida para o bebé, é de 26%, a mais alta da Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral (SADC). “O que quer dizer que, apesar de todos os esforços que estamos a fazer, continuamos a perder a guerra no combate contra a sida”, frisou.

“Temos de arregaçar as mangas e declarar uma guerra aberta contra a epidemia e, neste momento, que vem aí as jornadas alusivas ao Dia Mundial da sida, que este ano se comemora sob o lema ‘Conheça o seu Estado Serológico, embora Fazer o Teste do VIH’, vamos aproveitar a oportunidade para o país fazer uma reflexão aturada, que nos permita, nos próximos tempos, inverter a situação e não permitir que mais angolanos se infetem e morram por causa da sida”, acrescentou.

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Num outro encontro, realizado esta terça-feira, em Luanda, a diretora do Instituto Nacional de Luta contra a sida (INIL), Lúcia Furtado, disse que perto de 27 mil mulheres grávidas, das 310 mil pessoas que vivem com o VIH no país, são seropositivas, segundo dados da instituição, referentes a 2017.

Lúcia Furtado falava sobre a campanha nacional “Nascer Livre para Brilhar”, a ser lançada a 1 de dezembro, data mundial dedicada à reflexão sobre a doença, na província angolana do Moxico, pela primeira-dama de Angola, Ana Dias Lourenço.

Segundo a responsável, a campanha visa fazer com que a sida infantil deixe de ser um problema de saúde pública até 2030, através da sensibilização sobre a importância de prevenção e o incentivo a toda a mulher grávida a realizar o teste para saber do seu estado serológico, bem como o do seu parceiro.

Nos próximos três anos, tempo de duração da campanha, vão ser acompanhados os indicadores de incidência (novos casos) e de prevalência (soma de novos casos e os antigos). Atualmente, a taxa de prevalência de transmissão vertical é de 2%, segundo dados do Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde e do Instituto Nacional de Estatística (2015-2016). Em Angola, a luta contra a transmissão do vírus de mãe para filho teve início em 2004, através do Programa de Corte de Transmissão Vertical.

Organizações angolanas recebem 15 denúncias diárias de contaminação dolosa por sida

Angola regista uma média diária de 15 denúncias de casos de transmissão dolosa do VIH, situação que o secretário executivo da Rede Angolana das Organizações e Serviços da sida (ANASO) considerou esta terça-feira como “preocupante”.

António Coelho indicou que o nível de estigma e de discriminação na sociedade angolana é muito alto, salientando que os últimos estudos apontam que mais de 33% da população discrimina a pessoa com VIH. O ativista referiu que Angola aprovou a Lei 8/04, para a proteção e defesa das pessoas vivendo com o VIH, em 2004, mas este diploma legal “é muito pouco divulgado e ainda não foi regulamentado, o que dificulta o recurso a ela por parte de pessoas vivendo com VIH”.

Para António Coelho, a ausência de uma regulamentação da lei até agora deve-se à falta de “vontade política”, cuja liderança é da responsabilidade da Comissão Nacional de Luta contra a sida e Grandes Endemias, “que não funciona”.

“Temos de, aos diferentes níveis, criar condições para que as pessoas possam ser protegidas e é esse exercício que vamos fazer aqui durante três dias, pois vai nos permitir seguramente sair daqui com um plano de ação, que permita no futuro fazer com que as pessoas, as famílias e as comunidades angolanas tenham maior proteção em relação à transmissão por VIH”, disse.

Os índices de discriminação, de acordo com António Coelho, são altos “de forma muito particular, nas pessoas vivendo com VIH, nos homens que fazem sexo com outros homens e nas trabalhadoras de sexo, por parte da população”.

“Não temos instrumentos que nos permitam proteger essas pessoas. Por essa razão, decidiu-se fazer uma avaliação do atual contexto legal e jurídico das questões relativas ao VIH no país, e concluímos que grande parte dessas pessoas, senão todas, estão desprotegidas”, frisou.

Sobre os casos de transmissão dolosa ou por negligência do vírus, a Lei 8/04 prevê criminalização para as pessoas que o pratiquem, com uma pena igual ao do envenenamento, que vai dos 20 aos 24 anos de prisão.

O secretário executivo da ANASO lembrou que a Assembleia Nacional está a ensaiar, do ponto de vista de reflexão e discussão, uma abordagem em relação à pena, no âmbito da transmissão dolosa, pelo que as organizações da rede, por recomendação da ONUSIDA e da Comunidade de Desenvolvimento de Países da África Austral (SADC) estão a fazer uma reflexão aturada sobre o assunto.

“Queremos ver se vale a pena enveredarmos pela criminalização das pessoas que praticam o dolo e a negligência ou se devemos ensaiar outras ações de prevenção, fundamentalmente ações de consciencialização e de sensibilização das pessoas para uma mudança de comportamento. É uma reflexão que vamos continuar a fazer”, salientou.

Contudo, a posição da ANASO em relação a esta reflexão é a de que se deve manter a criminalização “de todos aqueles que, em princípio, praticam o dolo, a contaminação consciente e que se reflita um pouco mais em torno daqueles que, por negligência, enveredam por essa via”.

De acordo com António Coelho, não existem estatísticas oficiais sobre o número de contaminações dolosas, mas diariamente as organizações recebem uma média diária de 15 denúncias, que têm estado a remeter às autoridades competentes.

“Temos estado, sobretudo, a encorajar as pessoas no sentido de continuarem a aderir a esse processo de denúncia, para, se não evitar, pelo menos reduzir a situação, porque, em consequência disso, estamos também nesses últimos a registar várias denúncias de casos de violência sexual, que de alguma forma estão a comprometer os esforços de prevenção do país no âmbito do VIH”, informou.